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2.1 – Do assistencialismo ao atendimento educativo

A contratação do sueco Aron Borg, no ano de 1822, por decisão do rei D. João VI, para organizar devidamente a criação de um Instituto de Surdos- Mudos e cegos, foi provavelmente a primeira medida significativa neste contexto de que há registo em Portugal. Este Instituto ficou instalado, posteriormente na Casa Pia de Lisboa. (Serrano, 2005).

A primeira instituição especialmente direcionada para o atendimento de um público especial não deficiente, concretizada pela criação de uma casa de correção para crianças e jovens delinquentes, foi criada em 1871, em Lisboa.

O instituto de Benfica na cidade de Lisboa foi inaugurado no ano de 1890 com o objetivo de atender crianças com deficiência auditiva e débeis mentais com perturbações severas na fala. O atendimento era feito em regime de internato e externato e podia ser frequentado por crianças de ambos os sexos. Nesta instituição praticavam-se estratégias de terapêuticas e pedagógicas inovadoras para o País e que haviam sido preconizadas por Jacob Rodrigues Pereira |1715-1780|. É neste contexto que se organiza a Secção Especial para Crianças e Adultos Atrasados, Fracos de Espírito e Débeis (Fróis, 1997).

Bairrão defende que o século XIX “se pode considerar a pré-história da educação especial” (1998:15), atendendo ao facto que foi nesta época que foram criados em Portugal os primeiros estabelecimentos para atendimento de cegos e de surdos, os asilos e institutos.

Estes estabelecimentos privados e estatais de caráter assistencial e educativo ainda que, predominantemente assistenciais, já revelam algumas preocupações educativas. O Decreto-Lei nº. 35/90, de 25 de janeiro, afirmava que “a escolaridade obrigatória passou a abranger, efetivamente, todas as crianças incluindo, naturalmente, as crianças deficientes, até então dispensadas em determinadas condições” (Vaz, 1995: 14).

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Em 1913, o Dr. Aurélio da Costa Ferreira, na qualidade de Provedor da Casa Pia de Lisboa, “organizou o primeiro curso para especialização de professores na educação de surdos” (Vaz, 1995:14). Por iniciativa da Casa Pia de Lisboa, o seu provedor fundou em 1916 o Instituto que mais tarde adotou o seu nome - Instituto Aurélio da Costa Ferreira, com o objetivo de fazer a “observação e ensino de crianças deficiente” (Vaz, 1995:14). Este instituto funcionava como um centro orientador e coordenador de serviços, principalmente destinados à seleção e colocação das crianças com problemas ao nível físico e mental, pelas diferentes instituições indicadas para o efeito. A orientação e a fiscalização deste tipo de ensino eram igualmente da sua responsabilidade.

Em 1919, foram elaborados os programas do ensino primário geral, onde são referidos métodos e a orientação que o mestre deve seguir para o aluno ter sucesso, no entanto os alunos com deficiência continuavam a ser rejeitados.

Em 1926, este Instituto passou para a tutela do Ministério da Instrução, como Centro Orientador e Coordenador de Serviços de apoio a crianças deficientes e como Centro de Estudos e de preparação de pessoal docente e auxiliar para a educação de defeituosos da fala e anormais suficientemente educáveis (Vaz, 1995:14). O Ministério da Educação através da lei nº 1969 de 20 de maio de 1938, considera o ensino elementar uniforme para cada sexo e obrigatório para todos os portugueses física e mentalmente sãos (entre os 7 e os 10 anos de idade), excluindo as crianças com algum tipo de problema físico e/ou mental.

Em 1944, foram realizadas as primeiras experiências de Educação Integrada em Portugal, que consistiam em classes especiais criadas pelo Instituto Aurélio da Costa Ferreira, destinadas a alunos com problemas de aprendizagem e orientadas por professores especializados pelo referido instituto (Correia, 1997:26). Após a segunda guerra mundial, as mentalidades começam a mudar e altera-se a atitude da sociedade face aos direitos

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individuais, sucedendo-se numerosas organizações (ONU, UNESCO, OMS) com o intuito de proteger o Ser Humano, surgindo a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948.

Com Decreto-Lei nº 35/801 de 13 de agosto de 1946, foram criadas as “classes especiais” para funcionarem junto das Escolas Primárias, a primeira das quais surgiu em 1947, e que por imperativo legal, coube ao Instituto António Aurélio Costa Ferreira a sua orientação (Vaz, 1995).

