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DISSONÂNCIAS OU ALTERNATIVAS DE EDUCAÇÃO ALIMENTAR?1

VANESSA NASCIMENTO MOREIRA

MARIA CLÁUDIA DA VEIGA SOARES CARVALHO ELIANE PORTES VARGAS

FLÁVIA MILAGRES CAMPOS

INTRODUÇÃO

Alimentação sempre foi um tema incluído de algum modo nos currículos das escolas em geral. Os conteúdos sobre alimentação alinham-se às disci-plinas de ciências (MOREIRA, 2018) e obedecem a categorias classifica-tórias que, embora pareçam naturais, são construtos sociais resultantes de acordos sociais entre os agentes e o jogo simbólico presente no campo da educação. Neste capítulo, debatemos os discursos que permeiam a temática alimentação a partir de um livro didático de ciências do 7° ano do ensino

1 Texto derivado da dissertação de mestrado intitulada Discursos sobre alimentação e o ensino de ciências

no contexto da educação básica em um colégio de aplicação do Rio de Janeiro, concluída no Programa de Pós-Graduação em Nutrição do Instituto Josué de Castro de Nutrição, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

fundamental. Para isto, foi considerada a observação participante em ativi-dades de apoio da disciplina de ciências, com alunos do 6° e 7º ano e outros espaços do cotidiano escolar. Foi problematizada uma naturalização do tema alimentação ligado à disciplina de ciências.

O livro didático, ainda que seu uso seja efetivado ou não no cotidiano, foi considerado um potente instrumento para promover a reflexão e esti-mular a capacidade investigativa do aluno para que este, conforme defende Vasconcellos (1993), assuma a condição de agente na construção de seu conhecimento. Na qualidade de recurso didático, ele é expressão dos acor-dos sobre a construção de proposta que se dispõe a aplicar métoacor-dos cien-tíficos, estimulando a análise de fenômenos, o teste de hipóteses e a formu-lação de conclusões, que por fim, visam seguir o processo de formação dos cidadãos de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). (BRASIL, 1997)

Assim, partimos do pressuposto que a ruptura epistemológica das ciên-cias ditas naturais como a biologia deve ser considerada fruto de conven-ções e que teve um alto custo, sufocando uma pluralidade epistêmica de temas como a alimentação em uma só disciplina, de ciências. O maior desafio enfrentado na análise documental empreendida esteve em relacio-nar a prática pedagógica proposta pelo livro didático às possibilidades do contexto escolar, o que justificou a inclusão de observação participante no período de um semestre em atividade de uma disciplina de ciências do segundo segmento do ensino fundamental, neste desenho de estudo. Nas práticas da disciplina foram desenvolvidas atividades na, então em constru-ção, horta escolar, pois os professores e pesquisadores entenderam que o corpo/conteúdo do livro didático se alimenta de modo diferente do corpo/ sujeito que experimenta a temática alimentação, por meio de práticas que têm como ambiente de possibilidades, a horta.

A delimitação do corpus discursivo analisado inscreve-se em um contexto político em que o Ministério da Educação é um dos agentes de uma série de ações promotoras de práticas saudáveis de vida e de Educação Alimentar e Nutricional (EAN). A escola opera como um espaço com potencial para promover saúde e qualidade de vida, influenciando na formação de hábitos alimentares e no desenvolvimento de habilidades para cuidar da saúde e prevenir riscos. Um espaço que permite congregar diferentes atores sociais, desde estudantes e educadores, até suas famílias, profissionais de saúde,

manipuladores de alimentos, agricultores familiares, vendedores de alimen-tos e guloseimas da região, enfim, uma gama de agentes sociais articulados em um território legitimado para o debate. (BRASIL, 2015b) Isto corrobora com a participação e influência, direta e indiretamente, de diversos atores sociais nas atividades desenvolvidas nesta escola.

Através da Lei n° 11.947, a educação alimentar e nutricional deve ser incluída no processo de ensino e aprendizagem, que perpassa pelo currí-culo escolar, abordando assuntos relacionados à alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas de alimentação saudável, na perspectiva da Segurança Alimentar e Nutricional. (BRASIL, 2009) Para isto, documen-tos norteadores, como o Marco de Referência em Educação Alimentar e Nutricional (Marco de EAN) (BRASIL, 2012), orientam ações de educa-ção alimentar de modo contínuo, permanente, transdisciplinar, interse-torial e multiprofissional. Um recurso pedagógico que vem sendo ampla-mente utilizado para trabalhar essas questões de EAN de forma integrada é a horta escolar, que permite inúmeras possibilidades didáticas, podendo fazer interface, por exemplo, com outras questões climáticas e ambientais. (COELHO; BÓGUS, 2016)

A EAN vem sendo pauta de interesse do governo no desenvolvimento e cumprimento de políticas públicas, com inserção em programas de promo-ção de saúde, o que vai ao encontro das necessidades da populapromo-ção. A Promoção de Alimentação Adequada e Saudável (PAAS) é uma das diretri-zes da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), e entende-se por estratégias direcionadas a indivíduos e coletividades que promovam a realização de práticas alimentares adequadas às características fisiológicas e socioculturais. Além disto, deve-se incentivar o uso do meio ambiente de maneira sustentável. (BRASIL, 2013) A PAAS destaca também o fato de o alimento ter funções que vão além do aspecto nutricional, que são ricos de significados culturais, comportamentais e afetivos. O alimento deve ser visto não só como um substrato para o organismo, mas também como um objeto carregado de valores simbólicos, o que viabiliza estratégias peda-gógicas interdisciplinares, as quais, entre outras contribuições, ampliam as alternativas de comensalidade em diferentes contextos de cenas contem-porâneas, além dos espaços escolares.

Nosso intuito nesse capítulo foi o de compreender os discursos envol-vendo alimentação que analisamos em práticas no território social de um

Colégio de Aplicação, assim como em dispositivos educativos específicos, como horta escolar e livro didático, circunscritos arbitrariamente a uma categoria disciplinar de ciências. Para estarmos sensíveis às disposições presentes nas diversas perspectivas discursivas, ancoramo-nos em teorias sociais da Sociologia e da Antropologia que as situam em um jogo simbólico em que cada agente social é dotado de experiências socioculturais especí-ficas que determinam um conjunto de disposições duradouras em habitus. (BOURDIEU, 2013) Esses múltiplos olhares auxiliaram na compreensão de dissonâncias nos discursos, assim como em possibilidades dessas disposi-ções para uma “alimentação saudável” operarem como alternativas educa-tivas no ambiente escolar desta instituição.