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Foto 4 Frente da CEFFA Manoel Monteiro (Lago do Junco)

1 A IGREJA ESCUTA O CLAMOR DO SEU “POVO” E LUTA POR JUSTIÇA

1.2 Ditadura Militar e suas influências na postura política da igreja católica

Em relação a conjuntura política na década de 1960, o Brasil e outros países da América Latina estavam vivenciando a Ditadura Militar. A Igreja Católica também foi afetada por esta ruptura no processo político-social.

Os posicionamentos políticos divergiram causando conflitos internos e também o cenário foi marcado por embates políticos entre Igreja, estado e militares, já que “este

governo, então fechou muita rádio, proibiu jornais, começou a perseguição” (Depoimento: Fr. Heriberto Rembecki, 2015).

De acordo com Borges Junior (2010, p.24-25) a Igreja Católica e o Estado estiveram ligados por acordos em várias fases da história do Brasil, cuja Igreja Católica foi favorecida em vários quesitos. No governo de Getúlio Vargas, por exemplo (1930-1945), o ensino religioso tornou-se obrigatório, houve a proibição do divórcio e a permissão de financiamento público a instituições católicas.

Essa relação ficou conturbada com o surgimento da ditadura militar, principalmente no período de maior repressão do regime. Embora a maioria católica tenha apoiado o golpe, em 1964, pelo temor do comunismo, não demorou muito para que os atritos e conflitos entre o Estado e importantes segmentos da Igreja se manifestassem. A repressão de movimentos católicos colocou Igreja e Estado em campos de atuação política diferentes, caracterizando a oposição da Igreja ao regime autoritário na década de 70. Esses atritos levaram a Igreja a certo distanciamento da órbita estatal, sofrendo o processo de esquerdização em seus vários setores de atuação política, inclusive a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). (BORGES JUNIOR, 2010, p.24-25).

Camila Portela em “Entre a Cruz e o fuzil: uma análise das ações do clero católico no período da Ditadura Militar no Maranhão” (2015) ao analisar documentos da Delegacia de Ordem Política e Social do Maranhão (DOPS/MA) identificou que a Igreja Católica era uma das principais preocupações dos militares. Os clérigos (padres/bispos) e religiosos (opção laical)22 considerados progressistas eram alvos de repressão, estes

caracterizavam-se desta forma pelo envolvimento em movimentos sociais e por levantarem críticas ao governo. No acervo da DOPS/MA, Camila Portela (2015) identificou o nome de clérigos franciscanos que atuaram na diocese de Bacabal que comparecem nesta pesquisa como mediadores dos conflitos de terra na região do Médio Mearim, são eles: D. Fr. Pascásio Rettler23 (OFM) de nacionalidade alemã, foi o primeiro bispo da Diocese de Bacabal, Fr.

Henrique Johannpötter24 (OFM), Fr. Godofredo Bauerdick (OFM) e Fr. Heriberto Rembecki

(OFM).

22 Opção laical: diz-se de religiosos que optam por não receberem o ministério do sacerdócio, integram a Ordem

Religiosa como irmão consagrado fazendo votos, mas não são padres. A formação acadêmica para os que escolhem a opção laical é diferenciada dos que optam pela opção presbiteral.

23 “D. Fr. Pascásio Rettler, nascido aos 26 de janeiro de 1915, franciscano desde 19 de dezembro de 1936,

ordenado sacerdote a 29 de novembro de 1942, preconizado bispo aos 26 de julho de 1968, quando da ereção da diocese de Bacabal, sagrado a 12 de setembro e empossado a 1º de novembro do mesmo ano. Como religioso da Imaculada Conceição, Dom Pascásio dedicara-se à cura d’almas, ora no paroquiato, ora como missionário popular, e lecionara Teologia nos conventos de Petrópolis e do Rio de Janeiro, tendo sido definidor e custódio da Província de 1962 a 1968.” (WILLEKE, OFM, 1978, p. 35-37)

