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5.2 ANÁLISE DAS EVIDÊNCIAS QUANTO A TEORIA DA OBJETIVAÇÃO

5.2.2 Dissonância na mobilização de meios semióticos

Para estabelecer a análise proposta nesta seção, inicialmente precisamos destacar, no âmbito da teoria da objetivação, o entendimento de construtos semióticos como os que caracterizam o nó semiótico, a contração semiótica e a orquestração icônica. A ideia de dissonância aqui proposta deve ser entendida no âmbito da mobilização de meios semióticos no campo de proximidade de uma possível configuração de construtos semióticos como esses citados.

O primeiro construto citado, o nó semiótico, já definimos anteriormente que é o momento do labor conjunto em que os meios semióticos são articulados de tal maneira que levam o indivíduo a progressivamente tomar consciência de determinados saberes mobilizados, como resultado do processo de Objetivação (RADFORD et al, 2017). Portanto, o que caracteriza o nó semiótico é essa articulação de meios semióticos, que num efeito multimodal produz como resultado a tomada de consciência do objeto do saber posto em movimento no labor conjunto. A contração semiótica é reorganização dos meios semióticos utilizados no processo de objetivação, de forma a descartar alguns recursos utilizados e otimizando o processo por meio de uma escolha mais consciente dos recursos semióticos a serem utilizados, simplificando o processo, que ocorre de forma

mais direta (RADFORD; SABENA, 2015). Já aorquestração icônicacaracterizamos como a coordenação dos meios semióticos utilizados por outro indivíduo, reformulando-a e utilizando-a como referência para desenvolver o seu processo de coordenação dos meios semióticos. (RADFORD, 2009)

Assim, o labor conjunto é então caracterizado pela a articulação de diversos meios semióticos, num contínuo processo de objetivação e subjetivação, mas apenas em determinados momentos, essa articulação resulta na configuração desses construtos semióticos. Por consequência, podemos compreender então, que muitas vezes a articulação dos meios semióticos não necessariamente redundam na configuração desses construtos semióticos, que podem ocorrer ou não em determinado momento da atividade, dependendo de como os meios semióticos sejam articulados.

Diante disso, chamamos de dissonância, quando no momento imediatamente antes de uma possível configuração desses construtos semióticos, a desarmonia na articulação de um ou mais meios semióticos, num efeito multimodal, não permite, naquele instante, a configuração desses construtos semióticos. Portanto, consideramos essa dissonância em um sentido icônico, uma vez que caracteriza uma desarmonia na articulação de meios semióticos.

Destacamos que a ocorrência ou não desses construtos semióticos em determinado momento do labor conjunto não deve ser considerado um indicador de uma falha no processo de objetivação, que transcorre continuamente e de forma não-linear. Assim, o que chamamos de dissonância deve ser entendida então, como a identificação desses momentos nas proximidades da possível configuração desses construtos semióticos e como parte integrante do processo de objetivação.

Para ilustrar aquilo que consideramos dissonância, destacamos as evidências que ocorreram no Segmento 5 (Seção 4.2.1). Neste momento da atividade, as estudantes do Grupo A tentaram seguir as orientações escritas pelo Grupo B, para percorrer alguns itinerários dentro da escola, com base numa planta baixa também elaboradas por elas. As estudantes do Grupo A identificaram então que as instruções escritas não estavam completas e tentaram demonstrar isto para as estudantes do Grupo B, enfatizando o que precisaria ser melhor detalhado na orientação escrita. Todavia, ao tentar expressar isto, a Estudante A1 articulou meios semióticos como gestos, expressão facial e tom de voz, passando uma mensagem de forma agressiva, dizendo: “Ô Estudante B1, por que tu não colocou mais exato, aqui? Não tem nada! Ó, ó, ó!” (L1). Foi complementada pela Estudante A2 que disse com o mesmo tom de voz agressivo: “Porque aqui só tem...

direto... e aqui tem três garagens [entendemos como três entradas]. Você não botou se era para virar pra cá ou para cá!” (L2)

Diante disso, as estudantes do Grupo B articularam meios semióticos como modo de defesa e não para refletir especificamente sobre os objetos matemáticos citados pelas estudantes do Grupo A. Além disso, como forma de marcar posição no conflito trouxeram possíveis erros que também foram cometidos pelo Grupo B, quando elaboraram a orientação dos itinerários. O diálogo encerrou-se nessa postura de conflito, sem as estudantes fazerem a reflexão sobre o que necessitaria ficar melhor explicitado para deixar a comunicação da orientação espacial mais clara. Evidenciamos então que este momento possibilitaria a reflexão das estudantes sobre saberes matemáticos envolvidos na tarefa, entretanto, alguns meios semióticos foram articulados de forma que desviaram a atenção das estudantes desses saberes matemáticos mobilizados, não permitindo a configuração de um nó semiótico, caracterizando assim o que chamamos aqui de dissonância.

