• Nenhum resultado encontrado

Foto 4 Frente da CEFFA Manoel Monteiro (Lago do Junco)

3 CONFLITOS DE TERRA: resistência no Médio Mearim

3.5 Povoado Pau Santo – 1985

Lavradores que vieram tangidos pelo flagelo das secas nordestinas e se estabeleceram a mais de cinquenta anos dentro das matas virgens no interior do município de Lago do Junco, na época Município de Pedreiras, fundaram ali o Povoado Pau Santo, que ao longo dos anos foi crescendo, contando atualmente com aproximadamente oitenta famílias, que sempre tiveram as terras do povoado e circunvizinhas como devolutas do Estado do Maranhão, pois ali trabalhavam mansa e pacificamente, nunca se preocuparam em documentar as referidas terras. (RELATÓRIO, 19?, fl.1, Grifo do autor)

Lá no Pau Santo, o Nelinho não deixou o pessoal botar nem roça, e mandou cortar o coco todinho e vendeu de carrada o coco, o que prestou, prestou, o que não prestou ficou cortado todinho. Nesse ano ninguém botou roça lá no Pau Santo, teve criança que rolava de fome, chorando no chão de fome, sem o pessoal poder botar roça e sem ter o coco pra quebrar, aí foi que eles se revoltaram (Seu Preto Centrinho do Acrísio). (PRETO apud LIMA NETO, 2007, p.44 grifo do autor)

O posseiro citado por Lima Neto (2007) era morador do Povoado Centrinho, pertencente ao Município de Lago do Junco, um dos muitos povoados que sofreram com a conjuntura política e econômica do Brasil, devido a criação e expansão do gado. Instalaram-se medo, insegurança e ao mesmo tempo vontade de lutar, pois acreditavam no direito deles. Compreende-se que até chegar a uma conjuntura de luta pela terra foi um processo que perpassou por vários caminhos e estratégias. Considerando as relações do território maranhense, especificamente a região do Médio Mearim percebe-se que a demanda de conflitos e violência foi exacerbada, cujas providências e notícias atravessaram as fronteiras do país.

Dos conflitos assistidos pela AJULAV, esta entidade considerou que Lago do junco foi um dos municípios mais atingidos na decada de 1980. A Diocese de Bacabal e Província Franciscana Nossa Senhora da Assunção deram especial assistência a especificamente oito desses conflitos, são eles: Centro do José Machado (1980); Centro dos Limas (1980) atualmente São José da Conquista; Fazenda Guaribas (1980); Pau Santo (1985); São Manoel (1986); Ludovico (1986); Santa Zita (1987); Centro dos Aguiar (1989).

A área do Povoado Pau Santo foi vendida várias vezes e ainda assim os posseiros continuavam com suas atividade de plantação de roças e extração do coco babaçu, mas este cenário mudou depois que um fazendeiro comprou a área. Ele proibiu que os posseiros continuassem suas atividades laborais.

As relações de poder e sociabilidades construídas em meio aos conflitos são diversas. Diante destes conflitos os posseiros começaram a identificar um inimigo em comum. Perceberam que entre suas opções estava a de lutar ou sair. Eles precisavam se unir, pois os latifundiários eram mais fortes em vários sentidos, estes tinham meios que se encaminhava para um conflito desigual. Infere-se, deste modo, que em meio as contingências as estruturas sociais e suas relações se (re)significam. Lima Neto (2007) chama essas relações de laços de solidariedade e de identidade que se constituíram a partir da exigência de lutar pela terra, o que o mesmo considera importante para se manter e (re)conquistar a terra.

Impedir as famílias de trabalhar nas terras e colher o babaçu implicou num problema grave de manutenção da própria sobrevivência das famílias. Lima Neto (2007), ao analisar entrevista da moradora do Povoado Ludovico, outro povoado que sofreu com as consequências dos conflitos, afirma que nos anos de 1980 criou-se neste espaço uma nova dinâmica o chamado “sistema de barracão”145. Isto levou as famílias a se manifestarem em

prol de uma luta sistematizada e legalizada junto as entidades e instituições de apoio:

Desta forma, no município de Lago do Junco, as primeiras reações das famílias contra o processo de expropriação se deram exatamente contra o sistema de barracão que se tornara pujante nos primeiros anos da década de 1980. Várias famílias que naquele momento encontram-se despojadas de seus principais meios de sobrevivência que são os babaçuais e as terras de cultivo, ao se verem premidas pela necessidade material e pelo constrangimento moral imposto por esta situação, passam a questionar o sistema de barracão de uma forma coletiva e mais contundente. Instrumentalizadas por uma formação proveniente dos campos sindical e cristão-libertário, fornecida de forma imbricada nos espaços das comunidades religiosas e das delegacias sindicais, as famílias sentem-se autorizadas legalmente, religiosamente e moralmente a reivindicar seus direitos. (LIMA NETO, 2007, p.64- 65)

Sobre sua experiência na luta pela terra a moradora do Povoado Ludovico, Aparecida Rosalina Alves, narra:

Naquela época, nós saímos convidando as mulheres pra reagir às ameaças do vaqueiro e do fazendeiro, o Coutinho. Organizamos junto com meu irmão que era o Inácio e criamos um plano com a intenção de reunir as mulheres e tivemos a

primeira conversa com o filho do fazendeiro e o vaqueiro, só que aí ele trouxe uns pistoleiros pra vigiar a solta, começamos a fazer abaixo assinado pra levar

145 Sobre este tema ver: Lima Neto, Evaristo José de. O associativismo em áreas de babaçuais: a experiência das organizações de trabalhadores rurais do Município de Lago do Junco-MA associadas à ASSEMA - 2007. “[...] o sistema de barracão, que, ao lado do arrendamento de solta, exacerbava o regime de apropriação privada do babaçu outrora explorado de forma comum pelas famílias. Pelo sistema de barracão, uma única família, seja a do proprietário de terra, seja outra indicada por este, possuía o direito explorar o babaçu de uma determinada área. Para tanto, junta-se grandes quantidades de coco babaçu em um único local denominado de barracão, onde, sob o controle de um encarregado, as mulheres quebram o coco recebendo pagamento por apenas metade de sua produção. Este sistema tornava-se ainda mais perverso pelo fato de que muitas vezes uma grande quantidade de coco ficava disponível nas soltas, mas, sua livre coleta era proibida. Assim, as famílias eram obrigadas a trabalhar nos barracões [...]”. (LIMA NETO, 2007, p.43, Grifo do autor)

pras autoridade, associamos muitas mulheres no sindicato [...] Depois recorremos a

igreja, os vigário daqui era o frei Adolfo e o padre Heriberto, que também partiam pra conversar com o fazendeiro (Rosalina Alves, Aparecida/Ludovico).

(ALVES apud LIMA NETO, 2007, p.65, Grifo do autor)

No caso do Povoado Pau Santo, essas privações e ameaças se encaminhavam para a efetivação de violência que resultou num dia de terror para as famílias que residiam neste povoado. O Juiz de Direito da Comarca de Bacabal deu liminar favorável para o latifundiário que se intitulava dono das áreas que abrangia Pau Santo determinando que este ficasse com a posse da terras.

Deste modo, aos dias 23 de novembro de 1985, um sábado, após saírem do Povoado Aldeia (conflito já discutido neste capítulo), local aonde a polícia não cumpriu a liminar por causa da interferência das autoridades religiosas e suas entidades como ACR e AJULAV, a equipe de polícia e autoridades jurídicas se encaminharam para o Povoado Pau Santo na tentativa de cumprirem lá outra reivindicação de latifundiário. “[...] o mesmo contingente composto de cem (100) de policiais comandado pelo próprio Secretário de Justiça e Segurança do Estado [...] acompanhado de oficiais de altas patente da Polícia Militar do Estado [...], se dirigiram ao Povoado Pau Santo”. (RELATÓRIO, 19?, p.2)

O relatório acima aponta que as autoridades não conseguiram chegar ao Povoado Pau Santo com a frota completa, referem-se à sete D10 e D20 que estavam à disposição das autoridades. Devido à dificuldade da estrada deixaram os carros no Povoado Cigana, onde também permaneceu o Secretário de Segurança. “[...] Oficiais da Polícia Militar, os Delegados de Polícia, e aproximadamente 20 policiais, tendo cerca de 80 policiais marchando contra o Povoado Pau Santo, ali chegando por volta de 13.00 horas”. (RELATÓRIO, 19?, fl.2).

Na narrativa de Frei Adolfo Temme, OFM, ele destaca que a polícia ao sair de Aldeia, como não conseguiu agir contra os lavradores por causa da carta do presidente apresentada pelo advogado da diocese, Dr. Sandes, “dissimularam” que iam embora, mas tomaram o caminho para Pau Santo.

Cigana tem uma venda, quer dizer um pequeno mercadinho que vende as coisas para o povo de Pau Santo, e esse dono era amigo deles, adivinhou o perigo e fez tudo pra adiar a entrada deles e disse: “não tem condição vocês vão se afundar na lama”. São sete quilômetros e a estrada horrorosa, já tinha começado o novo inverno. Então, ele deu cachaça para os soldados para segurar, achou um jovem chamado Davi, filho de Pau Santo e disse: “enquanto eu seguro eles aqui, você vai correr e dar a notícia”, então ele chegou meia hora avisou o povo e todo mundo fugiu, só não fugiu Manoel Monteiro, porque era asmático, doente. Então pra eles era uma decepção, eles queriam mostrar serviço, isso quer dizer matar gente. Então como ele era o único que eles encontraram, aliás mais adiante também algumas pessoas ficaram, então sem discussão mataram o senhor Manoel e tomaram como pretexto que ele estava levando uma arma. Ele tinha sido caçador, tinha uma arma enferrujada, ele estava

enrolando pra sair pelos fundos e jogar no mato, ele tinha medo que se complicasse com a arma. A arma estava embrulhada num plástico. Aí tomaram isso como pretexto, a posse da arma, e mataram ele sem discussão atrás da cozinha. (Depoimento: Fr. Adolfo Temme, OFM, 2015)