24 Fr. Henrique Johannpötter nasceu na Alemanha, numa região rural de pequenos fazendeiros. Chega ao Brasil

em julho de 1962. Exerceu o cargo de superior da “Custódia Nossa Senhora da Assunção” entre 1976-1982, foi também o segundo bispo da Diocese de Bacabal, responsável por criar e executar projetos voltados para os

Mesmo com o fim da Ditadura, alguns padres citados nos capítulos anteriores continuavam sendo alvos de investigações da DOPS/MA, pois mantiveram com suas atividades pastorais no campo. Em 1985 a CPT lançou o livro Conflitos no Campo Brasil, em que são sistematizados os dados sobre os conflitos nas regiões rurais do país. Do primeiro número deste livro destaca-se uma lista de nomes de pessoas que foram ameaçadas de morte no Maranhão, constando nelas os nomes de Dom Pascácio Rettler, Frei Lucas e Frei Heriberto da diocese de Bacabal; Padre Luís Pirotta, Padre Jan Zufellato e Padre Cláudio Zanonni, da paróquia de Arame, diocese de Grajaú e o Padre Antonio di Foggia, da paróquia de Turiaçu, diocese de Cândido Mendes. (PORTELA, 2015, p.147).

Costa (1994) considerou que a ditadura militar “criou condições para que as CEB’s25 assumissem um papel social considerável”, pela repressão aos grupos de expressão

popular, como partidos e sindicatos. Já as CEB’s por estarem se estruturando, no início não se apresentaram como perigo ao governo, tornando-se um espaço para elaboração de interesses populares, de modo que, quando se inicia o processo de “liberalização” política do “regime militar, elas se constituíam na principal força organizada nos meios populares, fato que contribuiu para fazer da Igreja um dos principais interlocutores políticos da ditadura nesse período.” (COSTA, 1994, p.13).

Ao posicionar-se em prol dos menos favorecidos através de movimentos organizados a Igreja Católica compra uma briga com os poderes vigentes, assim instaura-se conflitos e violência contra diversas categorias. Em depoimento Fr. Adolfo Temme (2015) narra alguns conflitos travados em função desta postura política tomada pela Igreja Católica. Este relata o conflito em Pau Santo em 1984, povoado pertencente ao município de Lago do Junco. O frade descreve que a violência chamou a atenção, “havia chegado um “dono”, alguém que se auto denominou “dono”, vindo do estado do Ceará e começou a “agradar o povo com empréstimo” e organizou as pessoas para vender coco verde, logo depois incentivou a derrubada de palmeiras. Como mediador deste conflito por terra aparece o nome do Fr. Godofredo Bauerdick (OFM), um dos franciscanos acusados de subversão pela DOPS/MA.

Pau Santo é vizinho de José Machado onde havia um conflito dois anos antes, organizado pelo Frei Godofredo, e então Pau Santo aprendeu deles e eles estavam vendo, nós temos que forçar a Reforma Agrária que senão não tem mais vida para nós. Em 1985 eu cheguei lá, na semana depois da páscoa, e aí me disseram três novidades: primeiro, ninguém pode mais quebrar coco; segundo, ninguém pode mais criar porco solto e ninguém pode mais fazer roça. Então todo mundo via: esse é

lavradores como “AJULAV” e “Fala Cantando”. Ordenado bispo da Diocese de Bacabal em 02/12/1989 por ocasião da renúncia de D. Fr. Pascásio Rettler (OFM) aos 75 anos. D. Henrique exerceu esse cargo até abril de 1977 quando renunciou por motivos de doença. Faleceu em 18 de julho de 2007 no Hospital São Domingos – São Luís, MA, está enterrado no cemitério do convento dos franciscanos em Bacabal-MA. (Revista Voz da Esperança, ano XXI, nº95/2012, p.3-5)

o ataque final pra estrangular o povoado, agora é lutar ou então morrer. (Depoimento: Fr. Adolfo Temme, OFM, 2015)

