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descentralização pela via da desconcentração

FLUXOGRAMA 3 DISTRIBUIÇÃO DOS CRÉDITOS DO PRONAF

De acordo com o autor acima citado, esta é apenas uma aproximação, porque

“as decisões não fluem diretamente e exatamente na sequência apresentada. Existem etapas intermediárias em que cada situação é analisada politicamente e negociada com outras instâncias do governo ou junto às bases de apoio parlamentar. Este é o caso da definição dos recursos para equalização. Enquanto não se decide como se fará e o quanto de recursos será colocado para equalização, os bancos oficiais não podem começar a operar. Normalmente essa é uma longa discussão entre a área econômica e a área agrícola dentro do governo”.

Na segunda modalidade de atuação, particularmente na linha de infra-estrutura, a operacionalização do PRONAF segue uma estratégia de descentralização que pode ser aproximada à delegação. Na prática, o Ministério do Desenvolvimento Agrário transfere a gestão local dos projetos para as prefeituras municipais, enquanto os conselhos municipais se encarregam da elaboração e aprovação dos planos municipais de desenvolvimento e do acompanhamento da implantação dos investimentos locais.

De acordo com BELIK (op. cit, p. 107), o financiamento dos projetos de infra-estrutura pelo PRONAF segue a seguinte seqüência:

“cria-se um Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural (CMDR) com a participação dos representantes da comunidade e da produção agrícola familiar. Este conselho pode ser instituído por decreto ou por lei municipal; o CMDR elabora e aprova um Plano Municipal de Desenvolvimento Rural (PMDR) que deverá ser a diretriz fundamental na definição de metas e estratégias estabelecidas na esfera da agricultura familiar. O PMDR deverá contemplar todas as ações e não apenas aquelas cobertas pelo PRONAF; o PMDR é encaminhado às instâncias estadual e federal que deverão analisá-lo e encaminhá-lo, ou não, à Secretaria Executiva Nacional que dará o parecer final para aprovação”.

As atividades do PRONAF no Rio Grande do Norte iniciaram-se em junho de 1996 com a operacionalização das linhas de crédito de custeio e investimento. O Conselho Estadual de

Desenvolvimento Rural, que é a instância superior de administração desse programa no âmbito estadual foi criado pelo Decreto 13.148, de 12 de novembro de 1996, sendo o Secretário da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAAB), hoje Secretaria de Agricultura e Pecuária (SAPE), o seu presidente.

Até o ano 2000 o PRONAF atuou em 45 municípios do Rio Grande do Norte com a linha de infra-estrutura e em todos os municípios do estado com as linhas de crédito rural nas suas diversas modalidades. Apesar da linha de infra-estrutura permitir, também, o financiamento de empreendimentos para produção de bens e serviços, cerca de 80 por cento dos 16,8 milhões de reais aplicados pelo PRONAF GLOBAL no estado, no período de 1997 a 1999, foram destinados à implantação de infra-estrutura básica e aquisição de máquinas e equipamentos. É curioso notar que deste total, 8,3 milhões de reais ou 50,6 por cento foram destinados à construção de açudes, barragens e perfuração de poços, enquanto 2,1 milhões ou 12,4 por cento do total dos recursos foram destinados à aquisição de tratores e equipamentos agrícolas11.

Apesar das diferenças encontradas nos desenhos institucionais e nos mecanismos de participação adotados na implementação do PCPR e do PRONAF, acima descritos, assumimos, na introdução desta tese, que esses dois programas permitem um estudo comparado dos seus respectivos processos de gestão pelas seguintes razões: a) estão alinhados com as propostas dos organismos internacionais e internacionais que têm na descentralização político-institucional o eixo central de suas concepções; b) estão focalizados em segmentos sociais assemelhados; e, c) possuem uma grande coincidência geográfica. Entretanto, também reconhecemos que são diferentes os atores públicos e privados que participam diretamente do processo de implementação, assim como são distintos os arranjos institucionais e os mecanismos de decisão e

11

Cf “PRONAF-RN: Relatório Sucinto dos Recursos, Órgãos e Atividades por Município. Período 1997 – 1999”, anteriormente citado.

de representação de interesses dos atores sociais envolvidos, o que, por suposto, acarreta diferentes níveis de desempenho dos projetos financiados.

Também afirmamos que tanto no PCPR quanto no PRONAF, a descentralização é definida como a transferência de responsabilidades funcionais do nível central para o nível local ou do âmbito governamental para o não-governamental. É que é esse duplo movimento descentralizador que se estabelece entre níveis de governo, do nacional para o local, e do Estado para organizações da sociedade civil que garante, na concepção daquelas políticas, a eficiência das formas descentralizadas de implementação da ação governamental.

No entanto, a diferença básica dos processos de implementação do PRONAF e do PCPR se encontra na estratégia do processo de descentralização. Enquanto o PCPR adotou uma estratégia de transferência de atribuições e de recursos para serem geridos pelos conselhos e organizações comunitárias, o PRONAF adotou um desenho institucional baseado na delegação de

responsabilidades para as prefeituras municipais, mantendo o governo federal a centralização e o

controle dos recursos financeiros.

