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2.3 A ANÁLISE DAS CADEIAS GLOBAIS DE VALOR

2.3.3 Distribuição da renda

A análise das cadeias globais de valor procura explicar a dissociação crescente entre a dispersão global das atividades produtivas e a concentra- ção dos rendimentos, especialmente numa perspectiva dinâmica. Para tanto, essa abordagem propõe um mapeamento do rol de atividades envolvidas na produção de uma mercadoria e a decomposição dos ganhos totais que são alcançadas por diferentes partes da cadeia. Em segundo lugar, procura ana- lisar como as empresas, regiões e países estão ligados à economia global. Esse modo de inserção é que irá determinar, em grande medida, a capacida- de de cada produtor para modernizar suas operações e, assim, a lançar-se num “caminho de crescimento sustentável de renda”. E, em terceiro lugar, a análise também se concentra nas instituições que levam à especialização internacional, na tentativa de identificar as ações de políticas públicas que podem ser usadas para alterar os padrões de distribuição da renda (KAPLINSKY; MORRIS, 2001).

Na análise das cadeias globais de valor, entende-se que os rendimen- tos mais altos são auferidos pelas partes que são capazes de se proteger da concorrência. Essa capacidade de isolar as suas atividades da concorrência excessiva pode ser atribuída ao conceito de renda econômica, que decorre da posse de atributos escassos e envolve barreiras à entrada. Os economis- tas clássicos, como Ricardo, argumentam a renda econômica advém com base na apropriação, acesso ou controle desigual sobre um recurso escasso existente (terra, por exemplo). No entanto, como Schumpeter mostrou, a escassez pode ser construída através de uma ação intencional e, portanto, um excedente empresarial pode advir para aqueles que criam este escassez. Para Schumpeter, isso é essencialmente o que acontece quando os empresá- rios inovam, criando "novas combinações" ou condições, que proporcionam maior retorno sobre o capital investido. Os “lucros extraordinários” decor- rentes da inovação funcionam como um estímulo à replicação por outros empresários que também pretendem adquirir uma parte deste lucro. Assim, a apropriação do valor extra gerado por uma inovação depende não apenas da capacidade de inovar, mas também da capacidade de proteger-se da imitação e da concorrência (KAPLINSKY; MORRIS, 2001).

Assim, o papel central do mapeamento da distribuição dos resultados nas cadeias de valor reside na determinação de barreiras à entrada que limi- tam a pressões concorrenciais. Quanto maiores as barreiras à entrada, maior o nível de rentabilidade. Ao focalizar a natureza das barreiras à entrada em cada um dos elos, bem como sobre a coordenação das atividades entre os elos (que dão origem às rendas relacionais), é possível explicar uma parte significativa dos resultados distributivos decorrentes da participação em um sistema de produção mundial (e nacional) (KAPLINSKY; MORRIS, 2001). As rendas econômicas podem surgir nas seguintes circunstâncias: (1) quando se cria um diferencial de produtividade dos fatores por moderniza- ção (inovação) ou pela criação de barreiras à competição; (2) através de um tipo de relacionamento de qualidade superior com fornecedores e clientes; e (3) geradas por fatores exógenos, decorrentes de acesso privilegiado a re- cursos naturais, por usufruir de benefícios de políticas públicas ou de infra- estrutura, etc. Assim, tanto as rendas “ricardianas” quanto as rendas “s- chumpetarianas” contribuem para explicar à distribuição da renda ao longo de uma cadeia de valor. As rendas econômicas, no entanto, são dinâmicas. Novas rendas serão adicionadas ao longo do tempo, e as áreas existentes de rendas serão corroídas pelas forças da concorrência (KAPLINSKY; MORRIS, 2001).

O objetivo desse enfoque abrangente sobre os diferentes componen- tes da renda, que engloba tanto a renda schumpeteriana quanto outras for- mas de renda, é identificar as atividades na cadeia de valor capazes de sus- tentar a renda elevada. Ao focar sobre as barreiras à entrada, é possível compreender a dinâmica da distribuição dos resultados, pois torna possível identificar aquelas atividades que estão sujeitas a uma concorrência cres- cente (por exemplo, a transformação física de insumos em produtos acaba- dos) e aquelas onde há uma probabilidade de serem mantidas ou aumenta- das as barreiras à entrada no futuro (por exemplo, design e criação de mar- cas). Além disso, fornece também uma perspectiva para identificar as com- petências essenciais e capacidades dinâmicas necessária para elevar o nível de renda de determinada indústria, região o país. Combinada com a análise das relações de poder (discutidas na seção anterior) e das instituições, é possível estabelecer um “diagnóstico” e uma “receita” mais adequados para políticas públicas que visem melhorar a posição da sua indústria na economia mundial (KAPLINSKY; MORRIS, 2001).

Argumenta-se, às vezes, que as rendas econômicas em uma cadeia de valor são cada vez mais encontradas em áreas fora da produção, tais como

design, criação e publicidade de marcas e marketing. No entanto, como

argumentam Kaplinsky e Morris (2001), esta é uma conclusão precipitada, uma vez que mesmo dentro de algumas atividades de produção envolvem maiores barreiras à entrada. Um exemplo é a indústria automobilística que, embora as funções de design e marketing tenham ganhado importância na concorrência, tecnologia, escala de produção e conhecimento ainda repre- sentam barreiras fundamentais à entrada de novos concorrentes. E isso faz com que as montadoras, detentoras de marcas e tecnologia, sejam as que geram (e se apropriam) do maior valor gerado ao longo da cadeia produtiva. Isso porque, conforme visto anteriormente, a renda econômica pode emergir de diferentes formas. Podem ser rendas construídas pelas firmas, como no caso de desenvolverem ou deterem tecnologias avançadas, se be- neficiarem de recursos humanos altamente qualificados, em função de uma forma de organização de produção mais eficiente ou em função de seus esforços de marketing, seja em publicidade, seja na reputação da marca. Outras rendas são construídas pela cadeia produtiva, decorrente de um tipo específico de relacionamento entre clientes e fornecedores que aumente a eficiência sistêmica na produção de determinada mercadoria. Por fim, al- gumas rendas podem surgir em função da ação de agentes externos à pro- dução, em função de políticas públicas, infra-estrutura, acesso facilitado a recursos naturais, entre outras.

3. A NOVA ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO MUNDIAL DE