Podemos destacar ainda como evidência o momento que ocorreu no Segmento 1 (Seção 4.1.1), ainda na tarefa diagnóstica, em que o Estudante D nos explica, diante da turma, como realizar o caminho da escola até a sua casa. Em determinado momento do labor conjunto solicitamos ao estudante que emitisse uma opinião se ele morava perto ou longe da escola, ele hesitou e respondeu de forma ambígua: “Fica perto..., mas é que eu moro longe” (L8). Diante do obstáculo apresentado o estudante articulou meios semióticos como gestos e tom de voz expressando nervosismo. Nesse momento buscamos intervir e sugerimos então uma estratégia para avaliar esse sentido relativo de perto ou longe, por meio do questionamento sobre quanto tempo levava para chegar da sua casa até a escola. Entretanto, os meios semióticos articulados pelo estudante, não permitiram que ele centrasse atenção e refletisse adequadamente sobre essa estratégia, que poderia possibilitar a configuração de uma orquestração icônica. Assim, percebemos que os meios semióticos articulados não permitiram que houvesse essa harmonização semiótica, caracterizando também uma dissonância.

Podemos citar também como evidência o momento que ocorreu no Segmento 8 (Seção 4.4.1), com uma discussão das estudantes sobre a melhor forma de expressar a comunicação dos itinerários percorridos no mapa da cidade. A Estudante H sugere que as estudantes comuniquem esses itinerários destacando os segmentos de reta das ruas percorridas no mapa, o que caracterizaria um avanço na comunicação da orientação espacial, como esperado nesta tarefa. Entretanto, as demais estudantes sugerem apenas

circular os nomes das ruas percorridas no mapa e colocar os nomes dessas ruas na folha de resposta. A Estudante H não conseguiu se posicionar de forma assertiva para defender e explicar às demais estudantes porque a opção que ela tinha sugerido era mais adequada, o que possibilitaria a reflexão e a tomada de consciência de como esses elementos matemáticos expressos no mapa por meio de segmentos de reta facilitaria a comunicação dos itinerários. A Estudante H prefere abrir mão da sua estratégia para não causar conflito com as demais, o que causou nesse momento um consenso de ideias. Assim, evidenciamos que a articulação dos meios semióticos envolvidos possibilitaria que as estudantes tomassem consciência de que por meio de um segmento de reta poderiam comunicar uma orientação espacial com a utilização de menos recursos semióticos, consolidando diversos meios semióticos mobilizados, o que configuraria uma contração semiótica. Entretanto, ao não se posicionar de forma assertiva para evitar o conflito, a Estudante H articulou meios semióticos que num efeito multimodal ocasionou uma dissonância.

Nas evidências citadas, destacamos que a dissonância está relacionada com a desarmonia na articulação de meios semióticos que não possibilitaram, em determinado instante, a configuração desses construtos semióticos, e não necessariamente com a falta de harmonia ou conflitos de ideias entre os indivíduos, que como dissemos anteriormente são naturais no labor conjunto. No exemplo do Segmento 5 o conflito gerado ocasionou a dissonância, entretanto, como percebemos no exemplo do Segmento 8, foi exatamente o consenso gerado como forma de evitar o conflito que ocasionou essa dissonância. Podem ocorrer casos em que a configuração desses construtos semióticos é possibilitada exatamente como decorrência dos obstáculos e conflitos gerados. Assim, apesar do termo apontar para certo sentido de desarmonia, a dissonância não deve ser entendida como algo negativo, mas como a identificação empírica de instantes do labor conjunto em que se percebe a oportunidade da configuração desses construtos semióticos. Podemos inclusive entender as dissonâncias como os instantes antecedentes à configuração desses construtos semióticos no labor conjunto.

Diante disso, a reflexão sobre a articulação dos meios semióticos em momentos que possam caracterizar ocorrência de dissonâncias, pode ser relevante para o processo ensino-aprendizagem. Isto nos remete para a importância do papel do professor enquanto participante ativo do labor conjunto desenvolvido na sala de aula, percebendo esses instantes de dissonâncias, permitindo que ele possa articular meios semióticos de maneira assertiva para possibilitar a configuração de construtos semióticos.