A década de sessenta, é assinalada por uma maior intervenção pública, através da assistência social, no âmbito do Instituto de Assistência aos Menores que criou diversas “Escolas Especiais” para deficientes visuais, auditivos e motores. Nas cidades de Lisboa, Porto, Braga, Vila Real, Viseu e Coimbra, entre outras, foram criados internatos e semi-internatos para atendimento de crianças com deficiência visual, auditiva e mental, com a preocupação de responder às necessidades mais prementes.

Em 1952 com o «Plano de Educação Popular», os alunos eram obrigados a cumprir a instrução primária, mas continuavam a ser dispensados da educação obrigatória, as crianças «anormais», continuando unicamente a ter direito a assistência numa classe à parte.

No princípio da década de sessenta, verificou-se uma maior intervenção de natureza pública, sob a direção do então denominado Ministério dos Assuntos Sociais, da responsabilidade da Assistência Social e no quadro do Instituto de Assistência a Menores. Foram então criadas diversas escolas especiais, em regime de internato e semi-internato, para responder às necessidades mais urgentes. Concomitantemente, efetuaram-se cursos de formação para professores e outros técnicos e organizaram-se serviços de apoio domiciliário.

Em 1968 surgiram os primeiros casos de integração escolar de alunos com deficiência visual nas salas do ensino regular e a criação das Salas de Apoio com intervenção de professores especializados junto de Escolas

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Preparatórias e Secundárias. Em 1970 esta experiência foi alargada a algumas escolas do Ensino Primário, com a participação do Ministério da Educação (Vaz, 1995).

No entanto, a política global ainda consistia em separar e isolar as crianças com deficiência do grupo maioritário da sociedade. As escolas públicas evidenciam alguma responsabilização na educação destas crianças, mas ainda se mantém práticas segregacionistas. Os técnicos e a comunidade científica da época pensam que seria melhor para estas crianças, serem educadas “conjuntamente com outras crianças deficientes, protegendo-as, assim, dos «normais» ” (Bairrão, 1998: 18). Assim, as crianças são classificadas e rotuladas de «deficientes» e «atrasadas» sendo afastadas das classes regulares e colocadas em classes especiais, separadas das outras crianças da escola.

Ainda na década de sessenta, grupos de pais e técnicos fundam associações particularmente vocacionadas para assegurar o atendimento educativo das crianças diferentes. Surgem assim a APPACDM, a Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral, a Liga dos Deficientes Motores, a Associação Portuguesa para Protecção às Crianças Autistas e a Associação de Pais para a Educação de Crianças Deficientes Auditivas. A Liga Portuguesa para a Profilaxia da Cegueira abre o centro Infantil Helen Keller.

O envolvimento da sociedade civil, consubstanciado pela criação de movimentos de pais e técnicos, como referimos, não é certamente alheio à intenção de reforçar a perspetiva pedagógica da educação de crianças e jovens com deficiência. Esta via educativa que se fazia sentir um pouco por todo o mundo ocidental, no período pós II Grande Guerra Mundial, perspetivava reavivar a corrente que pretendia “reduzir a discriminação educativa e social de que eram alvo as crianças e os jovens com deficiência” Serrano (2005:24).

Segundo Coll et al. (2000) é com esta tendência, que se dá inicio a uma “substituição progressiva de um tipo de intervenção clínica, ou médica, centrada sobretudo no diagnóstico e no tratamento dos transtornos de

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desenvolvimento e da conduta, para uma intervenção do tipo mais educativo, centrada nos problemas e nas dificuldades de aprendizagem dos alunos e no trabalho escolar” (Coll et al., 2000: 62-63). Esta perspetiva aliada às conceções sociais emergentes na década de sessenta levou à escola camadas da população que até então se encontravam afastadas dela.

Para dar resposta a esta «nova» população escolar assiste-se “ao desenvolvimento das preocupações educativas e à importância prestada pelos departamentos oficiais dos ministérios da Segurança Social, Educação e Saúde às crianças e jovens com deficiência. Surgem, então, os «centros médico-terapêuticos» ou «escolas especiais» ” (Pereira, 1989:3).

Até à década de setenta do século XX, verificou-se uma evolução na qualidade da assistência facultada aos portadores de deficiência, os quais passaram a beneficiar de um tipo de atendimento educativo mais centrado nas suas necessidades que nas suas incapacidades.

I.2.2 – Da deficiência às necessidades educativas especiais