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2.4 AS DEMANDAS POR SERVIÇOS DE SAÚDE

2.4.2 Distribuição da oferta em saúde

Em contrapartida à demanda por saúde, há a oferta de serviços de saúde. Por oferta tem-se a quantidade de um bem ou serviço que os fornecedores ou prestadores estão dispostos a comercializar, a um dado preço (ANDRADE; NORONHA, 2011). A oferta deve satisfazer a demanda em relação à sua capacidade, vista na disponibilidade de mão-de-obra, de serviços e de estruturas; e com relação a suas práticas.

A oferta de serviços de saúde compreende uma gama de prestadores de serviços que atuam no fornecimento de bens e produtos direcionados à saúde. Os prestadores de serviços incluem os

hospitais, laboratórios e clínicas de medicina diagnóstica, profissionais da saúde (médicos), fornecedores de medicamentos, fornecedores e distribuidores de equipamentos e materiais médicos.

Os hospitais atuam em um segmento heterogêneo, podendo ser hospitais públicos e privados; hospitais gerais, estruturados para ofertar um amplo conjunto de serviços médicos; hospitais especializados, focados em uma ou poucas especialidades médicas; e hospitais-dia e clínicas, em formato simplificado para atender procedimentos mais simples. Conforme Azevedo e

outros (2016) apontam o Brasil apresenta uma leve redução na quantidade de leitos dos

hospitais, e isso incide de duas formas sobre a população.

Primeiro, a redução de leitos pode ser um indicativo de ganhos de eficiência, por meio de maiores taxas de ocupação; assim a diminuição da quantidade de leitos pode estar associada à melhoria da gestão hospitalar, à redução da capacidade ociosa de leitos e ao aumento da lucratividade. Em contrapartida, a redução na quantidade de leitos implica perda de qualidade pela falta de atendimento, afetando o bem-estar social.

As atividades dos laboratórios e clínicas de medicina diagnóstica envolvem análises laboratoriais; apoio a outros laboratórios; diagnóstico por imagem; e diagnósticos por métodos gráficos. O setor possui uma oferta heterogênea, sendo diferenciado por empresas de maior porte (capacidade ampla de oferta de exames) e em laboratórios de menor porte (especializado em um conjunto mais restrito de exames). As empresas de tamanho maior tendem a concentrar mais em análises dos exames laboratoriais e podem viabilizar a existência de prestadores de menor porte, ou seja, possuem maior poder de mercado (AZEVEDO et al, 2016).

O médico por sua vez tem a responsabilidade em atender o paciente e utilizar seu conhecimento para diagnosticar e tratar doenças. Esse ator social é quem aciona os demais elementos da cadeia de prestadores de serviços de saúde, por meio de exames, internações, cirurgias ou medicamentos. Este elo é bastante pulverizado, uma vez que existem diversas especialidades médicas e a uma crescente diferenciação dos serviços, além da reputação do profissional. O ato médico representa o poder na condução do tratamento do paciente (AZEVEDO et al, 2016).

A viabilidade do crescimento do SUS está relacionada à reorientação dos recursos humanos. A disponibilidade de profissionais da área de saúde permitiu o aumento da oferta de atendimentos. Na categoria de profissionais de nível superior (médicos, enfermeiros e dentistas) a participação no SUS foi em média de 75% no ano 2017 (VIACAVA et al, 2018). O mercado de fornecimento de medicamentos é constituído por grandes empresas multinacionais que possuem elevados investimentos em pesquisa e desenvolvimento, sendo marcado por grande complexidade. Consequentemente, quanto maior a empresa, maior o poder de mercado e maior possibilidade de determinar preços. O mesmo é verificado no segmento dos fornecedores e distribuidores de equipamentos e materiais médicos. Este segmento é divido em fornecedores de dispositivos médicos; equipamentos médicos; diagnóstico in vitro e e-saúde (sistema eletrônico). Verifica-se no Brasil uma maior participação na distribuição de dispositivos médicos, mesmo os maiores produtores serem empresas internacionais. Outro fator que influencia é a geografia do país (AZEVEDO et al, 2016).