Ao chegarem ao povoado os policiais não encontraram os homens. Eles conseguiram ser avisados a tempo e se esconderam na mata, exceto Manoel Monteiro de 76 anos, mulheres e crianças. Manoel Monteiro não conseguiu se esconder devido aos problemas de saúde. Este fora assassinado durante a invasão. Os policiais foram acusados de terem o matado com cinco tiros. “Acompanhando o contingente policial estava o fazendeiro [...] e diversos jagunços e pistoleiros, entretanto o Oficial de Justiça, pessoa que deveria cumprir a ordem judicial e que era indispensável não estava presente, tendo abandonado a comitiva após sair do povoado Aldeia”. (RELATÓRIO, 19?, fl.2).

Tomando conhecimento do massacre, imediatamente por telefone Dom Pascásio, denunciou o fato às autoridades Estaduais e Federais, lamentando a falta de justiça deste País, viajando logo em seguida para Brasília a fim de denunciar o fato pessoalmente e pedir providencias ao Presidente da República, Ministro da Justiça e Presidente do INCRA para solução do problema, enquanto que a Assistência Jurídica da Diocese de Bacabal, promovia a defesa dos lavradores. (RELATÓRIO, 19?, fl.2).

Fr. Adolfo Temme, OFM (1985), na ocasião escreveu um texto intitulado “O dia do grande horror”, assim narra:

Quando os amigos das comunidades vizinhas chegaram era 8 hs da noite. O corpo do morto estava em cima de uma porta, forrado com uma rede, e debaixo da porta tinha poça de sangue. O povo apalpava as cinco entradas de bala como quem passa a mão nas chagas de Cristo. Tiraram a camisa ensanguentada para vestir uma camisa branca com manga cumprida, mas o morto não ajudou. A nova camisa num instante estava cheia de sangue precioso. A sentinela era choro e prece, e Nossa Senhora dos Aflitos olhando para o seu filho querido. Um dos companheiros assentou num caderno com mão trêmula as palavras: MANOEL MONTEIRO DE SOUZA, 76 ANOS, FOI MORTO COM CINCO TIROS DE REVOUVE CALIBE NÃO SEI, PORQUE TINHA MUITOS TIPOS DE ARMAS.

No dia seguinte chegaram ao povoado padres, religiosos, religiosas, leigos de diversos municípios para prestarem solidariedadeaos posseiros. A missa de corpo presente foi celebrada por D. Rino Carlesi, bispo de Balsas e concelebrada por Fr. Adolfo Temme, OFM e Fr. Heriberto, Rembecki, OFM, logo após sepultaram o corpo de Manoel Monteiro.

24.11.85 Celebramos a missa de corpo presente pelo finado Sr. Manoel. Dom Pascásio que viajou logo a Brasília foi representado pelo Dom Rino, Bispo de Balsas, que veio em nome dos Bispos do Maranhão para mostrar um sinal de solidariedade com os lavradores perseguidos. (LÖHER, OFM, 2009, p.391).

A diocese publicou uma carta de solidariedade aos posseiros e declarou luto em toda a diocese em sinal de repúdio à violência sofrida no povoado.

Imagem 41 - Missa de corpo presente de Manoel Monteiro (1985)

Fonte: CEFFA: https://ceffa.jimdo.com/

Celebrantes: Fr. Heriberto Rembecki, OFM (em pé à esquerda); Fr. Adolfo Temme, OFM (em pé à direita); D. Rino Carlesi (sentado à esquerda); e Fr. Godofredo Bauerdick, OFM (sentado à direita).

Os posseiros contestaram a Ação de Manutenção de Posse através da AJULAV sob a justificativa do direito e levantaram suspeitas quanto a autenticidade do documento apresentado pelo latifundiário “[...] porque não é permitido por Lei, que sejam usucapiadas terras devolutas do Estado ou da União”. Deste modo o INCRA, vistoriou a área em litígio decidiu desapropriá-las, favorecendo assim os posseiros “Decreto de nº 993.037, de 27 de julho de 1996, publicado no Diário Oficial da União de 30/07/1996. (RELATÓRIO, 19?, p.3) Em virtude desse acontecimento, D. Pascásio Retller, OFM foi a Brasília no dia seguinte falar com o Presidente José Sarney e reclamou que o governo dizia estar do lado do lavrador, que seria feita Reforma Agrária, mas isto na prática não se efetivava, pois estavam morrendo muitos posseiros. Ele pediu providências das autoridades em caráter de urgência. Deste modo, conseguiram a desapropriação de uma parte da terra sem que precisassem passar por burocracias. O documento referente a parte cedida foi assinado em três dias.

Para Fr. Adolfo Temme, OFM a morte de Manoel Monteiro foi “a morte do cordeiro” que inibiu a força do latifundiário e com isso houve conquistas por parte do posseiro.