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Meios de Inclusão de Novos Personagens no Decorrer da Ação

No documento Morfologia do Conto Maravilhoso (páginas 51-53)

Vladimir I. Propp

Cada categoria de personagem possui uma forma própria de entrar em cena, e a cada categoria correspondem meios particulares, utilizados pelos personagens para penetrar na ação. Estas formas são as seguintes:

O antagonista (o malfeitor) aparece duas vezes no decorrer da ação. A primeira vez, surge de repente, e de fora (chega voando, aproxima-se furtivamente etc.) e logo desaparece. A segunda vez, apresenta-se como um personagem a quem se procurava, egeralmente no final de uma viagem.

O doador é encontrado casualmente, a maioria das vezes no bosque (na casinha), ou num campo, numa estrada, na rua. O auxiliar mágico é introduzido como um presente. Este momento é designado pelo signo F, e suas possíveis variantes já foram citadas.

O mandante, o herói, o falso herói, a princesa pertencem à situação inicial. Às vezes, nada é dito expressamente sobre o falso herói na enumeração dos personagens da situação inicial, e só mais tarde ficamos sabendo que ele mora na corte ou na casa. A princesa, a exemplo do antagonista, aparece duas vezes no conto. A segunda vez surge como personagem procurado: aquele que a procura pode ver primeiro a princesa e depois o malfeitor (o dragão não está em casa, o diálogo ocorre com a princesa), ou o contrário.

Podemos considerar esta distribuição como a norma geral do conto maravilhoso. Mas também existem os desvios. Se no conto não há doador, suas formas de entrar em cena transferem-se para o personagem seguinte, ou seja, para o auxiliar. É o caso de diferentes personagens capazes de fazer esta ou aquela coisa, e com os quais o herói se encontra por acaso; isto também acontece geralmente com o doador. Se o personagem abarca duas esferas de ação, ele é introduzido na forma que corresponde à sua primeira entrada em cena. A mulher-sábia, que aparece primeiro como doador, depois como auxiliar e, por último, como princesa, entra em cena como um doador e não como princesa, ou um auxiliar.

O segundo desvio consiste no fato de que todos os personagens podem ser introduzidos pela situação inicial. Esta forma é específica, corno mencionamos acima, somente para os heróis, mandantes e princesas. Podemos observar duas formas básicas diferentes de situação inicial: a situação que abrange o buscador e sua família (o pai e três filhos), e a situação que abrange a vítima do malfeitor e sua família (as três filhas do czar). Alguns contos reúnem ambas as situações. Se a história começa por uma carência, torna-se necessária uma situação que apresente o buscador (às vezes, o mandante). Estas situações podem também entrelaçar-se. Mas, como a situação inicial sempre inclui os membros de uma mesma família, o buscador e o personagem procurado deixam de ser Ivan e a princesa, e tornam-se o irmão e irmã, ou mãe e filhos etc. Esta situação inclui tanto o herói-buscador como a vítima do agressor. Pode-se observar que nestes contos o rapto da princesa é um fato acontecido previamente. Ivan parte à procura de sua mãe, raptada por Kochchéi, e encontra a filha do czar, que havia sido raptada anteriormente.

Algumas situações deste tipo recebem um desenvolvimento épico. No início, o buscador está ausente. Nasce, geralmente, em circunstâncias maravilhosas. O nascimento miraculoso do herói é um dos elementos muito importantes do conto maravilhoso. É uma das formas de sua entrada em cena, incluída na situação inicial. O nascimento do herói é acompanhado, em geral, de uma profecia sobre seu destino. Antes de que se teça a intriga, já se revelam os atributos do futuro herói. Descreve-se seu rápido crescimento, sua superioridade em relação aos irmãos. Existem casos em que, pelo contrário, Ivan é um tolo. É impossível estudar todos os atributos do herói. Alguns se traduzem em atos (disputas sobre o direito de primogenitura), mas estes atos não constituem funções no desenvolvimento da ação.

48 Deve-se assinalar também que, com freqüência, a situação inicial apresenta um quadro especial, podendo ressaltar o bem-estar e a prosperidade de maneira brilhante e colorida. Este bem-estar serve como fundo de contraste à desgraça que advirá em seguida.

Nesta situação inicial o conto inclui, às vezes, o doador, o auxiliar e o malfeitor-antagonista do herói. Somente as situações que incluem o malfeitor requerem um exame particular. Como a situação inicial reúne sempre os membros de uma mesma família, o malfeitor incluído nesta situação passa a ser um parente do herói, embora os seus atributos o aproximem claramente de um dragão, de uma bruxa etc. A bruxa do conto nº 93 (“A bruxa e a irmã do sol”) é uma típica dragoa. Mas, em virtude de seu deslocamento para a situação inicial, se transforma em irmã do herói.

É preciso mencionar ainda a situação das seqüências duplicadas, ou, em geral, repetidas. Estas seqüências também se engendram partindo-se de uma situação conhecida. Se Ivan já recebeu uma noiva e um objeto mágico, e a princesa (em alguns casos, já sua mulher) lhe rouba este objeto, encontramo-nos diante da seguinte situação: malfeitor + buscador + futuro objeto da procura. Deste modo, na segunda seqüência, o agressor se encontra na maioria das vezes na situação inicial. O mesmo personagem pode desempenhar um papel numa seqüência e outro papel em outra (o diabo, auxiliar na primeira seqüência, é agressor na segunda etc.). Todos os personagens da primeira seqüência, que aparecem em seguida na segunda, já existem previamente e já são conhecidos do ouvinte ou do leitor. Resulta, portanto, inútil uma nova entrada em cena dos personagens das categorias correspondentes. Pode acontecer, porém, que na segunda seqüência o narrador se esqueça, por exemplo, do auxiliar da primeira seqüência, e obrigue o herói a consegui-lo novamente.

Deve-se fazer menção especial da situação que inclui a madrasta. A madrasta ou é apresentada imediatamente, ou então é narrada a morte da primeira mulher do velho e seu novo casamento. O segundo casamento do viúvo introduz o malfeitor no conto. Por sua vez, as filhas, personagens malvadas ou falsas heroínas, nascem em seguida.

Todos estes problemas podem ser submetidos a um estudo mais detalhado, mas estas observações são suficientes para uma perspectiva morfológica geral como a nossa.

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Título: Morfologia do Conto Maravilhoso Autor: Vladimir I. Propp

Editora: CopyMarket.com, 2001

No documento Morfologia do Conto Maravilhoso (páginas 51-53)

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