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Distribuição das Funções entre os Personagens

No documento Morfologia do Conto Maravilhoso (páginas 48-51)

Vladimir I. Propp Muito embora o nosso estudo se dedique apenas às funções enquanto tais, e não aos personagens que as realizam nem aos objetos que a elas se submetem, nem por isso devemos deixar de examinar o problema da distribuição das funções entre os personagens.

Antes de esclarecer esta questão de modo detalhado, podemos indicar que numerosas funções se agrupam logicamente segundo determinadas esferas.Estas esferas correspondem, grosso modo,aos personagens que realizam as funções. São as esferas da ação. No conto maravilhoso encontramos as seguintes esferas de ação:

1. A esfera de ação do Antagonista (ou malfeitor), que compreende: o dano (A), o combate e as outras formas de luta contra. o herói (H), e a perseguição(Pr).

2. A esfera de ação do Doador (ou provedor),que compreende: a preparação da transmissão do objeto mágico (D) e o fornecimento do objeto mágico ao herói (F).

3.A esfera de ação do Auxiliar, que compreende: o deslocamento do herói no espaço (G), a reparação do dano ou da carência (K) o salvamento durante a perseguição (Rs),a resolução de tarefas difíceis (N), a transfiguração do herói (T).

4.A esfera de ação da Princesa (personagem procurado)e seu pai, que compreende: a proposição de tarefas difíceis (M), a imposição de um estigma (J),o desmascaramento (Ex), o reconhecimento (Q), o castigo do segundo malfeitor (U) e o casamento (W0). A distinção entre as funções da princesa o as de seu pai não pode ser absolutamente precisa. Cabe ao

pai, geralmente, a proposição de tarefas difíceis, como ação que se origina de uma atitude hostil em relação ao pretendente. Além disso, costuma ser ele quem castiga ou manda castigar o falso herói.

5.A esfera de ação do Mandante. Inclui somente o envio do herói (momento de conexão: B).

6.A esfera de ação do Herói. Compreende: a partida para realizar a procura (C ↓), a reação perante as exigências do doador (E), o casamento (W0). A primeira função (C ↓) caracteriza o herói-buscador, e o herói-vítima

preenche as demais.

7. A esfera de ação do Falso Herói, compreendendo também a partida para realizar a procura (C ↓), a reação perante as exigências do doador, sempre negativa (E neg), e, como função específica, as pretensões enganosas (L).

Desta forma, há, no conto, sete personagens básicos. As funções da parte preparatória (

β

,

γ

δ

,

ξ

ζ

,

η

θ

), também estão distribuídas entre esses personagens, mas esta distribuição não é uniforme, e por isso essas funções não devem definir os personagens. Além disso, existem personagens especiais para a ligação das partes (os queixosos, os delatores, os caluniadores) e também transmissores particulares para a função ζ (informação obtida): o espelho, o cinzel, a escova revelam onde se encontraa vítima procurada pelo malfeitor. Este é o lugar ocupado por personagens como Um-Olho, Dois-Olhos, Três-Olhos.

O problema da distribuição das funções pode-se resolver ao nível do problema da distribuição das esferas de ação entre os personagens. Vejamos como são repartidas estas esferas entre os diferentes personagens do conto maravilhoso. Existem três possibilidades:

1. A esfera de ação corresponde exatamente ao personagem. Iagá, que submete à prova o herói e o recompensa, ou os animais que pedem clemência e transmitem um dom a Ivan, são simples doadores. O cavalo que leva Ivan junto à princesa, ajuda-o a raptá-la, realiza uma tarefa difícil, salva o herói da perseguição etc., é um simples auxiliar.

45 2. Um só personagem ocupa várias esferas de ação. O homenzinho-de-ferro que pede para ser tirado da torre, e que recompensa Ivan com o dom da força e o presenteia com uma toalha que se dobra sozinha, e, finalmente, o ajuda a matar o dragão é, ao mesmo tempo, doador e auxiliar. Os animais agradecidos devem ser estudados com particular atenção. Começam como doadores (pedem clemência ou ajuda), e logo se colocam à disposição do protagonista e se convertem em seus auxiliares. Às vezes ocorre que o animal liberto ou perdoado pelo herói desapareça simplesmente, sem sequer ensinar a fórmula para chamá-la novamente; mas este animal reaparece no momento crítico na qualidade de auxiliar. Ele recompensa o herói diretamente, através de sua ação.O animal pode, por exemplo, ajudar o herói na mudança para outro reino, ou conseguir para ele o objeto que procura etc. Estes casos podem ser designados por F9 = G, F9 = K etc.

Baba-Iagá (ou qualquer outro habitante da casinha do bosque) também exige um exame particular. Começa lutando com Ivan, depois foge e deste modo mostra o caminho para outro reino. A viagem com um guia é uma das funções do auxiliar, e por isso Iagá desempenha aqui o papel de auxiliar involuntário (e até mesmo, “a contragosto”). Começa, pois, como um doador hostil, tornando-se, depois, auxiliar involuntário.

