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Os socialistas e a guerra: divisões de perspetivas no seio da Internacional Socialista

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Foto 6: Torpedo a ser carregado no S.M U 38 – Fonte: Valentiner, 1934: 69 [Fotógrafo Segundo-tenente

1. Os socialistas e a guerra: divisões de perspetivas no seio da Internacional Socialista

Português e à bibliografia disponível, serão retratadas as questões ligadas às clivagens

geradas pela guerra no socialismo português

1. Os socialistas e a guerra: divisões de perspetivas no seio da Internacional Socialista

Agosto de 1914 não representa apenas a data do despoletar do grande conflito europeu. O pensamento socialista internacional, nas suas diversas matrizes, sofre um golpe fatal nas suas aspirações, após anos de grande atividade antimilitarista propagandeada por todo o mundo. Terá a Internacional Socialista acreditado que a sucessão de conflitos dos inícios do século XX, mais propriamente, as guerras balcânicas, seria insuficiente para um alerta de guerra generalizada?

Nas vésperas da Grande Guerra, a Internacional Socialista seria o estandarte do antimilitarismo. Os próprios membros acreditavam nisso mesmo, capazes de “mobilizar um exército de cinco milhões de operários organizados na luta pela paz” (Haupt, 1972: 1). A realidade da guerra viria, porém, demonstrar a falência desta retórica.

História. Revista da FLUP. Porto. IV Série. Vol. 8 nº 2. 2018. 106-126. DOI: 10.21747/0871164X/hist8_2a6

Atentemos, de forma sucinta, na ideologia que animava a grande maioria da II Internacional, o ‘marxismo vulgar’, que condensou a doutrina marxista em simples proposições. Tal como refere Donald Sassoon, “a versão popular da nova doutrina foi divulgada através dos trabalhos de Kautsky e Bebel, mais largamente difundidos e lidos do que as obras do próprio Marx” (Sassoon, 2001: 32). O principal efeito deste novo corpus doutrinário foi atenuar (poder-se-á dizer omitir, na prática) a índole revolucionária que categorizava o marxismo, muito por influência dos socialistas alemães. Por se tratar do partido que melhor se apresentava em termos de organização, o Partido Social Democrata Alemão rapidamente se evidenciou como o condutor dos destinos da II Internacional (Sassoon, 2001: 31-36). Esta proeminência não evitou um conjunto acérrimo de críticas provenientes das suas próprias fileiras e de alguns socialistas radicais de outros países, entre os quais, Lenine.

Desde o ressurgimento da Internacional Socialista2, em 1889, que as questões do militarismo e da guerra estavam na ordem dos debates dos congressos. No congresso inaugural da Internacional em Paris (congresso marxista «de la salle Pétrelle»)3, “entre as questões da ordem do dia, [estavam] a abolição dos exércitos permanentes” (Droz, 1974: 785). Os interesses do capital, afirmava-se, desaguariam para a guerra, enquanto os dos trabalhadores teriam que necessariamente passar pela paz (Haupt: 1972: 12). As questões táticas, como veremos, seriam as que mais celeuma causariam no seio da Internacional e as que viriam a precipitar a sua falência no verão de 1914.

O Congresso de Zurique, de 1893, marca um passo decisivo na prossecução dos intentos daqueles que apenas admitiam a ação política como o verdadeiro propulsor de toda a ação socialista. Excluídos os anarquistas, o marxismo vulgar e, mais concretamente, a social-democracia alemã, triunfavam. Esta vitória do Partido Social Democrata Alemão representava um paradoxo: os velhos ideais marxistas da revolução

2 A nova Internacional Socialista ressurgia com uma orientação diferente, assumindo o respeito pela autonomia de cada partido segundo as próprias circunstâncias nacionais. Este modelo descentralizado permitiria, aparentemente, uma melhor adaptação dos socialistas à sua realidade, afastando-se de certas conceções utópicas da sociedade. Porém, a tomada de posições comuns tornou-se ambígua e, frequentemente, retórica. A ação confrangedora dos socialistas perante a Grande Guerra não seria mais que o produto das divergências no seio do movimento socialista internacional.

3 Apesar de, em 1889, se terem reunido dois congressos socialistas em Paris, um possibilista e outro marxista, “foi o congresso da sala Pétrelle, organizado em comum pelos guesdistas e pelos blanquistas, tendo à sua cabeça Édouard Vaillant e a Federação das Câmaras Sindicais de Paris, que a II Internacional considerou mais tarde como o seu primeiro congresso” (Droz, 1974: 784).

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socialista seriam olvidados em prol de uma demarcada vocação parlamentarista, com a emergência de partidos de classe, disciplinados e organizados (Hobsbawm, 1990: 174). Tal não impediu que a retórica revolucionária continuasse a ser proclamada mas, na prática, a revolução apresentava-se mais como um fator intimidatório para com a burguesia do que uma questão estratégica (Haupt, 1972: 22).

Os inícios do século XX despontam num cenário cada vez mais preocupante para o socialismo internacional. Os vários conflitos emergentes viriam a traçar o seu futuro enquanto mobilizador de massas. Desde logo três importantes e decisivas questões: o problema colonial, das nacionalidades e da guerra.

