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DIVULGAÇÃO INSTITUCIONAL: CELEBRAÇÃO DO INGLÊS GLOBAL E DA

A partir da análise das discursividades que constroem sentidos para a educação bilíngue português-inglês, temos delineado seu processo de produção e silenciamento de possibilidades de dizer a partir de enunciados que funcionam por meio do trabalho incessante de um espaço de memória (heterogêneo) sobre as línguas, sobre o ensino e sobre o sujeito. Temos procurado compreender como essa memória entra em um processo de regulação pelas discursividades em circulação, notadamente o discurso acadêmico, o discurso midiático (aos quais nos dedicamos nas seções anteriores) e o discurso de divulgação institucional das escolas bilíngues, que será objeto de nossa análise neste momento. Consideramos importante analisar os sentidos de educação bilíngue produzidos e colocados em circulação por esse discurso porque, assim como o discurso da mídia, o discurso de divulgação institucional configura um espaço de mediação político-linguística de sentidos entre os sentidos de bilinguismo e educação bilíngue do discurso científico- acadêmico e o imaginário social183.

183 Devemos ao Prof. Adrián Fanjul (DLM/FFLCH/USP) alguns apontamentos que muito contribuíram para as análises apresentadas nesta seção.

O corpus desta análise constitui-se de formulações selecionadas de propostas curriculares divulgadas nos sites de 5 escolas bilíngues184 de São Paulo.

Compreendemos tais textos como inseridos numa modalidade do discurso de divulgação institucional, pois constituem dizeres que tornam “visíveis as práticas e as regras dos institutos que os produzem [...] gerando, assim, um efeito de reconhecimento, de ‘ á-lá’, naturalizando suas práticas.” (GARCIA, 2011, p. 66). Assim, nossa leitura desses textos procurou constituir um gesto de interpretação que contribuísse para compreendermos aquilo que se apresenta como uma evidência de

naturalização de práticas. Observemos o primeiro grupo de formulações que

organizamos como categoria de análise:

[Formulação 1-A] Trata-se de mais um recurso em prol do desenvolvimento da criança, tendo em vista que o conhecimento de outras línguas, principalmente a inglesa, é quase uma condição para seu sucesso.

[Formulação 2-A] A Educação Bilíngue também oferece a oportunidade de se entrar em contato com diferentes culturas e perceber o mundo de forma mais abrangente e enriquecedora, além de contribuir para a autoconfiança e capacidade de integração da criança a um mundo globalizado.

[Formulação 3-B] Além disso, o ambiente multicultural expõe as crianças não só a uma segunda língua, mas também a aspectos culturais dos países falantes de língua inglesa, ou seja, as crianças entram em contato com cantigas, brincadeiras, brinquedos tradicionais, comemorações, datas importantes e rotinas escolares de outros países ampliando os seus horizontes.

[Formulação 4-C] Crianças aprendem brincando e falar inglês é pré-requisito no mundo moderno, então por que não agregar esse aprendizado ao conteúdo escolar?

[Formulação 5-C] É uma língua [o inglês] de importância mundial, não mais diferencial, mas pré-requisito na vida moderna. Essa educação globalizada em ambiente multicultural possibilita aos alunos conhecer e interagir com outras culturas, ampliando suas oportunidades e abrindo seus caminhos para o futuro.

184 Por uma questão ética, os nomes das escolas não serão revelados. Adotaremos a denominação “Escola A”, “Escola B”, e assim sucessivamente, cada vez que fizermos referência a elas. Ressaltamos que essas escolas não coincidem com aquelas (Escolas A, B e C), cujo arquivo do discurso profissional será analisado na Parte II desta tese.

[Formulação 6-D] Atualmente, o aprendizado da língua inglesa é imprescindível para o ingresso no mundo globalizado.

