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CAPITULO III – O problema do valor probatório dos atos do inquérito policial

2. Distinção entre atos de investigação e atos de prova

Não obstante os atos de investigação comporem o processo, podendo ser inclusive utilizados pelo magistrado no momento da sentença, como referido, há distinção formal entre atos de investigação e atos de prova.

Segundo Aury Lopes Júnior, os atos de prova

“a) são dirigidos a convencer o juiz da verdade de uma afirmação; b) estão a serviço do processo e integram o processo penal; c) dirigem-se a formar um juízo de certeza – tutela de segurança; d) servem à sentença; e) exigem estrita observância da publicidade, contradição e imediação; f) são praticados ante o juiz que julgará o processo.”

Já os atos de investigação

“a) não se referem a uma afirmação, mas a uma hipótese; b) estão a serviço da investigação preliminar, isto é, da fase pré-processual e para o cumprimento de seus objetivos; c) servem para formar um juízo de probabilidade, e não de certeza; d) não exigem estrita observância da publicidade, contraditório e imediação, pois podem ser restringidas; e) servem para a formação da opnio delicti do acusador; f) não estão destinados à sentença, mas a demonstrar a probabilidade do fumus commissi delicti para justificar o processo (recebimento da ação penal) ou o não processo (arquivamento); g) também servem de fundamento para decisões interlocutórias de imputação (indiciamento) e adoção de medidas cautelares

296 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 324. 297 GIACOMOLLI, Nereu José. A fase preliminar do processo penal: crise, misérias e novas

metodologias investigatórias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 12.

298 GIACOMOLLI, Nereu José. A fase preliminar do processo penal. Crise, misérias e novas

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pessoais, reais ou outras restrições de caráter provisional; h) podem ser praticados pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária.”

O art. 155 do Código de Processo Penal, de acordo com a redação atribuída pela Lei 11.690/08, seguindo a distinção aludida, delimitou o alcance do princípio do livre convencimento, vedando a utilização, com exclusividade, dos atos de investigação, denominados de elementos informativos, na fundamentação da sentença judicial e consagrou o contraditório como elemento essencial do próprio conceito de prova.299

Destarte, enquanto as provas consistem nos elementos cognitivos colhidos, em regra, durante o curso do processo e sob o crivo do contraditório, os atos de investigação, ou seja, os elementos de cognição reunidos na fase da investigação, consistem nos elementos produzidos sem a observância do contraditório, portanto sem a presença das partes e do juiz, e no contexto de um procedimento administrativo. Na lição de Franco Cordero, conforme as ideias do sistema acusatório, as provas são constituídas pelas partes, em juízo. O contraditório e a presença física do juiz (imediação) são condições de validade da prova300. Já a atividade do investigador serve

para eleger os pontos que serão trabalhados ou não no curso do processo301. A polícia deve se preocupar em obter elementos indicativos do evento passado objeto da investigação, os quais servirão de matéria-prima das provas processuais. Tais elementos representam algo que se refere ao passado, mas que é presente. “Restos”, fragmentos do passado que possibilitam concluir, pelo menos em parte, como a suposta ação criminosa se desenvolveu. Com efeito, “o que estiver despido do contraditório, não é ato probatório, podendo constituir-se em ato de investigação”302.

Nesse contexto, as finalidades da prova e dos atos de investigação também se afiguram distintas. Os atos de investigação possuem finalidade endoprocedimental, ou seja, servem para fundamentar medidas cautelares e para justificar o processo ou o não

299 GOMES FILHO. Antonio Magalhães. Prova – Lei 11.690, de 09.06.2008. In: Maria Thereza Rocha de

Assis Moura (coord). As reformas no processo penal. As novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2009. p. 247.

300 CUNHA MARTINS, Rui. O ponto cego do direito: the brazilian lessons. São Paulo: Atlas, 2013. p.

21;

301 CORDERO, Franco. Procedimiento penal. Tomo II. Santa Fé de Bogota, Colombia: Temis, 2000. p.

193.

302 GIACOMOLLI, Nereu José. Reformar (?) do processo penal: considerações críticas. Rio de Janeiro:

93 processo, nunca para justificar um juízo condenatório303. Como observa Gustavo

Henrique Righi Ivahy Badaró,

“não constituem, a rigor, provas no sentido técnico-processual do termo, mas informações de caráter provisório, aptas somente a subsidiar a formulação de uma acusação perante o juiz ou, ainda, servir de fundamento para a admissão dessa acusação e, eventualmente, para a decretação e alguma medida de natureza cautelar”304

Já a prova possui função recognitva e persuasiva, ou seja, busca, por meio indireto, convencer o julgar acerca do alegado305. O essencial da prova é engendrar a

convicção do juiz306. Por meio da prova se pretende a captura psíquica do juiz. Aury Lopes Júnior explica que a sentença é um “ato de convencimento formado em contraditório e a partir do respeito às regras do devido processo”.307 No mesmo sentido, Jacinto de Miranda Coutinho aduz que “a prova é o meio que constitui a convicção do juiz sobre o caso concreto ou, também e no mesmo sentido, conjunto de elementos que formam a convicção do juiz, em que pese saberem todos não ser só ela a formadora do juízo.”308

Logo, indubitavelmente, a convicção do magistrado e, por consequência, a sentença, deveriam decorrer da prova produzida em contraditório judicial.

“La prueba procesal es, sin duda, una actividad dirigida por un órgano jurisdiccional y destinada a él, de modo que unos actos de investigación que se realizan sin intervención jurisdicional en modo alguno pueden confundirse con actos de prueba, ni tener los efectos de estos”309.

303 LOPES JÚNIOR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 298.

304 BADARÓ, Henrique Righi Ivahy. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 63. 305 GIACOMOLLI, Nereu José. Reformar (?) do processo penal: considerações críticas. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2008. p. 24.

306 CUNHA MARTINS, Rui. O ponto cego do direito: the brazilian lessons. São Paulo: Atlas, 2013. p.

05.

307 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 589.

308 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Glosas ao Verdade, Dúvida e Certeza, de Francesco

Carnelutti para os operadores do Direito. In: Anuário Ibero-Americano de Direitos Humanos

2001/2002, p. 177.

309 MONTERO AROCA, Juan; RAMOS, Manuel Ortells; CÓLOMER, Juan-Luis Gómez; REDONDO,

Alberto Montón. Derecho jurisdiccional III Proceso penal. Barcelona: José Maria Bosch Editor, 1996. p. 151.

94 A única prova válida para uma condenação é a “prueba empírica llevada por

una acusación ante un juez imparcial, en un proceso público e contradictorio con la defensa y mediante procedimientos legalmente preestablecidos”. 310