A questão colonial, introduzida no Congresso de Paris de 1900 mas debatida com mais intensidade no Congresso de Estugarda de 1907, gerou divergências nos socialistas. As teses em confronto dividiam-se na atitude a adotar face aos impérios colonizadores. Enquanto o alemão E. David se pronunciava a favor da ideia de colonização como objetivo integral do socialismo, uma outra posição, mais moderada, de Van Kol, pronunciava-se pela criação de estruturas coloniais sólidas que, de futuro, dariam azo a movimentos de independência. Por fim, as posições de L. de Brouckère e Kautsky repudiavam o colonialismo por se tratar da “forma degradada do capitalismo no período imperialista”. O congresso acabaria por aprovar uma moção que responsabilizava a Internacional pelo combate a todo o tipo de exploração colonial, moção essa que, para Jacques Droz, não representava mais do que uma compreensão parcial do problema (Droz, 2014: 159).

O problema das nacionalidades foi outro dos pontos quentes dos debates da Internacional, dado que para os socialistas “o imperialismo designa a clássica opressão nacional praticada no quadro dos velhos impérios dinásticos” (Droz, 1974: 802). Do ponto de vista da doutrina marxista, as questões nacionais situavam-se num plano secundário, dado que as próprias nações “não poderiam constituir o conteúdo da ação revolucionária, elas não eram senão formas no interior das quais funcionava o único motor da história que é a luta de classes” (Droz, 1974: 804). Não obstante, a realidade assumia contornos diferentes, dado que a própria Internacional seria «envenenada» pelo problema das nacionalidades (Droz, 1974: 805). Para Droz, as lutas independentistas desenharam o princípio do fim da II Internacional, muito por influência de uma certa

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negligência dos líderes socialistas que teriam camuflado a questão sob o signo do internacionalismo. Daí que o autor tenha afirmado: “na primeira ocasião furariam a camada superficial de um internacionalismo declarativo” (Droz, 1974: 809).

Convocado para agosto de 1907, o Congresso de Estugarda revelaria as fragilidades em que assentavam a tática e a realidade socialistas. Estugarda terá sido mesmo o culminar da vida da Internacional Socialista, onde o foco foi o problema do militarismo e da guerra. Mais do que rivalidades entre escolas, o cerne do problema estava na ação (Haupt, 1972: 20). O jogo de forças da Internacional seria baralhado pelas divergências entre os delegados franceses e alemães. Espelho disto seria a proposta conjunta de Vaillant e Jaurés para a prossecução da «guerra à guerra», a greve geral, que mereceu violentas críticas por parte dos delegados alemães, certamente receosos de uma nova vaga repressiva dos tempos da legislação anti-socialista bismarckiana. Aos delegados franceses juntaram-se Rosa Luxemburgo, das fileiras da social-democracia alemã, bem como os russos Lenine e Martov, cujas posições se situavam mais à esquerda no seio da Internacional. Este grupo assumia (e viria a assumir, irredutivelmente, com o deflagrar da Grande Guerra) uma posição antiguerra, em prol do velho ideal de Marx que situava as guerras capitalistas no plano da oportunidade da revolução socialista (Haupt, 1972: 21). A hipótese revolucionária, contudo, não estava ausente do ideal da maioria da Internacional. A resolução adotada pelo Congresso assim a sentenciava: “Contudo, no caso de a guerra rebentar, eles [os socialistas] têm o dever de se intrometer para a fazer cessar prontamente e de utilizar com todas as suas forças a crise económica e política criada pela guerra a fim de agitar as camadas populares mais profundas e precipitar a queda da dominação capitalista” (Droz, 1974: 813).

O verão de 1914 prometia ser decisivo para o socialismo internacional, naquilo que eram as suas intenções de definição de uma tática coerente com a realidade. Permanentemente agitada pelos graves acontecimentos na Europa, os congressos da Internacional Socialista de Copenhaga (1910) e de Basileia (extraordinário, convocado pelo Bureau Socialista Internacional em 1912, face ao recrudescimento da guerra nos Balcãs), apesar de se cingirem à retórica do internacionalismo pacifista, permitiram que os meios para combater a guerra fossem discutidos na forma de transposição para a prática. A proposta de Vaillant e Keir Hardie, em Copenhaga, para que os operários das

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indústrias armamentistas recorressem à greve, caso a guerra despoletasse, foi enviada para o Bureau Socialista Internacional, “que foi encarregado de apresentar um relatório ao próximo congresso, o qual foi convocado para se reunir em Viena… em Agosto de 1914” (Droz, 1974: 815). Segundo Haupt, “em Viena, assim era esperado, a Internacional Socialista iria finalmente pronunciar-se inequivocamente ou para ou contra a simultânea e internacional greve organizada dos trabalhadores” (Haupt, 1972: 2).

Causalidade das casualidades, a guerra despoletou e a situação revelou-se caótica para o socialismo. Com a votação de créditos militares e a entrada em governos nacionais, a atitude tomada pela maioria da Internacional Socialista era tudo menos em prol do velho dogma marxista: a revolução social do operariado.

2. Divergências no Partido Socialista Português: da eclosão do conflito à União

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