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Embora a atuação setorial LGBT do PT não tenha sido predoninante na elaboração do BSH, o apoio à candidatura de Lula em 2002 acabou por reunir, entre o primeiro e o segundo turno, um manifesto de apoio à campanha com mais de duzentas assinaturas de militantes LGBT, conforme registra De La Dehesa (2010, p. 344). Como descrevi anteriormente, a criação da setorial LGBT do PT remete à expansão institucional do movimento ainda nos anos 1990. De lá para cá, o fortalecimento destas alianças entre militantes, partidos e campanhas notoriamente vinculados à esquerda passou a oferecer caminhos alternativos aos da aposta na proposição de projetos de lei.

A partir do governo Lula, esses caminhos acabaram por vigorar tanto na formulação do Brasil sem Homofobia como na instituição de Conselhos, Coordenadorias e Conferências e na reforma dos ministérios. Tratou-se de um avanço considerável dado o contexto de estagnação das propostas legislativas investidas pelo movimento desde as gestões FHC.

Em entrevista a Aguião, Vianna e Guterrez, (2014, p. 247), Claudio Nascimento, coordenador dos trabalhos de elaboração do BSH e então representante da ABGLT no Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), expõe o cenário da articulação de uma política de combate à discriminação. Nascimento relata que, no fim do ano de 2003, a representação do movimento social no CNCD propôs ao governo federal a elaboração de um programa de combate à homofobia. Para o coordenador, o EBGLT (Encontro Brasileiro de

Gays, Lésbicas e Transgêneros) ocorrido em outubro daquele ano havia sido um dos antecedentes importante nesse processo.

As autoras destacam ainda que naquele momento ainda vigorava o Plano Plurianual (PPA) 2000-2003, formulado no governo FHC. Isto fez com que a o programa fosse formulado a partir das diretrizes orçamentárias elaboradas na gestão anterior. A política direcionada pelo Ministério da Justiça de FHC aos direitos humanos era denominada Balcão

de Direitos. Fernandes (2011) demonstra que as ações de combate à discriminação eram até

então englobadas por meio desta política, de modo que diversos movimentos acabavam disputando recursos pelo Balcão de Direitos e os LGBTs frequentemente ficavam de fora.

Com o lançamento do Brasil sem Homofobia em 2004, a expressão sociedade civil

organizada aparece em destaque tanto na formulação do programa como na colaboração

prevista nas medidas estipuladas. O programa de nível nacional articulou diferentes ministérios, tanto os já existentes como os recém-criados, e passou a ser considerado já no seu lançamento o maior empreendimento a título de direitos LGBTs empreendido pelo governo federal (AGUIÃO; VIANNA; GUTERREZ, 2014, p. 248). O documento menciona a participação da ABGLT33, da ANTRA e da ABL, além de uma série de entidades com atuação local (Daniliauskas, 2011, p. 90).

De La Dehesa (2010, p. 321) qualifica o programa como um esforço sem precedentes no hemisfério direcionado ao combate à homofobia. O Brasil sem Homofobia acabou por espeficicar 52 políticas públicas em 11 áreas, direcionadas a quatro grandes objetivos: apoio a projetos de promoção da cidadania homossexual e de combate à homofobia; capacitação de profissionais e representantres do movimento na defesa dos direitos humanos; divulgação de informações sobre direitos LGBTs e promoção de denúncias de violações de direitos humanos contra a população LGBT (ibid., p. 346).