A regularidade desses enunciados sobre o ensino bilíngue funciona a partir de sentidos filiados a discursividades do inglês como língua internacional, que evocam uma memória dessa língua como uma necessidade que se impõe ao sujeito na sociedade de mercado, como podemos ver na materialidade linguística dos sintagmas:

condição para seu sucesso [1A]

falar inglês é pré-requisito no mundo moderno [4-C]

É uma língua [o inglês] de importância mundial, não mais diferencial, mas pré-requisito na vida moderna [5-C]

Atualmente, o aprendizado da língua inglesa é imprescindível para o ingresso no mundo globalizado. [6-D]

Ao estudar as imagens da língua espanhola e da língua inglesa no dizer de aprendizes dessas duas línguas, Sousa (2007) identificou a “obrigatoriedade e a necessidade como constitutivas da relação aprendiz/LI [língua inglesa]” (SOUSA, 2007, p. 52), imagens constituídas por pré-construídos que podem ser sintetizados nos seguintes enunciados (SOUSA, 2007, p. 62):

- “A LI a língua de comunicação no mundo globalizado.” - “A LI dá acesso ao mundo do trabalho.”

- “A LI garante sucesso.”

A LI se apresenta, portanto, como uma língua obrigatória para o sujeito que pretende circular nos sentidos do espaço de globalização. Esse sentido atribuído à LI, o de língua obrigatória, é efeito do funcionamento de um pré- construído segundo o qual a “LI a língua da comunicação no mundo globalizado”. Nesse pr -construído a língua é um código comum que prevê [...] uma comunicação entre os sujeitos desprendidos de sentidos regionais, que se configuram como figuras desse mundo globalizado [...]. (SOUSA, 2007, p. 53-54).

A partir do funcionamento desse pré-construído vemos operar uma demanda sobre o sujeito-aprendiz, que é convocado a apre(e)nder a LE: ela é significada como uma necessidade para o sujeito, um caminho para o “sucesso” idealizado como ascensão socioeconômica e profissional.

Ao analisar o funcionamento do discurso da mídia sobre o inglês, Grigoletto (2011a) observa duas operações discursivas que trabalham sobre a memória dessa língua nos textos midiáticos a) a reiteração do enunciado “saber um idioma estrangeiro, sobretudo inglês, tornou-se uma necessidade”, fazendo predominar os sentidos da discursividade do mercado; e b) o silenciamento e apagamento da dimensão educacional, reforçando o enunciado “não se aprende inglês na escola”, que constitui o imaginário dos sujeitos nas instituições escolares brasileiras na contemporaneidade, como já apontamos anteriormente. Assim, a análise da regularidade instaurada na materialidade linguística dos dizeres sobre o currículo bilíngue divulgados nos websites das escolas nos dá indícios de que esses enunciados – reiterados e silenciados pelo discurso midiático – também constituem as representações de língua inglesa produzidas por essas (nessas) instituições.

Um funcionamento discursivo similar ao que delineamos na análise dos dizeres do discurso acadêmico e midiático sobre a educação bilíngue parece também operar na textualidade do discurso institucional, em que ecoam sentidos produzidos pelo discurso do multilinguismo/multiculturalismo (ORLANDI, 2007b). Como analisamos anteriormente, os sentidos produzidos por esses discursos são predominantemente marcados pelo efeito de indefinição do “relativismo cultural e linguístico” (ORLANDI, 2007b, p. 60) – efeito que emerge nos sintagmas selecionados para esta análise e cujas formas linguísticas destacamos a seguir: o conhecimento de outras línguas [1-A]

a oportunidade de se entrar em contato com diferentes culturas [2-A] o ambiente multicultural [3-B]

as crianças entram em contato com cantigas, brincadeiras, brinquedos tradicionais, comemorações, datas importantes e rotinas escolares de outros países ampliando os seus horizontes [3-B]

Essa educação globalizada em ambiente multicultural [5-C] conhecer e interagir com outras culturas [5-C]

Essa regularidade de sentidos sobre o ensino bilíngue, que identificamos tanto no discurso acadêmico e no discurso midiático quanto no discurso institucional, vem organizar um espaço de memória, inscrevendo-o, ao mesmo tempo, em discursividades sobre a língua inglesa – que funcionam a partir de um imaginário de “necessidade”, de “inserção no mercado”, de “sucesso” – e em discursividades do multiculturalismo/multilinguismo – que funcionam a partir de um imaginário de “integração à globalização”, de “pluralismo”, de “diversidade”.