Conforme Viacava e outros (2018) o número de estabelecimentos de saúde subiu de 21.532 para 129.544, de 1981 a 2017. Nos primeiros anos da análise, houve crescimento das unidades básicas de saúde (UBS) e Clínicas, o segmento hospitalar teve crescimento com pouca variação (5.660 para 6.794). Após a década de 90 que os prontos-socorros e as unidades de serviço de apoio de diagnose e terapia (SADT) apresentaram aumento no número das instituições. O crescimento da atenção básica e da rede de urgência e emergência, após o ano 2000, está relacionado ao incremento em UBS e Clínicas. Contudo, no ano de 2017, as UBS são, em sua maior parte, públicas (99,2%), enquanto que as clínicas são em maioria privadas (86,8%). Os estabelecimentos privados também se concentram em hospitais e em SADT. O setor privado sempre esteve presente na prestação dos serviços de atenção à saúde, mesmo na fase da RSB. A atuação e expansão do SUS estava interligada ao setor privado, principalmente nas relações de serviços conveniados e contratados. Na divisão entre estabelecimentos públicos e privados, apontado no Gráfico 7, a participação das instituições privadas apresentam-se concentradas em hospitais, pronto atendimento, pronto socorro especializado, pronto socorro geral e SADT. O que ressalta a especificidade do segmento. Há certa interdependência entre os setores público e privado na atenção à saúde. O SUS para garantir atendimento à população recorre às instituições privadas. Contudo, uma boa parte das

instituições privadas depende dos recursos públicos, apresentando uma categoria de uso misto (VIACAVA et al, 2017).

Gráfico 7 – Evolução da rede assistencial segundo o tipo de estabelecimento e natureza administrativa

Fonte: VIACAVA e outros, 2018.

Os gráficos mostram a relação geral e específica por tipo de estabelecimento e a distribuição entre instituições públicas e privadas, entre 1981 até 2017. É nítido o aumento da quantidade de instituições de saúde nas diversas áreas, mais, principalmente, no atendimento clínico. De todo exposto, a oferta nem sempre corresponde às necessidades, algumas vezes aparece em função da demanda e em outras pode ser criada uma demanda em função de um determinado bem ou serviço. Essa última forma citada aproxima a saúde a uma estrutura de mercado tradicional, que ressalta algumas características do consumo desnecessário de bens, induzido por quem deveria cuidar das necessidades. Nas relações entre prestadores de serviços e usuários pode haver comportamentos de risco (MALIK, 2001).

O comportamento de risco aparece quando o mercado é incapaz de regular coerentemente. Por exemplo, há diversas falhas de mercado que impedem que o mecanismo de preço funcione de forma eficiente. Essas falhas são oriundas, principalmente, da diversidade de informações que os tomadores de decisão possuem. Isto é, o tomador de decisão pode possuir mais informações que as demais partes que também serão afetadas pela decisão. Esse problema é conhecido como assimetria de informação. O resultado das falhas de mercado pode gerar ineficiência no atendimento de saúde, aumento de preços, apropriação de valores, limitações no acesso aos serviços e na perda de qualidade no serviço ofertado (AZEVEDO et

al, 2016).

Nas relações entre os prestadores de serviços de saúde há uma diversidade de transações que envolvem desde custos de transação a contratos incompletos e assimetria de informação entre os agentes econômicos envolvidos, além do risco moral e da seleção adversa existente no setor saúde devido a elevada especificidade dos ativos. Esse conjunto complexo pode implicar problemas de incentivos e comportamentos oportunistas. Os mecanismos de mercado podem não funcionar coerentemente e a regulação setorial pode ser insuficiente para corrigir as falhas de mercado existente. Contudo, como aponta Azevedo e outros (2016, p. 114):

Se, de um lado, o sistema está pressionado pelo aumento de custos, por outro, há grande potencial de ganhos de eficiência. Os problemas de alinhamento de interesses entre os participantes, com evidências de desperdícios de recursos, abusos e excessos de procedimentos indica haver espaço para ações que, ao alinhar incentivos, mitiguem ou eliminem essas perdas.

Diante de uma redução das ineficiências, o mercado de saúde pode se desenvolver com maior diversidade de produtos e prestadores de serviços, ter maior concorrência e ser mais sustentável a médio e longo prazo. O autor complementa que o necessário seria adotar uma agenda de reformas que impactasse todos os elos da cadeia:

As reformas passam necessariamente pela revisão do modelo de contratação e remuneração ao longo da cadeia produtiva, bem como pela transparência de preços e disponibilização de indicadores de qualidade, medidas voltadas a premiar – e, portanto, incentivar – os prestadores de serviço mais eficientes e com maior qualidade. Nessa agenda, há medidas que requerem a participação do legislativo, como a responsabilização de empresas de materiais médicos por práticas comerciais que induzam decisões que prejudiquem a saúde do beneficiário, outras que podem vir a ser objeto da ação da autoridade regulatória, como a disponibilização de indicadores de qualidade de prestadores de serviço, e, finalmente, aquelas que são de responsabilidade dos próprios participantes, como o modelo de remuneração (AZEVEDO et al, 2016, p.114).

