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Divergências no Partido Socialista Português: da eclosão do conflito à União Sagrada

No documento Volume Completo (páginas 116-133)

Foto 6: Torpedo a ser carregado no S.M U 38 – Fonte: Valentiner, 1934: 69 [Fotógrafo Segundo-tenente

2. Divergências no Partido Socialista Português: da eclosão do conflito à União Sagrada

Falar da República portuguesa em agosto de 1914 é, na realidade, narrar a guerra. Irreversível fatalidade, “a guerra foi a morte da Primeira República” (Rosas, 2009: 248). Todo o país seria inevitavelmente arrastado para o debate em torno do que sucedia nos teatros de guerra europeus, produzindo-se duas visões distintas: os intervencionistas, que clamavam pela entrada de Portugal no conflito, e os anti intervencionistas, que a repudiavam. No que respeita ao Partido Socialista Português, pretende-se tão somente responder às seguintes questões: qual o posicionamento do partido face à guerra? Qual o nível de preponderância dos socialistas portuenses neste período no seio partidário?

À semelhança do que sucedia nos diversos partidos da Internacional Socialista, o conflito europeu produziu grandes querelas no Partido Socialista Português. Se, em todo o caso, a maioria da Internacional Socialista optou por ações pró-nacionais, na esfera de atuação dos respetivos governos, também coexistiram grupos de resistência e de intransigência face ao intervencionismo na guerra. Rosa Luxemburgo e Lenine seriam os rostos mais visíveis da «guerra à guerra», tantas vezes proclamada no seio da Internacional Socialista. Em Portugal, o mesmo sucederia, consubstanciando-se em correntes de opinião muito distintas no seio da família socialista.

A primeira tomada de posição de um órgão oficial do Partido Socialista Português pertenceu ao jornal da Confederação do Norte do Partido Socialista Português, A Voz do

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Povo4, a 9 de agosto de 1914, sob o título “Tremendas Responsabilidades”. João Dias da Silva, editor do periódico e vereador pela minoria socialista na Câmara Municipal do Porto, criticava a postura do Império Alemão. Mais importante que o litígio entre a Alemanha e a França, para este socialista o problema que resultou na declaração de guerra da Áustria à Sérvia merecia maior destaque. Se a Áustria tinha razões para exigir certos compromissos à Sérvia, perdia agora a sua autoridade moral ao subordinar-se às imposições secretas da Alemanha. Por isso, os alemães deveriam ser responsabilizados pelo ultimato da Áustria à Sérvia. Quanto à França, Dias da Silva classificava-a como a “simpática nação que mais tem contribuído para o reinado da paz”, tendo sido ofendida na sua integridade pelo Kaiser. Para não arrastar a Europa para a guerra terá a França, na opinião deste socialista, sacrificado o seu direito à Alsácia Lorena. “Daí a oportuna intervenção da Inglaterra que arbitrará em favor da justiça o trágico pleito internacional”. As responsabilidades da guerra recaíam todas na Alemanha dos governantes, do imperador e da burguesia. Outra Alemanha alentava os socialistas portuenses: a dos socialistas e operários alemães, cuja atitude lhes era ainda desconhecida devido à censura imposta no Império Alemão (Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP), A Voz do Povo, n.º 372, 9 de agosto de 1914, p. 1). Dando como adquirida a posição de Dias de Silva como a da Confederação do Norte, ressalva-se uma proximidade dos socialistas portuenses para com os Aliados, em especial a França. O distanciamento face à Alemanha não significava a exclusão desses socialistas, que se esperava terem sido os primeiros a repudiar a ofensiva guerreira do Kaiser.

Na semana em que se dá início às hostilidades, o Partido Socialista Português, por intermédio das suas Confederações (Norte e Sul), organizou manifestações públicas de repúdio contra a guerra. No Porto, a manifestação do Largo da Trindade, proibida pelo Governo Civil, não se chegaria a realizar, apesar de ter comparecido “um grande número de manifestantes” dispersos pela polícia. Em Lisboa, à semelhança da do Porto, a manifestação contra a guerra foi também dispersa pela polícia (A Voz do Povo, n.º 372, 9 de agosto de 1914, p. 2).