O sentido de “ensino bilíngue” desliza, assim, de “ensino de duas línguas” – construído pela evidência do “ensino do português e do inglês” – para “ensino de várias línguas” – construído na evidência do “ensino de pluralidades globais”. O paradoxo desse funcionamento discursivo constitui justamente a contradição que produz o enunciado “a língua inglesa global”, marcando sua memória com traços de universalidade, de hegemonia e de homogeneização. O ensino bilíngue torna-se, assim, legitimado, uma vez que é significado como um ensino que contempla tanto a demanda do mercado quanto a demanda da globalização, constituindo o imaginário (e o desejo) dos sujeitos em sua relação com as línguas.

Esse processo discursivo que produz sentidos de legitimação para o ensino bilíngue tamb m funciona a partir da evidência das “vantagens cognitivas” propiciadas pela aprendizagem precoce de línguas estrangeiras. As seguintes formulações foram selecionadas segundo esse espaço de regularidades, constituindo nossa segunda categoria de análise:

[Formulação 7-A] Sabe-se também que toda criança pode aprender duas línguas simultaneamente com pouco esforço e sem qualquer confusão, o que se explica pelo fato de ela nascer com todas as informações paramétricas necessárias ao desenvolvimento de qualquer idioma.

[Formulação 8-B] A grande vantagem do bilinguismo na Educação Infantil é que o aprendizado da segunda língua acontece de forma natural, como o aprendizado do português.

[Formulação 9-C] Pesquisas apontam que crianças bilíngues desenvolvem melhor suas habilidades nas áreas cognitivas.

[Formulação 10-C] Quando chegam à escola, crianças pequenas não oferecem qualquer estranhamento com relação ao inglês, e rapidamente se apropriam de músicas e comandos básicos utilizados na rotina.

[Formulação 11-C] Nessa fase a musculatura facial e os fonemas ainda estão em desenvolvimento, o que possibilita à criança reproduzir sons presentes em outras línguas, adquirindo melhor sotaque e fluência.

[Formulação 12-C] Quanto menor a criança, mais rapidamente ela aprende, pois possui menor vivência da língua. Ela vem para a escola para brincar, e acaba aprendendo o inglês sem esforço.

[Formulação 13-D] Acreditamos que quanto mais cedo o indivíduo entrar em contato com uma segunda língua, mais eficaz será seu aprendizado. Nessa fase de aquisição, a criança obtém mais facilmente, uma pronúncia nativa e o processo de aprendizagem é mais prazeroso. Existe também a vantagem no aspecto cognitivo. Sabemos que crianças bilíngues desenvolvem capacidades cognitivas que não são encontradas em monolíngues. Estudos mostram que essas crianças têm mais habilidade de raciocínio e maior criatividade, pois lidam com mais de um código linguístico.

[Formulação 14-E] A criança bilíngue, diferente da criança que aprende inglês em cursos regulares, tem a capacidade de atribuir dois nomes para um mesmo objeto de forma simultânea. Isto é, dependendo do contexto, a criança compreende aquilo que é dito e sua tecla “SAP” acionada naturalmente o que facilita a comunicação fluente evitando a insegurança da tradução “simultânea”.

[Formulação 15-E] Assim, todo aquele que desde pequeno, convive com duas línguas, fixa o segundo idioma em redes tão estáveis que continuará dominando-a ainda que tenha deixado de utilizá-la por décadas.