Eis mais alguns casos de acumulação: o pai que envia seu filho para procurar alguma coisa, e que lhe entrega uma maça, é, simultaneamente, mandante e doador. As três jovens que moram respectivamente num palácio de ouro, de prata e de cobre, que entregam um anel mágico ao herói e depois se casam com ele, são, ao mesmo tempo, doadoras e princesas. Iagá, quando rapta um menino e o tranca no forno, e este menino lhe rouba o lenço mágico, acumula as funções de malfeitor e doador (involuntário, hostil). Voltamos, portanto, a nos deparar novamente com este fenômeno: a vontade dos personagens, suas intenções, não podem ser consideradas marca essencial para sua definição. O importante não é o que eles querem fazer nem tampouco os sentimentos que os animam, mas suas ações em si, sua definição e avaliação do ponto de vista de seu significado para o herói e para o desenvolvimento da ação. Surge aqui a mesma situação que aparecia no estudo das motivações: os sentimentos do mandante podem ser hostis, neutros ou amistosos, isto não influirá no desenvolvimento da ação.

3.O caso contrário: uma única esfera de ação se divide entre vários personagens. Assim, se o dragão morrer no combate não poderá continuar perseguindo o herói. Para continuar esta perseguição são introduzidos alguns personagens concretos: as mulheres, filhas, irmãs, sogras e mães dos dragões, numa palavra, os parentes do ramo feminino. Os elementos da prova à qual o herói é submetido, sua reação diante da prova e a recompensa (D E F) também se dividem, às vezes, entre os personagens; esta divisão, porém, é quase sempre falha do ponto de vista artístico. Um personagem propõe a prova e outro recompensa o herói por acaso. Vimos acima que as funções da princesa se repartem entre ela e seu pai, mas este fenômeno afeta principalmente os auxiliares. Aqui, antes de mais nada, é preciso examinar as relações entre objetos mágicos e auxiliares mágicos. Comparemos os seguintes casos: a) Ivan recebe um tapete voador e voa nele para ver a princesa ou voltar para casa; b) Ivan recebe um cavalo, voa nele para ver a princesa ou voltar para casa. Vemos que esses meios atuam como seres vivos. Deste modo, a maça aniquila sozinha todos os inimigos, e também por si só castiga os ladrões etc. Comparemos ainda: a) Ivan recebe de presente uma águia e sai voando nela; b) Ivan recebe a capacidade de transformar-se em falcão, e na forma de um falcão sai voando. Outras comparações:

a)Ivan recebe um cavalo que produz ouro (esterco de ouro) e torna Ivan um homem rico. b) Ivan come miúdos de ave e recebe a capacidade de escarrar ouro, tornando-se um homem rico. Estes exemplos mostram que uma

qualidade funciona como um ser vivo. Portanto, os seres vivos, os objetos e as qualidades devem ser considerados como valores equivalentes do ponto de vista de uma morfologia baseada nas funções dos personagens. Contudo, é mais cômodo denominar os seres vivos de auxiliares mágicos,e os objetos e as qualidades de meios mágicos embora uns e outros funcionem do mesmo modo.

Por outro lado, esta identidade é, de certo modo, limitada. Podemos distinguir três categorias de auxiliares: 1) Os auxiliares universais, capazes de cumprir (sob certas formas) as cinco funções do auxiliar. Em nosso material, apenas o cavalo apareceu como auxiliar universal.

2)Os auxiliares parciais, aptos para desempenhar certas funções, mas que, no conjunto de dados, não realizam as cinco funções do auxiliar. Nesta categoria entram diversos animais, exceto o cavalo, bem corno os espíritos que saem do anel, certos personagens peritos em alguma coisa etc.

46 3) Auxiliares específicos, que não cumprem mais do que uma função. Aqui se incluem apenas objetos. Deste modo, o novelo serve de guia no caminho, a espada que corta sozinha serve para vencer o inimigo, a gusla que toca sozinha realiza a tarefa encomendada pela princesa etc. Vemos, portanto, que o meio mágico não passa de uma forma parcial do auxiliar mágico.

Além disso, deve-se mencionar que freqüentemente o herói não necessita de qualquer auxiliar. É, por assim dizer, seu próprio auxiliar. Mas se tivéssemos a possibilidade de estudar os atributos dos personagens, poderíamos demonstrar que nestes casos o herói não só recebe as funções do auxiliar, mas também seus atributos. Um dos atributos mais importantes do auxiliar é a sua sabedoria profética: o cavalo-adivinho, a mulher-adivinha, o menino-sábio etc. Na ausência do auxiliar esta qualidade passa para o herói. O resultado é uma figura de herói-adivinho.

Por sua vez, o auxiliar também pode cumprir funções que são específicas do herói. Além de empreender a reparação do dano (C), a única função que lhe é específica é a reação aos atos do doador. Freqüentemente, o auxiliar ocupa, neste caso, o lugar do herói. Os camundongos vencem no jogo de cabra-cega em casa do urso; animais agradecidos executam para Ivan a tarefa imposta por Iagá (159, 160)

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Título: Morfologia do Conto Maravilhoso Autor: Vladimir I. Propp

Editora: CopyMarket.com, 2001

7. Meios de Inclusão de Novos Personagens no

No documento Morfologia do Conto Maravilhoso (páginas 48-51)

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