Veremos adiante que o tipo de estratégia dotada tem influência no desempenho dos projetos. A maioria dos empreendimentos de natureza produtiva, financiada pelo PRONAF, que exige um maior esforço de gestão dos seus beneficiários, está paralisada. Ao contrário, as obras de infra-estrutura, que requerem apenas manutenção e foram construídas há pouco tempo, estão sendo utilizadas. No PCPR, ao contrário, o desempenho dos projetos de natureza produtiva é superior. Ou seja, a identificação, o planejamento, a implantação e a gestão dos projetos pelos beneficiários diretos, por intermédio de suas próprias associações, além de ter um efeito educativo, dá-lhes um sentido de propriedade, requer maior dedicação e tem um maior efeito positivo sobre o desempenho operacional e institucional.

No PRONAF, os conselhos municipais e as associações não administram recursos financeiros nem firmam convênios para execução dos projetos com associações comunitárias. No PCPR, ao contrário, essas responsabilidades fazem parte das cláusulas de convênios específicos, firmados entre os conselhos municipais e as associações comunitárias executoras dos projetos.

A prática usual das prefeituras municipais é a contratação de empresas privadas para execução dos projetos, obedecendo a seguinte sistemática: a) a Caixa Econômica Federal (CEF) comunica à prefeitura municipal o valor do crédito aberto para execução da obra ou aquisição do bem constante da programação de metas aprovada pelo Conselho de Desenvolvimento Municipal; b) a prefeitura municipal abre licitação para seleção da empresa que será responsável pela execução da obra; c) a prefeitura municipal firma contrato com a empresa selecionada para execução da obra; d) execução da obra pela empresa privada sem participação dos seus futuros beneficiários; e) a prefeitura municipal passa a operar e manter os investimentos após a conclusão das obras ou, em alguns casos, quando se trata de projetos de natureza produtiva, transfere a gestão dos empreendimentos para associações ou cooperativas.

Tanto no PCPR quanto no PRONAF, algumas das responsabilidades decorrentes da descentralização foram relativamente fáceis de implementar, pois não tiveram maiores implicações sobre a estrutura de poder ou sobre a natureza da governabilidade local. Entre essas responsabilidades podem ser incluídas a priorização de demandas sociais localizadas; a identificação e elaboração de projetos comunitários; o assessoramento técnico aos conselhos municipais e às associações comunitárias; e, a implantação e gestão dos projetos financiados.

Outras responsabilidades apresentaram maiores graus de complexidade, maiores dificuldades para operacionalização e maiores resistências, explícitas ou veladas, por parte das lideranças tradicionais, como foi o caso gestão local a cargo dos conselhos municipais e da redistribuição de poder entre os conselheiros; da garantia de diversidade política desses conselhos

para manter um efetivo controle social sobre os projetos financiados; e, da definição do status institucional que deve ter a participação política direta dos cidadãos e cidadãs nesse novo modelo de gestão descentralizada.

Seja como for, as mudanças mais visíveis na descentralização dos programas de desenvolvimento rural no Rio Grande do Norte ocorrem no plano local. As associações comunitárias, que há apenas duas décadas contavam-se em unidades e tinham caráter predominantemente filantrópico, agora contam-se aos milhares, proliferam como cogumelos e são responsáveis pela execução de investimentos locais e pela gestão de empreendimentos de natureza econômica e social financiados por organizações governamentais e não-governamentais, nacionais e internacionais.

As organizações não-governamentais, que no passado viviam à sombra da Igreja Católica, são hoje instâncias executivas de políticas públicas formuladas pelos governos federal e estadual e por organizações não-governamentais de âmbito internacional. Com essa tipologia diversificada, podemos contá-las às centenas, em todo o estado, implementando políticas públicas e desenvolvendo atividades de assessoramento técnico e gerencial às organizações da sociedade civil.

Os conselhos municipais, que no passado inexistiam, ou quando existiam, tinham caráter informal e meramente consultivo, agora são institucionalizados, têm caráter deliberativo, acompanham e assessoram a implementação de políticas públicas no âmbito local, administram recursos públicos e firmam convênios com associações civis para execução de projetos, ainda que em determinados municípios estejam a serviço das lideranças políticas tradicionais ou dominados por organizações prestadoras de assistência técnica.

As prefeituras municipais, que antes cuidavam de um restrito número de atribuições, incluindo administração burocrática, construção de calçamentos, limpeza de ruas e prestação de

alguns serviços primários de educação e saúde, agora são também responsáveis pela execução de um conjunto mais diversificado de políticas sociais; pela promoção de alternativas de ocupação e renda; e, pela execução de programas de desenvolvimento local financiados pelos governos federal e estadual e por organismos internacionais.

Essas características permitem uma primeira aproximação à nossa hipótese de trabalho, que reconhece a descentralização como uma boa estratégia para melhorar o desempenho da ação pública. Porém, como afirmamos na introdução deste estudo, um mesmo desenho institucional executado em diferentes contextos, pode produzir desempenhos igualmente distintos ou mesmo contrários aos esperados.

Ora, se admitimos que estão emergindo novas formas de implementação de programas de desenvolvimento rural, é porque existe um velho ou um tradicional padrão de implementação de políticas públicas que era então hegemônico e que está em processo de mudança. Como se configuram, então, as especificidades desses dois padrões de implementação, isto é, o velho que está em processo de mudança, mas que ainda é hegemônico, e o novo que está surgindo, mas que ainda não está consolidado?

Em que medida o discurso dos atores sociais participantes e as experiências concretas de implementação descentralizada de programas de desenvolvimento rural no Rio Grande do Norte são reveladores deste novo padrão de implementação? É o que veremos no capítulo seguinte.