Garcia (2011) realizou um estudo discursivo sobre o ensino de inglês para crianças, sendo a mídia um de seus principais objetos de análise. A pesquisadora delineou o enunciado “quanto mais cedo, melhor” (GARCIA, 2011) como predominante na produção de sentidos sobre o ensino da língua inglesa nesse contexto educacional. Nas formulações apresentadas acima, é possível observar que tal enunciado perpassa esses dizeres, construindo uma necessidade da aprendizagem de inglês pelas crianças. Em um estudo anterior, Garcia (2009)

apontou um funcionamento discursivo similar, analisando elementos do interdiscurso que constituem representações sobre o bilinguismo/ensino bilíngue veiculadas pela mídia nesse contexto histórico-social. Segundo a pesquisadora, a globalização impõe uma demanda por excelência e produtividade máxima (“qualidade total” aplicada à educação), impulsionando a busca pela aprendizagem da língua inglesa cada vez mais cedo. Nesse discurso,

o lugar da criança parece estar alinhado ao lugar do proletário, que se submete às regras do mercado, se internacionaliza. [...] A criança existe no futuro, como trabalhador, como competidor, como concorrente que deve se destacar por suas habilidades, e preparar-se desde muito cedo. [...] A tensão presente no processo de globalização e a urgência do acesso à LE consequência da lógica desse novo mercado cria nos pais grande ansiedade quanto ao lugar que seus filhos ocuparão no mercado futuro de trabalho. (GARCIA, 2009, p. 7, 8, 12)

Esse processo de subjetivação – em que a “internacionalização de si” (GARCIA, 2009, p. 7) parece constituir uma convocação do discurso da globalização – funciona a partir do processo de mercantilização da instituição escolar, em que “a língua e o processo de aprender uma língua são representados como vias de acesso à cultura e ao mercado do mundo global ou no âmbito do mercado e do lazer” (GARCIA, 2009, p. 10).

Voltando ao enunciado “quanto mais cedo, melhor” (GARCIA, 2011), diremos que sua materialidade traz as marcas de um “modo comparativo de dizer” (GRIGOLETTO, 2011a, p. 309), produzindo efeitos de sentido de superioridade do ensino “bilíngue”, um efeito de evidência, assim, de sua legitimação.185 Esse modo

de dizer comparativo se instaura na materialidade linguística da textualidade do discurso institucional, como podemos observar nos sintagmas a seguir:

toda criança pode aprender duas línguas simultaneamente com pouco esforço e sem qualquer confusão [7-A]

vantagem do bilinguismo na Educação Infantil [8-B]

crianças bilíngues desenvolvem melhor suas habilidades nas áreas cognitivas. [9-C] crianças pequenas não oferecem qualquer estranhamento com relação ao inglês [10-C] adquirindo melhor sotaque e fluência [11-C]

185 Aprofundaremos esse argumento em análises de dizeres sobre o currículo bilíngue no discurso profissional (Capítulo 5).

Quanto menor a criança, mais rapidamente ela aprende [12-C] acaba aprendendo o inglês sem esforço. [12-C]

quanto mais cedo o indivíduo entrar em contato com uma segunda língua, mais eficaz será seu aprendizado. [13-D]

a criança obtém mais facilmente uma pronúncia nativa e o processo de aprendizagem é mais prazeroso. [13-D]

essas crianças [as bilíngues] têm mais habilidade de raciocínio e maior criatividade [13-D] A criança bilíngue, diferente da criança que aprende inglês em cursos regulares, tem a capacidade de atribuir dois nomes para um mesmo objeto de forma simultânea. [14-E]

O modo comparativo de dizer funciona pelo silenciamento dos sentidos de ensino de inglês em outros âmbitos institucionais, tais como a “escola de idiomas” e a “escola regular”; ao mesmo tempo, esse modo comparativo de dizer trabalha na reiteração constante do sentido de “não-aprendizagem” nessas instituições. Assim, a evidência da “eficácia” do ensino nas escolas bilíngues é garantida por meio de discursos que instauram as divisões “criança bilíngue x criança monolíngue” e “criança bilíngue x criança que aprende inglês em outra instituição escolar”.