4 Fundado em 1907 por Manuel José da Silva, mais tarde eleito deputado pelo partido às Constituintes de 1911, foi um importante meio de difusão dos ideais socialistas desde a sua fundação até ao ano de 1919, altura em que se fundiu com o jornal A Comuna e do qual resultou um novo periódico socialista, A

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O Conselho Central do Partido Socialista Português dava início, a 15 de agosto de 1914, à publicação do seu órgão oficial, O Combate. Tendo como redatores principais figuras importantes do partido, tais como António Pereira, presidente, e César Nogueira, secretário externo e delegado do partido ao Bureau Socialista Internacional, O Combate apresentou-se como “o traço de união entre o Conselho Central e as agremiações do partido”, pelo que “não eram permitidas nem alimentadas questões de caráter pessoal e as questões de caráter coletivo só serão abordadas em harmonia com os interesses e a disciplina do partido”. No que respeita à guerra, neste número inaugural, O Combate limitou-se a expressar um dilema: “com respeito a Portugal, não sabemos se está neutral ou se deixa de o estar”. Aproveitando a notícia da realização de um Congresso Socialista na Região Norte, o órgão do Conselho Central referia-se aos socialistas portuenses nestes termos: “No Porto, o Partido Socialista é o segundo partido que conta com maior influência eleitoral. […] Além disso, o povo operário no Norte estando mais afastado do foco revolucionário, como é Lisboa, mais facilmente se desapega dos ídolos da República, abraçando os ideais do Socialismo”. Aludiram, ainda, “à superior vantagem dos elementos socialistas [do Norte] serem perfeitamente solidários na ação partidária, manobrarem sempre em uniformidade e nunca faltarem aos compromissos da luta” (Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP), O Combate, n.º 1, 15 de agosto de 1914, p. 2).

O tom elogioso que o órgão oficial do Conselho Central do partido adotou na caracterização dos seus camaradas do Norte poderá, indiretamente, apontar para o seguinte: uma declaração, em forma de crítica, para com os elementos do Sul, aparentemente mais permeáveis às influências republicanas. Aqui, poderá residir um dos fundamentos para as divergências de perspetivas face à guerra que se encontram entre o Conselho Central/Confederação do Sul e a Confederação do Norte, estando subjacente a ideia de uma independência sem contestação, ainda que harmoniosa com os ideais partidários dos socialistas portuenses.

A 16 de agosto teve início o 2.º Congresso Regional de Braga, no qual a Confederação do Norte se pronunciaria sobre “A atitude do Partido Socialista perante a chamada defesa nacional”, num documento elaborado pela Federação Municipal Socialista do Porto. Poucos dias antes, o deputado socialista Manuel José da Silva, diretor

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de A Voz do Povo, deu a conhecer no Parlamento a posição dos socialistas face às medidas extraordinárias propostas pelo executivo de Bernardino Machado para atenuar os efeitos provocados pela guerra. Afirmou que incumbia ao operariado internacional a resolução dos conflitos pela arbitragem, pelo que os socialistas portugueses repudiavam quaisquer conflitos “a ferro e fogo”. “É socialista, e dos socialistas costuma dizer-se que não têm pátria”. Para o deputado socialista, esta era uma questão que deveria ser remetida para a teoria, dado que, sendo socialista criado no país, não exultava vê-lo caminhar para o abismo. Portanto, e nestas circunstâncias excecionais, o Partido Socialista Português via de bom grado uma cooperação com os restantes partidos pela defesa do país, pelo que deu o seu voto às propostas do Governo (A Voz do Povo, n.º 373, 16 de agosto de 1914, p. 2).