Daniliauskas argumenta que o programa garantiu a possibilidade de tratar os direitos LGBT não necessariamente a partir dos direitos humanos, mas tendo em vista outras rubricas como os “direitos fundamentais, civil, sociais ou sexuais e reprodutivos” (2011, p. 91). Outro aspecto importante para o autor é a dinâmica de produção de política pública, que passa a prescindir de uma proposta feita pelo movimento ao governo que deixa de ser o responsável por definir o Programa para ocupar a posição de garantir o compromisso da participação na proposta (ibid., p. 81). A trajetória de reconhecimento mútuo da criação do BSH reconhecida

33 Merece destaque que o programa foi oficialmente assinado por um representante da Secretaria de Direitos

Humanos e um representante da ABGLT. Daniliauskas destaca que “vozes oficiais” do programa permitem inferir que a própria autoria do documento é referendada por ambos os autores (2011, p. 90).

pelo autor acabou por consistir na entrada do movimento social no governo, engendrando a compreensão do funcionamento de suas estruturas, a troca de expertise técnica e de questões e conceitos pouco familiares às agendas dos ministérios (ibid., p. 84).

Ao exigir do movimento uma negociação de suas demandas ministério por ministério, os militantes passaram a identificar tanto aliados como adversários no campo político. Dentre os aliados, Daniliauskas destaca os próprios técnicos e gestores do governo, enquanto entre os adversários era possível localizar tanto grupos organizados evangélicos quanto a reação da CNBB, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (ibid., p. 85).

Essa estratégia de sensibilização acerca das demandas, implicada no mútuo reconhecimento de linguagens, demandas e regras, possibilitou a muitos militantes o aprendizado de como tratar suas próprias reivindicações nas instâncias da administração pública. É neste sentido que compreendo a afirmação de Aguião (2014, p. 68) sobre o Brasil sem Homofobia ter desepenhado um papel importante como ferramenta para a incidência política.

A avaliação de seus resultados e de suas metas e a proposição de novas estratégias passaram a ser reivindicadas nos anos seguintes por setores do movimento. Daniliauskas (2011, p. 107) descreve, a partir de entrevistas com lideranças realizadas entre 2007 e 2008, um certo desânimo de alguns militantes que receiavam pela continuidade do programa e com a sua viabilidade no longo prazo. A preocupação com a sustentabilidade do BSH despertou a necessidade de realizar novas articulações para a consolidação de uma estratégia já prevista no programa: a criação de uma Conferência Nacional.

A realização da I Conferência Nacional GLBT, em 2008, foi celebrada por uma série de militantes que a consideraram um marco para a política LGBT no Brasil. Aguião, Vianna e Guterrez (2014, p. 250) enfatizam a relevância da presença do então presidente Lula na sessão de abertura no sentido do reconhecimento do Estado. Como resultado das deliberações da conferência, destaquei anteriormente a importância das lutas classificatórias e a conversão em siglas suficientemente abrangentes e especializadas ao mesmo tempo. A passagem do “L” para a frente da sigla e a definição do “T” para descrever travestis e transexuais ao invés de transgêneros foram amplamente discutidas e deliberadas nas plenárias. Em razão das recomendações estipuladas na I Conferência, em 2009 foi criada a Coordenação-Geral LGBT, anexada à estrutura da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, bem como o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT, que em certa medida passou a substituir o BSH como eixo norteador de políticas LGBT.

exclusivamente às demandas LGBT, sendo renomeado de Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção de Direitos LGBT. (AGUIÃO, 2014, p. 67). Apesar dos embates e divergências, o clima de entusiasmo da militância com a I Conferência é assinalado por diversos autores (DANILIAUSKAS, 2011; AGUIÃO; VIANNA; GUTERREZ, 2014; AGUIÃO, 2014; DE LA DEHESA, 2010), o que refletia de algum modo o otimismo do movimento LGBT com as estratégias adotadas.

O mesmo não pode ser dito sobre a realização da II Conferência Nacional LGBT, em dezembro de 2011, já sob a administração Rousseff. De acordo com Aguião, Vianna e Guterrez (2014, p. 251), a segunda edição da conferência ficou marcada pelo “tom de crítica e protesto manifestado pelo movimento social presente”.