Portanto, para reduzir as falhas de mercado do segmento de prestadores de serviços de saúde é necessário criar condições de controle de eficiência dos custos e da qualidade dos serviços ofertados, para ser possível reduzir as assimetrias de informações, o comportamento oportunista, externalidades negativas e o poder de mercado. Estes são, sem dúvidas, os principais problemas que assombram a oferta de saúde.

Em conjunto, existe muito espaço para aperfeiçoar o sistema de saúde brasileiro dentro do marco constitucional atual, mas também esse marco precisa ser alterado conforme as mudanças epidemiológicas e de mercado. Tomando em consideração o fato incontornável de que recursos sempre serão escassos, se faz necessário identificar com clareza as reais prioridades de atendimento de saúde do setor público, além de legitimar e fazer uso adequado do setor privado(BACHA et al, 2011).

2.5 CONCLUSÃO

À medida que as nações se desenvolvem ocorrem mudanças no padrão demográfico e epidemiológico, assim, aparecem outras formas de adoecer e morrer. Há persistência de antigos problemas de saúde, aumento da relevância de doenças crônicas, queda de fecundidade e aumento da expectativa de vida. Todas essas modificações epidemiológicas influenciam na determinação dos novos objetivos do Setor Saúde, dado que agravam a complexidade da abrangência das políticas públicas. As políticas sociais se apresentam, nessa nova fase, muito mais complexas do que no passado, e requerem conhecimentos aprofundados e capacidade de gestão de que o setor público muitas vezes não dispõe.

Existe um intenso debate acerca da necessidade de mais recursos e a utilização de procedimentos mais sofisticados como uma saída para melhorar a qualidade e a cobertura dos serviços ofertados. Entretanto, incorporar novos procedimentos de saúde baseados em tecnologia tem sido um dos principais fatores da elevação dos custos em saúde. É necessário basear-se em estudos fundamentados em evidências clínicas, estudos de custo-efetividade e análise de impacto orçamentário para definir se e quando incorporar as novas tecnologias médicas que são desenvolvidas constantemente.

Ademais, a visão de que o país não gasta o suficiente para manter o nível de cobertura e atendimentos eficientes no sistema público de saúde pode refletir em, um primeiro momento, apenas na necessidade de ampliar os recursos financeiros para universalizar o sistema. O

Brasil disponibiliza somente 4% do orçamento para a saúde estando na média de gastos com saúde quando comparado aos países com mesmo nível de renda, porém está abaixo do recomendado pela Organização Pan-Americana de Saúde de 6%. Nesse sentido, num segundo momento, deveria ser ponderado se os recursos estão sendo eficientes e não apenas suficientes. Eficientes em cumprir o que a gestão e os programas públicos definiram como metas e prioridades, já que os recursos nunca serão suficientes, visto que o padrão epidemiológico não é constante no tempo e a todo o momento são desenvolvidas novas técnicas e equipamentos tecnologicamente mais eficazes para o tratamento de doenças.

Assim, quanto ao financiamento, pode-se fazer mais ainda com um sistema de monitoramento e avaliação de aplicação dos recursos, principalmente diante do cenário atual de redução de despesas. Da mesma forma, pode haver o monitoramento e regulação do sistema de prestadores de serviços, a fim de evitar os problemas encontrados nas práticas sanitárias. É de extrema relevância traçar estratégias que orientem o sistema para reduzir as assimetrias de informação, que geram ineficiências, oportunismo, externalidades negativas e poder de mercado.

Devido à grandeza do Setor Saúde, é necessária a análise contínua da situação da saúde das populações, de forma a permitir que as decisões mais adequadas sejam tomadas, no auxílio à redefinição de prioridades, predição de cenários futuros e nas avaliações das intervenções em saúde que foram implementadas. Dado o novo perfil epidemiológico do Brasil, novas patologias apareceram e novas formas de tratamento também, bem como devem surgir meios mais eficientes que possibilitem a compreensão e a resolução dos problemas de saúde.

Em suma, para que o SUS alcance a cobertura, eficiência e qualidade necessárias para se consolidar como um sistema universal de saúde, muito ainda deve ser feito para eliminar, ou pelo menos em parte, reduzir as deficiências do sistema, melhorando desde a forma básica de atendimento até a concepção do financiamento, passando pelas formas de coordenação e gestão de todas as atividades integradas na rede de saúde. O debate ainda é longo e exaustivo, e, talvez, o alcance dos resultados se dê em um futuro bem distante. Contudo, deve ser feito, e essa discussão é apenas uma parte do todo.