O estado conformista dos socialistas era evidente, algo que só a retórica internacionalista e pacifista poderia, de alguma forma, atenuar. Em artigo de primeira página de A Voz do Povo, de 30 de agosto de 1914, Manuel José da Silva revelava o seu pensamento face à guerra, à sociedade capitalista e à possibilidade da revolução socialista. Assim, “como meio transitório, os socialistas não podem repudiar determinados deveres que a sociedade burguesa lhes prescreve”. Para justificar este ponto de vista, utilizou as seguintes metáforas: “o indivíduo que é ateu constrói igrejas, santos, santas, etc. O serralheiro, que odeia o ato de matar, fabrica revólveres, espingardas, etc. O operário socialista, que odeia o capitalismo, trabalha e recebe salário”. Assim, “como o mundo social é um só e não podemos viver senão dentro dele, é-nos conveniente não praticar o que possa corresponder ao suicídio sem nenhuma compensação”. Perante tudo isto, caberia aos jovens socialistas o dever de não fugir à vida militar, devendo exercê-la e subordinar-se aos convencionalismos em voga. Só numa única exceção os socialistas se deveriam abster de exercer a vida militar, em caso de guerra civil (A Voz do Povo, n.º 375, 30 de agosto de 1914, p. 1). Daqui ressalta uma consequência fundamental: os socialistas portugueses eram contra a guerra mas o seu antimilitarismo esvair-se-ia caso o país fosse arrastado para o conflito. Lutar contra um status quo consolidado era um atentado à sobrevivência do próprio partido. Como tal, poderemos deduzir que o Partido Socialista Português, ainda antes de Portugal entrar na guerra, pouco iria fazer para alterar uma situação que lhe merecia o maior dos repúdios. As contradições no discurso de

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Manuel José da Silva, ao identificar-se como antimilitarista, mas servindo-se das metáforas do ateu e do serralheiro para justificar a necessidade de os socialistas exercerem a vida militar, evidenciavam uma preocupação mais forte para com a sobrevivência do próprio partido do que propriamente com as questões inerentes ao militarismo. Ainda assim, tais contradições não impediram os socialistas portuenses de exercerem uma forte propaganda pela não intervenção portuguesa, motivo pelo qual entrariam em conflito com os militantes da Confederação do Sul.

Os rumores que sobressaíam na imprensa republicana, relativamente à possibilidade da intervenção portuguesa na guerra, alertaram os socialistas. As críticas aos jornais republicanos e a uma série de militares e civis que propagandeavam a mobilização portuguesa para o teatro de guerra, ao abrigo dos tratados de aliança com a Inglaterra, fizeram-se sentir em A Voz do Povo. A reação dos socialistas portuenses é relativamente sóbria: “se as condições expressas nos tratados nos estabelecem essa obrigação, independentemente de qualquer situação ou entendimento, esse exército deve partir para o seu destino”. Os socialistas portuenses não desconsideravam a aliança inglesa, considerando-a um importante fator de integridade do território nacional: “Pela situação especial do território português da metrópole, ligada por terra com a Espanha, e pela situação também especial do nosso domínio colonial, a aliança luso-britânica é-nos conveniente, indispensável, até”. A questão prendia-se com uma possível subjugação aos interesses ingleses que, esperava-se, estavam cientes das dificuldades portuguesas a nível económico e militar. Por isso, para os socialistas portuenses, a mobilização de tropas só se deveria efetuar em caso de defesa do território nacional e colonial (A Voz do Povo, n.º 379, 27 de setembro de 1914, p. 1).

Porém, a propaganda contra a intervenção portuguesa na guerra encetada pelos socialistas portuenses iria intensificar-se cada vez mais na proporção em que cresciam na imprensa republicana as vozes intervencionistas. A 11 de outubro de 1914, A Voz do Povo dedicou toda a sua primeira página ao «Partido Socialista perante a guerra – contra a intervenção do Exército Português». Este artigo explorava largamente as contradições da argumentação intervencionista, procurando desse modo justificar a conservação da neutralidade portuguesa ou uma possível intervenção com base nos acordos com a Inglaterra. Este «documento» foi enviado ao Conselho Central para ser analisado, tendo

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em conta que, até esse momento, a direção do partido não se tinha pronunciado oficialmente sobre a situação nacional e internacional (A Voz do Povo, n.º 381, 11 de outubro de 1914, p. 1).

A Sul, algumas vozes ligadas ao Conselho Central começavam a pronunciar-se em sentido contrário às resoluções tomadas na Confederação do Norte. As posições de José Fernandes Alves, presidente da Confederação Socialista do Sul, geraram indignação nos socialistas portuenses. “Afirmando-se contrário a todas as guerras, Fernandes Alves dizia que neste caso fora forçado a reconhecer que a Alemanha representava a «força bruta». Era por conseguinte necessário esmagar as ambições do Kaiser com as mesmas energias com que os nossos antepassados tinham destruído as tropas napoleónicas” (Mónica, 1985: 121). Defendia ainda que a situação portuguesa deveria ser melhor definida, considerando a neutralidade “um sintoma de pusilanimidade” (O Combate, n.º 9, 11 de outubro de 1914, p. 1).