A Igreja representava perigo, portanto muitas acusações pesavam sobre ela, era importante para o Regime Civil/Militar manter padres e freiras calados. Fr. Godofredo Bauerdick (OFM) aparece nos documentos da DOPS/MA sendo acusado de subversão, no texto citam características do convento dos franciscanos localizado em Bacabal sob a alegação de esconderem armas no subterrâneo. Como possível contemplar no documento (DOPS/MA. Informe nº 06/80. 11/02/1980. cx. 72, maço 6). Afirma-se que:

1. Frei Godofredo de Bauerdick, alemão, vigário da Paróquia de Lago da Pedra (MA) é público e notório possuir uma estação de rádio comunicação na Igreja local, ou na sua residência, e outra na sede da Congregação Religiosa a que pertence, em Bacabal (MA)26.

2. Consta existir no subterrâneo do prédio da sede da Congregação Religiosa armamento em depósito (Lago da Pedra ou Bacabal).

3. Informamos ainda, que o referido vigário vem mobilizando de maneira ativa, clube de jovens e Comunidade de Base, para promover agitação nos municípios de Lago da Pedra e Paulo Ramos.

Foto 1 - Sede da Província Franciscana Nossa Senhora da Assunção – Bacabal-Ma

Fonte: Província Franciscana Nossa Senhora Da Assunção (2016)

Foto 2 - Igreja São José e Casa Paroquial em Lago da Pedra – MA.

Fonte: Provincia Franciscana Nosssa Senhora da Assunção (2016). À direita encontra-se a casa citada no referido documento da DOPS-MA

Imagem 1 – Destaque do informe para o nome do Frei Godofredo Bauerdick

Ao ser perguntado sobre processos Fr. Adolfo Temme (OFM) respondeu que não havia processos contra eles. Destacou que ameaças foram muitas, mas que processos não era do conhecimento dele. (Depoimento: Fr. Adolfo Temme, 2015).

Camila Portela, ao analisar o mesmo documento, comenta que é possível que a DOPS/MA não tenha dado continuidade às investigações, mesmo sob graves acusações “por conta da classificação do documento (E3)” (PORTELA, 2015, p.119)

Costa, por sua vez, conclui seu trabalho monográfico tecendo críticas quanto a participação popular da Igreja, ainda que muitos benefícios tenham se constituído ao logo dessas disputas por terra, por respeitar os direitos humanos. Para ele a Igreja Católica tinha objetivos de se manter, no entanto essa estrutura milenar foi abalada com os acontecimentos políticos, assim dois aspectos ele considera importante:

Primeiro, a Igreja tem uma "vocação" para o poder, ou seja, a instituição, onde quer que se faça presente, procura ligar-se aos grupos dominantes e constituir-se ela própria parte do poder hegemônico; segundo, a Igreja se pretende universal, estendendo a sua ação às diferentes classes e categorias sociais, como forma de garantir a sua perpetuidade. (COSTA, 1994, p.54).

A Igreja constituiu-se deste modo um dos poucos espaços onde se podia discutir política e direitos, foi atribuído assim a esta instituição um lugar que não era ocupadopor ela e percebe-se que não foi rápido, mas teve muitos embates até se formarem outros movimentos a partir desta discussão.

O povo, tradicionalmente religioso, encontrava-se nos lugares de culto para suas celebrações, e ali ia tratando também de seus problemas concretos e cotidianos: terra para trabalhar, teto para viver, educação para os filhos, saúde, salários, emprego, transportes, etc. (SOUZA, 1997, p.78).

Ao tentar impedir que grupos se formassem dentro da Igreja pretendia-se impedir esses espaços de discussão política, por isso os grupos formados pelas CEB’s, grupos de jovens, dentre outros, eram acusados de agitação da ordem e eram considerados perigosos, sob pena de censura, prisão, torturas, etc.

1.3 As Conferências Latino Americanas (CELAM) e sua influência na ação social da