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Distinções entre Aristóteles e Platão: a arte trágica e a poesia (imitação)

1. A Educação pelos olhos de Schiller: a arte como fonte para a moralidade

1.5 O teatro como instituição moral pública: Schiller, Aristóteles e Platão

1.5.1 Distinções entre Aristóteles e Platão: a arte trágica e a poesia (imitação)

Platão e Aristóteles tinham posturas completamente distintas em relação à imitação, e à sua aplicação na poesia e na tragédia. Já Schiller é muito platónico no que a certos conceitos de educação, no entanto, recorre também aos ideais educativos de Aristóteles. O conceito de tragédia aristotélico que está intrinsecamente ligado ao conceito de imitação, já para Platão, esta ideia era inconcebível. Como irá Schiller juntar estes dois filósofos de modo a que faça sentido?

Platão recusa terminantemente a imitação (a mimese), até no que diz respeito à arte poética e trágica. O filósofo defende que a imitação é um enorme prejuízo para a inteligência, até de um ponto de vista pedagógico. Platão acha que as histórias trágicas e os poetas dizem muitos despropósitos em relação aos homens e aos conceitos de justiça e felicidade, que apresentam uma realidade muito dúbia e até, passando o pleonasmo, muito pouco real. No que à poesia diz respeito, Platão achava que o Homem é que devia sempre falar em vez de imitar outras personagens: “Se, porém, o poeta não se ocultasse em ocasião alguma, toda a sua poesia e narrativa seria criada sem imitação”85

. Também no caso das tragédias o filósofo é absolutamente contra qualquer tipo de imitação, pois defende que elas poderão desencadear maldade, visto que a natureza humana não é capaz de imitar bem, pois não tem conhecimento suficiente para isso: “Parece-me, Adimanto, que a natureza humana está fragmentada em partes ainda mais pequenas, de modo que é incapaz de imitar bem muitas coisas ou de executar bem aquelas mesmas que as imitações são cópia […] Logo, se faz o que não existe, e não pode fazer o que existe, mas simplesmente algo semelhante ao que existe, mas que não existe, e se alguém afirmasse que o produto do trabalho do marceneiro ou de qualquer outro artífice era uma realidade completa, correria ele o risco de faltar à verdade?”86

Platão crê que a imitação só deve acontecer no que às virtudes diz respeito, de resto só trará desvantagens. Imitar virtudes é, para o filósofo a única coisa permissiva de fazer. Ainda assim, a imitação para Platão não é uma forma de educação vantajosa: “Ou não te apercebeste de que as imitações, se se perseverar nelas desde infância, se transformam em hábito e natureza para o corpo, a voz e a inteligência?”87

. Para Platão é inconcebível

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PLATÃO, Republica, III, 393 e-d. 86

PLATÃO, Republica, III, 395 b e X, 597 a. 87 PLATÃO, Republica, III, 395 d.

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que a mimese seja usada para a educação pois ela está muito longe do que é a realidade: “[…] a arte de imitar, executa as suas obras longe da verdade […]”88

Já Aristóteles, na sua Poética, apresenta uma visão completamente distinta. O filósofo classifica a tragédia como sendo a imitação de uma acção elevada, completa e com uma determinada extensão: “A tragédia é a imitação de uma acção elevada e completa, dotada de extensão, numa linguagem embelezada por formas diferentes em cada uma das suas partes, que se serve da acção e não da narração e que, por meio da compaixão e do temor, provoca a purificação de tais paixões”89. O filósofo diz mesmo que a arte imita a natureza e que nos casos específicos da poesia e da tragédia, o que é imitado é o agir, a acção de determinada personagem. Para Aristóteles a imitação faz parte do processo pedagógico, o homem adquire conhecimentos através da imitação: “ Uma é que imitar é natural nos homens desde a infância e nisto diferem dos outros animais, pois o homem é o que tem mais capacidade de imitar e é pela imitação que adquire os seus primeiros conhecimentos; outra é que todos sentem prazer nas imitações […] A razão disto é também que aprender não é só agradável para os filósofos mas é igualmente para os outros homens, embora estes participem dessa aprendizagem em menor escala. É que eles, quando vêem as imagens, gostam dessa imitação, pois acontece que, vendo, aprendem e deduzem o que representa cada uma, por exemplo, “este é aquele assim e assim”. Quando, por acaso, não se viu anteriormente o objecto representado, não é a imitação que causa prazer, mas sim a execução, a cor ou qualquer outro motivo do género.”90

. A tragédia, aos olhos de Aristóteles, será um processo pedagógico para toda uma comunidade, para toda a sua assistência, através do processo da catarse, que falaremos de seguida. Portanto, a arte mimética, tem para Aristóteles, ao contrário de Platão, um esplendor pedagógico, pois a imitação das acções humanas irá produzir frutos de mudança e purificação que irão educar os homens a nível moral.

Já Schiller, tendo uma visão platónica no que sobre a pedagogia diz respeito, casa- a com a visão aristotélica, usando também a arte trágica mimética como parte do processo educativo e fulcral para a educação moral de uma comunidade. Também para Schiller a arte trágica era uma imitação de uma acção completa, uma arte de compaixão, o objectivo da tragédia era: “comoção; a sua forma; imitação de uma acção conducente

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PLATÃO, Republica, X, 603 a. 89

ARISTÓTELES, Poética, 1449 b 25, tradução e notas de Ana Maria Valente, prefácio de Maria Helena da Rocha Pereira, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2007.

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ao sofrimento.”91

As tragédias eram, também para este filósofo, um material de análise e pedagogia das acções humanas, que pela exposição dos vícios e seu castigo iria produzir frutos morais: “[…] o elemento simplesmente humano no âmbito das relações humanas, será sempre o seu material mais fértil, uma vez só aqui ela pode estar segura do seu carácter universal da impressão que produz, sem ter de renunciar à intensidade desta.”92 E Schiller reforça no seu texto, O teatro como instituição moral: “Milhares de vícios que aquela deixa impunes, ele castiga-os; milhares de virtudes que aquela não fala são recomendadas pelo teatro”93. Através do teatro os espectadores vão contemplar, vão aprender a olhar para o sítio certo; o castigo das virtudes vai direccionar o seu olhar. A imitação levará à luz e a um maior cuidado moral após o contacto com esta arte. O belo é uma das virtudes no teatro, tal como a luz; Schiller, tal como Aristóteles, defende esta ideia de que o castigo existe. Além do mais, como já foi referido em relação ao belo, Schiller acredita que o belo da arte é a imitação do belo natural (matéria) ou representação (forma) da natureza e que a associação de ambos produziria um grande artista. Schiller junta assim, duas visões opostas e torna-as mais semelhantes do que poderíamos pensar que seria possível, talvez do que poderíamos sequer imaginar. E o culminar será, como veremos de seguida, a sua visão de catarse.