Ao exprimir-se no órgão oficial do partido, Fernandes Alves alegava a independência de opinião face ao Conselho Central. Manuel José da Silva aproveitará para tecer duras críticas à redação de O Combate pela transigência para com aquele tipo de opinião num órgão que se declarava como “a voz” do partido. Num artigo de primeira página intitulado “Portugal e a Guerra – Como o Partido Socialista do Norte encara a questão”, o socialista portuense afirmava: “o zelo, a expansão, o culto do patriotismo são disfarces com que a preponderância materialista do conflito procura encobrir-se”. Para Manuel José da Silva, não era só ao imperialismo alemão que deveriam ser atribuídas as responsabilidades pela guerra, pois “nas empresas alemães que fabricam material de guerra, estão envolvidos capitais e influências de nacionalidade francesa, nas empresas francesas estão envolvidos interesses e ingerências de nacionalidade alemã” (O Combate, n.º 11, 25 de outubro de 1914, p. 1).

A polémica entre os dois socialistas, não obstante a declaração oficial do Conselho Central, que seguia o posicionamento da Confederação do Norte, duraria ainda algumas semanas. Ficava claro que as vozes intervencionistas se concentravam a Sul, pelo que a Norte vingava uma intransigente posição anti intervencionista. Todavia, o Conselho Central procurou o caminho da conciliação da família socialista em prol de uma ação comum, a luta contra a guerra. Ainda assim, o partido viria a ser assolado por nova

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polémica com a entrada de Portugal na guerra: a questão da União Sagrada.

A declaração de guerra alemã tornava Portugal, para bom grado dos intervencionistas, uma potência beligerante. A intenção dos socialistas portugueses estava já definida há algum tempo: caso a aliança com a Inglaterra prevalecesse, os socialistas não se oporiam. Se os socialistas portugueses foram obrigados, incitados primeiramente por eles próprios, a calar as vozes anti intervencionistas, restava-lhes um último embate: a formação do ministério nacional. Como seria de esperar, a questão envolveu o Partido Socialista Português num amplo debate em que os protagonistas se afiguraram os mesmos: o Conselho Central e a Confederação do Norte. As consequências daí resultantes revelaram-se mais gravosas do que aquelas que advieram do debate pró e contra a intervenção portuguesa.

Duas leituras resultaram da possibilidade de entrada dos socialistas no governo de União Sagrada. A Sul, O Combate, face à apresentação no Parlamento de uma proposta de governo nacional por parte de Afonso Costa, afirmava que o Conselho Central faria a devida reflexão e estudaria todas a questões políticas e administrativas, bem como as que dissessem respeito ao operariado em geral. Tendo a Inglaterra invocado o tratado de aliança, O Combate afirmava que o Governo cumpriu o seu dever perante os tratados. O discurso do órgão central do partido apelava para o patriotismo característico de um país em situação de guerra, em que a psicologia e os fervores do momento convidavam a que todos, inclusive um dos grandes alvos republicanos e socialistas, a Igreja, participassem na causa da pátria. Por isso, a sessão parlamentar de 10 de março de 1916 revestiu-se de uma “imponência invulgar […], ocasiões solenes que só de longe em longe se reproduzem no bronze eterno da História”. Todos eram portugueses e os ressentimentos tinham de ser ultrapassados sob a honra da bandeira portuguesa: “mas o mais curioso disto tudo consiste em ser absolutamente indispensável consagrar as opiniões nacionais, forma única de dar tréguas a vivos ressentimentos, para a salvação da nacionalidade, da própria República”. Quanto à questão do governo nacional, O Combate dizia que o Conselho Central deliberou participar nele caso fosse convidado, tendo dado instruções ao deputado Costa Júnior para agir nesse sentido (O Combate, n.º 77, 19 de março de 1916, p. 1). Como as negociações só se estabeleceram entre os partidos republicanos, tal não chegou a afigurar- se como hipótese credível.

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Para os socialistas portuenses, a participação no governo poderia resultar, entre outras consequências, no abandono de militantes do partido. Apesar da situação presente, “o partido deve continuar libertado de cumplicidades em atos de poder” e, por isso, concluíram que a participação na União Sagrada não seria uma situação vantajosa para os socialistas (A Voz do Povo, n.º 452, 19 de março de 1916, p. 1).