Tais discursos estão perpassados por “relações e descontinuidades entre o campo científico e o campo educacional, sobretudo com deslocamentos de objetos e conceitos de um campo para o outro” (FANJUL, 2012)186. Assim, filiados ao campo

científico, estão os significantes como “habilidade” [9-C, 13-D], “capacidade” [14-E] e “raciocínio” [13-D], que evocam conceitos preconizados por abordagens cognitivistas de aquisição da linguagem. Por outro lado, os sintagmas “pouco esforço” [7-A], “sem qualquer confusão” [7-A], “sem esforço” [12-C], “não oferecem qualquer estranhamento” [10-C] e “mais prazeroso” [13-D] filiam-se a discursividades do campo educacional especialmente vinculadas a uma espécie de “derivação” das abordagens comunicativas. Essa derivação ou “descontinuidade”, para usar o termo de Fanjul (2012), é constituída de uma série de reformulações dos conceitos das abordagens comunicativas, reformulações que constroem uma imagem da

186 Segundo a ressalva que faz no início de seu text

o, Fan ul (2012, p. 47) traz o termo “campo” a partir da teorização de Bourdieu (1989), que o pesquisador sintetiza como “espaço estruturado de posições em relação com uma prática social.”

aprendizagem como algo “espontâneo” e “natural”, implicando uma aprendizagem sem conflitos.Desse modo, a imagem da “criança bilíngue” construída em torno de um ideal a ser alcançado, um modelo de sucesso de aquisição de línguas: o falante nativo, concebido como um sujeito cuja linguagem é completa e cuja competência linguística é perfeita.

[S]empre se fixou como meta para os esforços didáticos nada mais nada menos que a aquisição de uma competência perfeita, entendendo-se por competência perfeita o domínio que o falante nativo supostamente possui da sua língua. Aliás, a partir da chamada revolução chomskiana na linguística, tornou-se redundante qualificar a competência como perfeita. A competência do falante nativo de um idioma dado, segundo a visão teórica de Chomsky, é perfeita. O falante nativo sabe sua língua e pronto. De acordo com essa cartilha, cabe ao aprendiz da língua estrangeira fazer o possível para se aproximar da competência do nativo. No entanto, havia também o corolário da premissa inicial – não explicitado como tal, mas sempre tomado como um pressuposto no campo do ensino de línguas: nenhum falante não-nativo pode sonhar em adquirir um domínio perfeito do idioma. (RAJAGOPALAN, 2003, p. 67).

O imaginário construído a partir da evidência de sentidos em torno da competência linguística supostamente propiciada pela natividade apaga as diferentes dimensões da língua, reduzindo-a à proficiência oral. Esse imaginário constitui representações predominantes da língua inglesa que convocam o sujeito- aprendiz a “saber falar”, a “saber comunicar-se” sem falhas; poderíamos compreender o funcionamento desse imaginário como um dos efeitos das reformulações da abordagem comunicativa, como explicamos acima, que passaram a dominar as práticas de ensino de línguas estrangeiras, enfatizando “a língua oral como mais importante e como anterior à língua escrita.” (PENNYCOOK, 1994, p. 136)187.

Essas representações parecem também constituir o discurso de divulgação institucional das escolas bilíngues, materializando-se nos sintagmas/significantes “melhor sotaque e fluência” [11-C] e “pronúncia nativa” [13-D], que configuram o principal objetivo e o resultado de sua proposta pedagógica, muito frequentemente

