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3.3 DESENHO DAS TAREFAS SOBRE ORIENTAÇÃO ESPACIAL

4.2.1 Segmento 5 posições espaciais e atitudinais

Este segmento transcrito (Apêndice-K) ocorreu no segundo dia da intervenção durante a realização da Tarefa-3. Nessa tarefa, os estudantes permaneceram nos mesmos grupos, e cada grupo fez um desenho que representava os diversos ambientes da escola (baseado na maquete que eles fizeram) e escreveu orientações de três itinerários para percorrer três lugares diferentes na escola, partindo do portão principal. Nessa etapa da tarefa os grupos trocaram as orientações espaciais escritas e seus desenhos, para outro grupo tentar percorrer os lugares por eles indicados, apenas com as orientações escritas e o desenho da escola.

O diálogo transcrito neste segmento mostra um momento de discussão entre estudantes de dois grupos, o Grupo A formado por três estudantes que denominamos de A1, A2 e A3, e o Grupo B também formado por três estudantes que denominamos B1, B2 e B3. Ressaltamos, que na transcrição deste diálogo não há nossa intervenção, pois nesse exato momento estávamos em outro local da sala, com outros grupos e o diálogo transcrito aqui foi capturado por meio da gravação do vídeo durante a aula.

Um dos objetivos dessa tarefa, era que os estudantes percebessem a dificuldade encontrada quando a orientação escrita ou a representação gráfica não é dada com precisão. Assim, os estudantes poderiam se colocar no lugar do outro, e ao identificar o que o outro grupo deveria fazer para deixar a orientação dada mais precisa, poderiam refletir sobre como a orientação espacial que eles escreveram, para outro grupo, poderia ficar mais precisa. A ideia dessa ação foi estimular a colaboração entre os grupos, e a crítica mútua que levasse à reflexão e à tomada de consciência de saberes matemáticos mobilizados na orientação espacial. Todavia, percebemos que a tarefa movimentou uma energia competitiva entre os grupos, com ênfase aos “erros” encontrados e na discussão se o “erro” tinha sido do grupo que escreveu a orientação, ou do grupo que procurou seguir essa orientação.

Neste segmento transcrito, as estudantes do Grupo A disseram para os colegas do Grupo B que as instruções de orientação espacial que elas fizeram estavam erradas (L1). A discussão centrou no fato de que, no final da orientação de um dos itinerários, o Grupo B concluiu o texto com o termo “vai direto” e a estudante do Grupo A, afirmava que nesse ponto eles deveriam ter indicado se depois era a para virar à direita ou à esquerda, para indicar o local exato (L2).

L1. Estudante A1: Ô “Estudante B1”, por que tu não colocou mais exato, aqui? Não tem nada! Ó, ó, ó!

[nesse momento ela mexe a mão mostrando o final da cartolina para comprovar que não tem como ir direto] L2. Estudante A2: Porque aqui só tem... direto... e aqui tem três garagens [entendemos como três entradas] Você não botou se era para virar pra cá ou para cá!

No momento de indicar onde estava o “erro”, a Estudante A2 (L2) gesticulou com os braços sobre o desenho, como que percorrendo o caminho, quando expressou as palavras “direto” e “virar pra cá ou pra cá”, e usou um tom de voz um pouco mais incisivo e com uma expressão no rosto mais fechada. O movimento dos dois braços, um indo para um lado e o outro para o lado oposto, enfatizou a dúvida de que nesse ponto podem ser percorridos dois sentidos diferentes e que isto não estava claro na comunicação da orientação espacial (Imagens 26 e 27).

Imagens 26 e 27 – Estudante A2 enfatiza com gestos o possível “erro” do Grupo B.

Fonte: Dados da pesquisa

Para indicar uma incompreensão, a Estudante A2 coordenou vários meios semióticos de objetivação, tais como: a fala, tom de voz, expressão facial e gestos que marcaram o ponto central da dúvida. A Estudante B1, então iniciou uma reflexão sobre se deveria ter inserido essa instrução na comunicação, como demonstrado na expressão “E a gente tem que dizer?! Sabia disso não!” (L3). Em seguida, a Estudante A2 enfatizou o seu posicionamento e ainda inseriu a Estudante A1 do seu grupo no diálogo (L4)

L3. Estudante B1: E a gente tem que dizer?! Sabia disso não! L4. Estudante A2: Mas tem que dizer! Não é “Estudante A1”?! L5. Estudante A1: E eu sei! .... [Risos]

Ressaltamos que esse conjunto semiótico multimodal de expressão, o tom de voz e o ritmo dos gestos feitos com mais ênfase, e a convocação de uma outra colega do grupo para ratificar o seu posicionamento, levaram a uma certa intimidação inicial, rompendo a possibilidade de mobilizar uma energia cooperativa. Com isso, a Estudante B1 desviou a sua atenção da análise de qual foi a dificuldade da colega na compreensão da orientação, e buscou um movimento de defesa competitiva. Nesse momento a Estudante B1 trouxe para a discussão um possível “erro” na orientação espacial que foi dada pelo Grupo A e que o Grupo B estava tentando seguir (L8), e usou um tom de voz exaltado e uma expressão facial séria. A Estudante B2 também entrou nessa estratégia de defesa (L9), acompanhou a Estudante B1 e marcou o posicionamento de seu grupo.