A 13 de março de 1916, um telegrama de Lisboa informava os jornais portuenses sobre a posição do deputado socialista, Costa Júnior, perante o Presidente da República, tendo afirmado que se o partido fosse convidado para integrar o governo, os socialistas far-se-iam representar “sem estabelecer nem impor condições, dado o momento que se vive”. Esta declaração provocou a ira dos socialistas portuenses. Primeiro, porque, se o Conselho Central tinha dado poderes ao deputado socialista para proferir a deliberação do partido, a consulta às agremiações do partido tinha sido “uma fantasia”. Segundo, caso Costa Júnior não detivesse esses poderes, incorreu num procedimento grave, ao não ter auscultado o partido. O regulamento obrigava os deputados eleitos a regerem-se pelas indicações do Conselho Central, pelo que, se este não lhe deu tais indicações, Costa Júnior tê-las-ia simulado (A Voz do Povo, n.º 452, 19 de março de 1916, p. 2).

As acusações entre a Confederação do Norte e o Conselho Central subiam de tom. Ao ofício recebido do Conselho Central, os socialistas do Norte respondiam com a lei orgânica do partido, ao evocarem o artigo 61.º que estabelecia que “em caso nenhum dentro dos partidos burgueses poderão os membros do partido fazer parte do governo”. Para os militantes do Norte, o Conselho Central encontrava-se numa situação periclitante e sujeitava-se à acusação de violação do mandato (A Voz do Povo, n.º 452, 19 de março de 1916, p. 3). A resposta de O Combate surgiu a 26 de março. Aludindo às declarações de Costa Júnior no Parlamento, que “terá levantado um certo celeuma nos arraiais socialistas”, o órgão oficial do partido considerava que, na presente situação, os socialistas não poderiam ter outra atitude e que o contrário seria uma demonstração de fraqueza e de falta de tato patriótico. As críticas ao Conselho Central levaram o seu Presidente, António Pereira, a declarar o seguinte: “Não estou em desacordo com a sua constituição [da União Sagrada], nem faço coro com aqueles que julgam ver um grande perigo para o nosso partido fazermos parte, mas, pelo que sei e observei, não conviria a certos indivíduos, apesar do Partido Socialista se ter fundado muito antes da própria

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República” (O Combate, n.º 79, 26 de março de 1916, p. 2). Esta afirmação destinava-se, nas palavras do seu autor, a descortinar e desmentir a argumentação de A Capital, que terá insinuado que Costa Júnior aceitaria a participação no ministério nacional sem quaisquer restrições, o que, como vimos, despoletara a ira dos socialistas portuenses (A Capital, n.º 2010, 13 de março de 1916, p. 2). António Pereira desvalorizava publicamente a questão e mantinha uma postura de defesa do seu partido perante as correntes difamatórias que surgiam do exterior.

Acossado interna e externamente, o Conselho Central ver-se-ia obrigado a convocar um Congresso Nacional Extraordinário para o dia 16 de abril, com o intuito de resolver o conflito com a Confederação do Norte.

Não sabemos até que ponto a situação gerada em torno da questão da participação dos socialistas no ministério nacional não terá sido um pretexto para que a Confederação do Norte, insatisfeita com a postura de alguns dos membros do Conselho Central desde o início da guerra, engendrasse um esquema, mais ou menos consciente, para diminuir a ação da direção do partido. A argumentação utilizada pelos socialistas do Norte, sendo coerente no ponto da intransigência face à colaboração com governos burgueses, de resto um princípio consagrado nos Congressos da Internacional e consignado no regulamento do partido, apresentava algumas fragilidades no que diz respeito à relação do deputado socialista com o Conselho Central, na qual o primeiro se limitava a reproduzir as deliberações do segundo. De facto, como apontou o próprio César Nogueira, à data delegado pelo partido ao Comité Socialista Internacional, a direção do Partido Socialista Português tinha decidido, em princípio, participar no governo nacional se para tal ele fosse chamado: “Era intenção do Conselho Central, se se chegasse a organizar o ministério nacional, consultar o Partido Socialista Português se estava ou não de acordo

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