187 Pennycook (1994) utiliza-se do conceito de fonocentrismo de Derrida ([1967] 2004) para argumentar sobre a relação entre o discurso da Linguística e da Linguística Aplicada e a propagação do primado da língua falada sobre a língua escrita, principalmente em contextos de ensino da língua inglesa. Derrida criticava o privilégio da fala sobre a escrita no mundo ocidental. Essa designação decorre de sua crítica à unicidade de sentido (promovido pela relação transparente significado/significante) e ao controle do sujeito sobre seu dizer, que interpretava como efeitos do discurso da filosofia metafísica. Em pesquisa anterior (FORTES, 2008), analisamos o funcionamento desse discurso sobre os sentidos de “erro” no processo de aprendizagem de inglês/língua estrangeira.

identificada com programas de imersão 188 , como podemos observar nas

formulações a seguir, que constituem nossa terceira categoria de análise:

[Formulação 16-A] São sempre situações reais e que valorizam a comunicação e a imersão no novo idioma, o que favorece a assimilação subconsciente do vocabulário e das estruturas gramaticais. Essa abordagem empregada pela [Escola A] - que resulta, inclusive, numa melhor fluência do inglês - contrapõe-se aos tradicionais métodos que preveem o aprendizado de uma segunda língua por um processo consciente e formal, obedecendo a horários certos e a uma ordenação predeterminada.

[Formulação 17-B] Na [Escola B] adotamos o sistema de imersão, no qual as educadoras responsáveis pela turma utilizam a língua inglesa pelo período inteiro de permanência da criança na escola.

[Formulação 18-C] Os alunos crescem falando português e inglês, e o aprendizado desse idioma acontece de maneira similar à aquisição da língua materna, favorecido pelo tempo de exposição ao mesmo, já que a escola adota a imersão no inglês.

[Formulação 19-D] Na [Escola D] a língua inglesa é uma ferramenta para o aprendizado e é introduzida pela imersão. Os nossos alunos vivenciam a segunda língua e aprendem através da necessidade criada pela situação pedagógica proposta pelos professores especializados na área.

A imersão aparece como uma metodologia frequentemente utilizada nas escolas bilíngues, sendo significada pelo discurso institucional como uma prática pedagógica que poderia “assegurar” a “proficiência oral” no idioma. Tais dizeres sobre a prática de ensino de imersão vêm instaurar outros modos de dizer sobre o ensino de língua estrangeira na instituição escolar, modificando os espaços de enunciação (GUIMARÃES, 2002) em que se dão as relações entre os sujeitos e a língua inglesa, e entre os sujeitos e a língua portuguesa. Mais uma vez, esse modo de dizer constitui-se pelo não dito, que poderíamos formular possivelmente assim: “não se aprende inglês na escola (não-bilíngue)”. Esse não dito perpassa o espaço de memória sobre o ensino de línguas estrangeiras que analisamos no capítulo anterior e emerge a partir do pré-construído que poderíamos sintetizar nessa

188 No capítulo 6, analisaremos detalhadamente essa modalidade curricular predominante nas escolas bilíngues.

possível formulação: “na escola bilíngue a aprendizagem da língua inglesa acontece, pois se torna uma experiência para o su eito”.

Embora aconteça em uma instituição escolar, essa “experiência” discursivizada como um lugar definido pelo distanciamento do ambiente de aprendizagem formal, pois aconteceria de modo “natural”. A construção da “realidade” nesses dizeres remete ao que Franzoni (1991) teoriza sobre a questão da “autenticidade”, que emerge na história da pedagogia de línguas a partir dos pressupostos didáticos do m todo “direto” ou “natural”, que constituíam uma “reação” no processo histórico de

transição das abordagens áudio-orais/visuais e situacionais para as sócio- funcionais e comunicativas. Impunha-se, por um lado, a necessidade de se afastar da rigidez e da falta de ''naturalidade'' de diálogos que visavam unicamente a fornecer as bem conhecidas "frases-modelo" [...]. Tentava-se, por outro lado, encurtar a distância – física mesmo – que separava, nos manuais, a seção das "lições" – textos preparados, '”artificiais” – do espaço nem sempre cedido, nas últimas páginas, a poesias, contos, fotografias e

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