As autoras relatam que as vaias e os gritos de protesto tomaram a abertura com cartazes e palavras de ordem que tinham como alvo direto a presidente Dilma. Para elas, a sensação de uma insatisfação geral era motivada especialmente pelo veto presidencial a um kit anti-homofobia produzido pelo Ministério da Educação para circulação nas escolas. Uma das citações sobre este momento mais rememoradas por militantes LGBTs, mesmo durante esta pesquisa, remete a uma declaração de Rousseff em 2011, em que a presidente afirmou à imprensa que seu governo “não faria propaganda de opção sexual” quando questionada sobre o cancelamento do kit. A ausência da presidente Dilma Rousseff na plenária de abertura e os protestos quanto à morosidade da aprovação de uma lei anti-discriminatória colaboraram para dar o tom da II Conferência, que foi analisada com detalhes por Aguião (2014).

O clima de insatisfação presente na II Conferência acabou sendo amplificado em sua terceira edição, realizada cinco anos mais tarde. Apesar de ter sido viabilizada também pela administracão Rousseff, o contexto no qual se deu a realização dos trabalhos da Conferência foi bastante diferente, haja vista o processo de impeachment então em curso contra a presidente em 2016.

Diferentemente das etapas anteriores, a terceira edição da Conferência Nacional LGBT foi aglutinada com outras conferências nacionais, reunídas em uma mesma ocasião em torno da Conferência Conjunta de Direitos Humanos. O evento congregou a 12ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, a 10ª Conferência Nacional da Criança e Adolescente, a 4ª Conferência Nacional de Pessoa Idosa, a 4ª Conferência Nacional da Pessoa com Deficiência e a 3ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de LGBT.

O pessimismo que marcou o evento expressou não apenas o descontentamento com a falta de investimento e de priorização por parte do governo federal dos planos e programas desenhados ao longo dos últimos anos, mas também deixava escapar o receio de perder aquilo

que já havia sido conquistado diante da ameaça iminente de uma ruptura institucional. Havia ainda a sensação de que o governo federal deveria aproveitar seus últimos dias para implementar o maior número de medidas possíveis em consonância com as demandas dos movimentos sociais, tendo em vista que alguns dos maiores opositores dos direitos LGBTs figuravam dentre os parlamentares simpáticos ao impeachment.

Foi neste contexto que a presidente Dilma sancionou o decreto 8727/2016, anunciado ao final da conferência, e que tornou obrigatório o uso do nome social em toda a administração pública federal. A notícia do decreto foi debatida e também criticada pela militância, gerando questionamentos tanto em relação à abrangência e à segurança jurídica de uma medida executiva, que poderia vir a ser revogada a qualquer momento, como pelo contexto em que foi aprovado.

Partindo deste breve apanhado dos três ciclos de conferências nacionais, é possível perceber uma alteração substancial na forma com que o movimento LGBT passou a atuar em relação ao governo federal e às gestões públicas e que acabou impactando atuações regionais e locais.

A preparação das Conferência LGBTs em âmbitos municipal, estadual e federal passou a funcionar como uma ferramenta de controle social em um contexto polarizado entre Estado e sociedade civil. O objetivo era a de assegurar a efetivação daquilo que ficou reconhecido como um tripé, o que envolve as Conferências, mas também os Conselhos, Coordenadorias e Planos de enfrentamento à discriminação nos três entes federativos. Se as Conferências possibilitaram consolidar e oficializar as reivindicações do movimento perante ao Estado, acabaram também por incentivar o surgimento de Conselhos e Coordenadorias LGBTs em vários estados e municípios34.

No caso paulista, em que me detive ao longo da pesquisa, tanto a Coordenadoria Municipal de Políticas LGBTs, criada em 2005 e institucionalizada em 2008, como a Coodenação de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo, criada em 2009, advieram de administrações tucanas. Isto sugere, como sustenta De La Dehesa, que a

