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3.1 DIVISÃO TERRITORIAL DO TRABALHO E O LUGAR DO TURISMO

Segundo Cruz (2003), “(...) dois fatores principais condicionam a eleição de

determinado espaço para uso turístico: sua valorização (cultural) pela prática social do turismo e a divisão social e territorial do trabalho.” Efetivamente, como a

cultura é algo intrínseco a cada formação social, o uso turístico dos lugares é bastante instável: o que é tomado por turístico hoje, pode não ser futuramente. Quanto à divisão social e territorial do trabalho, a cada momento histórico ela se

64 Para Raffestin (1993), as formas mais familiares de territorialidade humana são os territórios

juridicamente reconhecidos, a começar pela propriedade privada da terra. Mas territorialidade se manifesta também em diversos outros contextos sociais.

refaz. Em cada lugar há sempre a chegada de novas divisões de trabalho que não excluem totalmente as já existentes. Cada parcela do trabalho que chega a um lugar leva e ganha um valor (esse movimento não é unidirecional). O trabalho é dividido conforme as possibilidades do mundo.

A divisão social do trabalho é, muitas vezes, considerada como a divisão, repartição do trabalho vivo (pessoas), aponta Santos (2004). Esta distribuição, observada através da localização de seus diversos componentes, já é a divisão territorial do trabalho. Além do trabalho vivo, há que se considerar também o chamado trabalho morto, que também influencia as ações humanas. Trabalho morto (ambiente construído) e trabalho vivo estão diretamente ligados. Segundo Santos (2004), “...as feições naturais do território, cuja influência era determinante

no início da história, têm, ainda hoje, influência sobre a maneira como se dá a divisão do trabalho. Formas naturais e formas artificiais são virtualizadas, a utilizar ou não, mas cuja presença no processo de trabalho é importante.”

No que tange à divisão territorial do trabalho na escala da nação, algumas porções do território brasileiro vêm sendo chamadas a posicionarem-se como “espaços de lazer”, ou seja, a impingirem um uso especializado de seus territórios pela atividade econômica do turismo. Sua posição periférica nos processos de industrialização do país e suas características físico-naturais que revelam extensas áreas de natureza pouco ou nada transformada facilitam a ação dos vetores hegemônicos da chamada “indústria do turismo”. É assim que novos destinos dentro da Amazônia Legal (como é o caso do Jalapão), somam-se a outros mais antigos, como o Pantanal Mato-grossense. O discurso é, todavia, o mesmo: “vocação natural para o turismo”.

A divisão social do trabalho no Jalapão, como em todos os lugares, adeqüa- se aos interesses de grupos hegemônicos que, nesse caso, têm a intenção de transformar a região em destino ecoturístico de projeção nacional e internacional. Se antes a população vivia da agricultura e pecuária, hoje já se pode notar a

presença de guias turísticos e de pessoas trabalhando em estabelecimentos ligados diretamente à atividade turística (restaurantes, pousadas, casas de artesanato, por exemplo).

FIGURA 5: Loja de artesanato na Comunidade Mumbuca, em Mateiros, TO Autor: Rodolfo Pereira das Chagas (Julho/2005)

As formas naturais, os espaços construídos, marcas na paisagem, retratam um tempo passado. Essas formas herdadas de uma atuação passada são as chamadas rugosidades (Santos, 2000), que continuam perdurando no espaço presente. As rugosidades podem nos remeter a divisões do trabalho anteriores, capital aplicado em formas cristalizadas, sistemas técnicos anteriores, etc. Sempre haverá esse confronto, dentro dos lugares, de ações e objetos passados (tempo passado) e ações e objetos presentes. O ambiente construído tem papel fundamental na localização de eventos65 atuais. No Jalapão, marcas do passado podem ser reconhecidas, por exemplo, em olarias que utilizavam técnicas rudimentares, casas feitas com adobe a telhado de buriti, convivendo lado a lado

65 Para Santos (2004), evento pode ser o vetor das possibilidades existentes numa formação

social. São todos novos. Quando emergem, também estão propondo uma nova história. É também uma ação.

com estruturas recentes, como o centro de recepção aos visitantes na cidade de Mateiros. Essas marcas do passado, esses objetos antigos, são chamados a atender à nova ordem vigente e é assim que são transformados em objetos de atração turística, por vezes refuncionalizados e transformados em pousadas, restaurantes, ou pontos de comércio local de artesanato.

FIGURA 6: Artesã preparando uma peça cuja matéria-prima é o capim dourado (artesanato típico da região), no povoado do Mumbuca.

FIGURA 7: Pousada da Tonha, na Comunidade Mumbuca, em Mateiros – TO. Estrutura de adobe e telhado de palha de buriti.

Autor: Rodolfo Pereira das Chagas (Julho/2005)

O processo histórico deixa heranças, marcas que acabam sendo importantes para a consolidação de novas etapas. Como o planeta é uma totalidade66, está em contínuo processo de transformação e um dos principais

fatores que permitem esse movimento é a divisão do trabalho, pois ela segundo Santos (2004), “(...) passou a ter movimentos muito mais numerosos. A cada

momento é como se a totalidade67 se estivesse cindindo, para reconstituir-se no momento seguinte (...)68. Todos os recursos do mundo ou de um país (capital, população, força de trabalho, etc.), dividem-se por este incontido movimento da totalidade, através da divisão do trabalho e dos eventos.” Para Santos (2004), “(...)

66 Vale lembrar que o conceito de totalidade se refere a todas as coisas formando um todo, não

sendo uma simples soma das partes.

67 Segundo Santos (2004), a totalidade é o conjunto de todas as coisas e de todos os homens, em

sua realidade, isto é, em suas relações, e em seu movimento.

68 Ainda segundo Santos (2004), os eventos operam essa ligação entre os lugares e uma história

só o estudo da história dos modos de produção e das formas sociais nos permitirá reconhecer o valor real de cada coisa no interior da totalidade.”

- 3.2- TURISMO NO JALAPÃO – HORIZONTALIDADES E VERTICALIDADES