L6. Estudante A2: Pois tem que dizer que é para virar! L7. Estudante A1: Para virar!

L8. Estudante B1: Pois, se é para dizer...então diga a do três.

[Ela se refere a orientação que ela está analisando, feita pelo grupo A, como forma de indicar falhas também no trabalho a outra equipe]

L9. Estudante B2: Diga do três. [Falou no mesmo instante que a Estudante B1]

L10. Estudante B1: Eu não vou dizer nada não! [Ela está reafirmando que não teria que complementar a informação como disse em L3]

A Estudante A2 tentou retomar o diálogo para o ponto que iniciou a discussão (L11) e não para os novos argumentos trazidos pelo Grupo B (L8 e L9), e mais uma vez utilizou um conjunto de meios semióticos com uma expressão facial mais fechada e com movimento nos braços de forma rápida, forte e bem marcada (imagem 28).

Imagem 28 – Gestos realizados pela Estudante A2 para mostrar o que o outro grupo deveria ter indicado na escrita do itinerário.

Fonte: Dados da Pesquisa

Entretanto, a Estudante B1 insistiu em desviar a discussão para trechos confusos nas orientações que o Grupo A escreveu, ao dizer que eles falaram duas vezes seguidas que era para virar à esquerda (L12), tendo uma mensagem implícita de que, “se nas orientações do nosso grupo tinham falhas (Grupo B), nas do Grupo A também tinha”. A Estudante A1 entrou na discussão, respondeu o argumento da Estudante B1 e afirmou que, segundo a professora, eles podiam colocar como estava escrito (L13). A Estudante A2, nesse mesmo momento, manteve sua posição e tentou retornar a discussão para as orientações do Grupo B reforçando que eles não tinham indicado para que lado se deveria virar (L14).

L12. Estudante B1: E como você botou para virar à esquerda duas vezes? L13. Estudante A1: Porque a professora disse que se puder botar, bote

sim... se puder! Bote! ... Gira assim, ó! [Girando o dedo em cima da folha, mostrando para a Estudante B1 do outro grupo como deveria girar] (Imagem 29) L14. Estudante A2: Eu tentei assim ó... vai reto... [Nesse momento ela

Não tinha que era pra virar pra cá ou pra lá! [reforçando que a colega do outro grupo deveria ter escrito que era para girar para direita ou esquerda]

Imagem 29 – Gesto realizado pela Estudante A1 para percorrer o itinerário escrito por seu grupo.

Fonte: Dados da pesquisa

A Estudante B1, desistiu de refletir nesse momento se poderia ter comunicado a orientação espacial de forma diferente (L15) e utilizou vários gestos icônicos15 que acompanharam a mensagem, balançou a cabeça negativamente, levantou um dos ombros em um sentido de recusa e fez um movimento com um dos braços distanciando-o do corpo como que empurrando algo para fora, no sentido de encerrar o diálogo. A Estudante A1 também marcou posição na discussão e insinuou que a orientação delas estava certa (L16) e que as orientações do Grupo B é que estavam erradas.

L15. Estudante B1: E tem que dizer?! Não! [balança a cabeça negativamente e levanta um dos ombros]

L16. Estudante A1: É! olhe no meu! Como eu botei. Você não adivinha! Evidenciamos que o conjunto de meios semióticos envolvidos neste segmento aqui transcrito (palavras, gestos, entonação, expressão facial) foi articulado de uma forma

15 Gestos icônicos têm uma relação direta com o discurso semântico, ou seja, existe um isomorfismo entre

o gesto e a entidade que ele expressa. No entanto a sua compreensão está subordinada ao discurso que o acompanha (McNeil apud FERNANDES, 2008, p. 54).

que acabou movimentando uma energia demasiadamente competitiva, em que as estudantes centraram mais atenção em manter as suas posições no conflito do que em dialeticamente centrar atenção nos saberes matemáticos mobilizados na tarefa. Com isso, o espaço de tensão gerado, por meio dos obstáculos encontrados, que poderia levar a uma reflexão e uma ação que possibilitasse a tomada consciência desses saberes matemáticos, desviou a atenção das estudantes e interrompeu o labor conjunto.