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Por Maringá ser uma cidade relativamente jovem, muitos de seus autores e depoentes vivenciaram os processos de formação, desde a derrubada da mata, a pujança da cafeicultura e demais culturas desenvolvidas em seu espaço. E também incorporaram os discursos ideológicos da ação colonizadora, pautado no trabalho e no progresso. Ou seja, valores que estiveram na base da construção da memória do município, e na seleção daqueles que seriam seus representantes. Os escolhidos foram os imigrantes japoneses, poloneses, italianos, espanhóis, paulistas, mineiros, gaúchos, ou seja, todos aqueles que logo se estabeleceram como proprietários. Já os trabalhadores volantes, pessoas comuns e marginalizadas que se deslocaram para essa região, também com o objetivo de prosperarem, mas por não se enquadrarem nessas categorias, não ocuparam esse espaço privilegiado nas memórias da cidade.

Sobre a migração de nordestinos, vários autores analisados reiteram o discurso presente nos trabalhos de historiadores, geógrafos, sociólogos, dentre outros que escreveram sobre a região. Esses discursos apontam a presença nordestina como mão de obra desqualificada, utilizada principalmente nos trabalhos no desmate e realizadores de serviços braçais. Numa cidade que cresceu sob o lema do progresso e do pioneirismo, a realização de trabalhos manuais não especializados, não possui o mesmo reconhecimento que o status de proprietário ou de um profissional liberal. Por isso, os responsáveis pela realização dessas atividades, e também aqueles em que é atribuída a responsabilidade no seu cumprimento, tiveram sua participação minimizada na história e nas memórias de Maringá, sendo

colocados como coadjuvantes desse processo. Esse fato pode ser facilmente constatado nas falas de um dos autores analisados.

Então é... os nordestinos eles vieram pra cá pra trabalhar né? Então era uma... era uma classe de pessoas que servia a esses pioneiros que vieram pra... pra morar, pra fazer uma casa ou pra abrir uma fazenda de café. (Depoimento de Rogério Recco. IN: NEVES, 2009a, p. 07)

Aqui, nota-se claramente a diferenciação estabelecida entre “pioneiros” e nordestinos. Nesse discurso, em torno do pioneiro é criada uma imagem de fixação e pertencimento. Já os nordestinos, são apontados como uma categoria inferior aos primeiros, por sua “condição” de mão de obra itinerante. A perpetuação dessas imagens excluiu aqueles que ficaram, se estabeleceram, seja por um período mais breve ou que estão até hoje no município. A construção desse discurso predominante, não se deve apenas a esses trabalhos, mas também pela existência de uma ideia criada no senso comum, que se institucionalizou como natural, sendo reiterada em eventos municipais, comemorativos, ou informativos.

Mesmo com o considerável daqueles que se destacaram na política, como profissionais liberais, em carreiras públicas e até como empresários bem sucedidos, essas características quase nunca são ressaltadas. Mas pela posição social diferenciada, esse grupo de nordestinos “ilustres” foram postos na categoria de pioneiros do município. Já aqueles, tanto no campo como na cidade, que não fazem parte dessa galeria de personagens, foram resgatados de forma indireta em alguns dos trabalhos analisados. Suas trajetórias foram expostas apenas por estarem em contexto com algum fato ou acontecimento marcante, ou relacionado a outros grupos regionais, como foi verificado no trabalho de Eliel Diniz (1983) e Ildeu Manso Vieira (1999).

Ao referirem-se a essa parcela migratória, alguns autores reiteraram estereótipos enraizados no senso comum. Preconceitos relacionados à língua, ao sotaque, à origem são facilmente verificáveis em alguns discursos, mas principalmente, nos relatos daqueles que foram hostilizados. Para enfrentarem essas situações ou mitigar seus efeitos, alguns ocultavam sua origem, tentavam atenuar seu sotaque ou adotavam uma nova região de nascimento. Com isso passavam a serem paulistas, paranaenses, mineiros,

gaúchos, como se o fato de ter passado por esses outros estados, lhes conferissem o status de trabalhador, pois perpassaram por uma espécie de “processo civilizatório”, que ofuscava a “má reputação” da região de origem.

Em termos culturais, suas contribuições mais visíveis e rememoradas no interior desses trabalhos, foram em relação à culinária e também à música. A lembrança de bailes e festas com comidas típicas, as Casas do Norte com produtos da culinária nordestina, as conversas entre conterrâneos e laços de solidariedade foram e ainda são estratégias utilizadas por esses migrantes para manterem-se ligados à sua cultura e de relembrarem da terra de origem.

Um dado constatado na maioria dos trabalhos analisados consiste na predominância do papel desempenhado pelo homem, e mostrando muito pouco do universo feminino e da contribuição das mulheres que migraram para o Norte do Paraná, e igualmente participantes nesse processo histórico. As menções as mulheres nordestinas, geralmente estão associadas à imagem dos seus esposos. No entanto, naqueles trabalhos em que são trazidos detalhes sobre o cotidiano feminino é verificado que o cuidado com os filhos, o trabalho na lavoura. Assim como o desempenho em outras atividades como as funções de lavadeira e professora.

Contudo, por meio das análises desses livros de memorialistas, ensaístas e jornalistas ficou evidente que passadas várias décadas do fim desse processo de expansão no Estado do Paraná, existe muita especulação sobre a participação dos nordestinos, e poucos trabalhos empíricos que atestem uma realidade distinta. Exceção à parte, aqueles produzidos pelos próprios nordestinos e os que trazem relatos sobre suas experiências, seus dramas, a interação com outros grupos, solidariedade e preconceitos sofridos. Esses nos dão um panorama bem maior de sua atuação, mas ainda são poucos consultados, talvez pelo pouco interesse até muito recentemente na reconstrução da trajetória desses personagens, colocados como coadjuvantes na memória do município.

Nos nossos dias, já ninguém duvida de que a história do mundo deve ser reescrita de tempos em tempos. Esta necessidade não decorre, contudo, da descoberta de numerosos fatos até então desconhecidos, mas do nascimento de opiniões novas, do fato de que o companheiro do tempo que corre para a foz chega a pontos de vista de onde pode deitar um olhar novo sobre o passado...

III CAPÍTULO

UM NOVO OLHAR SOBRE O MIGRANTE NORDESTINO EM MARINGÁ