34 O sociólogo Jacob Longaker apresentou em 2015, na Conferência Anual da Latin American Studies

Association Annual, em Lima, um mapeamento dos conselhos LGBT nos três níveis da federação. Os dados coletados até o período indicam a existência de conselhos municipais LGBT nas cidades de São Paulo (SP), Teresina (PI), Itapipoca (CE), Belém de São Francisco (PE), Pau D’Alho (PE), Maceio (AL), Alagoinhas (BA), São João Del Rey (MG), Cariacica (ES), Bauru (SP), Piracibaca (SP), Ribeirão Preto (SP), São Carlos (SP), Santa Cruz do Sul (RS), Cuiabá (MT), Araraquara (SP), Piripiri (PI), Mauá (SP), Niteroi (RJ), Contagem (MG), Ponta Grossa (PR), Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), Canoas (RS), Brumadinho (MG), Três Lagoas (MS), Jaboatão dos Guararapes (PE), Esteio (RS), Florianópolis (SC) e Juazeiro do Norte (CE). Além disso, a pesquisa contabilizou a existência de conselhos estaduais LGBTs em treze estados, sendo eles: São Paulo, Pará, Rio de Janeiro, Goiás, Bahia, Mato Grosso, Pernambuco, Roraima, Alagoas, Paraíba, Maranhão, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul.

articulação de ações em diferentes instâncias da malha do Estado logrou em viabilizar a promoção de políticas locais35 em governos liderados por partidos com diferentes orientações políticas, a exemplo do Rio sem Homofobia, na cidade do Rio de Janeiro, e do Transcidadania, em São Paulo.

Conforme sustenta Aguião (2014, p. 83), o percurso das políticas LGBT no Brasil segue um “roteiro de gestão governamental”, para recuperar a expressão utilizada pela autora, que acabou viabilizando parcerias com ONGs e com atores da sociedade civil para a discussão e a formulação de políticas públicas que se inicia nos anos 1990 e ganha força com a realização de conferências e as consultas aos movimentos sociais. Para a autora, a lógica da participação democrática no processo de criação, monitoramento e avaliação das políticas implementadas surge como uma modalidade de interação pretendida que reflete o desenvolvimento de valores democráticos em uma sociedade igualitária. Esta retórica presente no movimento sugere, para Aguião, a imagem de um Estado-Nação tanto promotor como produto de valores democráticos. Posicionada frente a uma ordem internacional de direitos humanos ao mesmo tempo que capilarizada em diversas instâncias regionais e locais, esta escolha de atuação política acabou sendo alvo de críticas de militantes e atores da sociedade civil que apontavam para “democracia sempre inconclusa que promove, mas não efetiva, canais de comunicação e o pleno exercício dos direitos” (ibid.).

Analisando o processo de construção de homossexuais enquanto sujeitos de direitos no Brasil, Carrara (2005) ressalta que o movimento LGBT e o Brasil pós-AIDS acabaram focalizando novos mecanismos de exercer o poder politico na qual o Estado passava a financiar encontros e projetos de intervenção social, organizando, de certo modo, a sociedade civil. Nos termos do pesquisador, esta dinâmica oferecia como risco uma possível “clientelização” da sociedade civil. Além disso, a relação entre Estado e movimento LGBT ao longo das últimas duas décadas passou a se tornar mais dependente mutuamente. Isto porque se o Estado exerce algum controle sobre o movimento via editais, também acaba por depender da existência de uma sociedade civil organizada ativa na proposição, legitimação e execução das políticas públicas, como argumentam Facchini e França (2009).

Conforme sugerem as autoras, apesar das demandas por transversalidade entre políticas de combate à discriminação e de equiparação de direitos com as secretarias e ministérios voltados a estes segmentos terem crescido com o passar do tempo, ainda há um

35 Aguião enumera com detalhes algumas ações e políticas neste sentido a nível dos estados e dos municípios. De acordo com a pesquisadora, era comum nos espaços de reunião que os gestores e representantes apresentassem quais elementos deste tripé já haviam sido implementados em suas regiões, o que frequentemente era creditado à vontade política dos governos locais (2014, p. 141).

caráter difuso nesta reivindicação. Para Facchini e França, tem ganhado corpo entre alguns militantes a ideia de que esta forma de atuação política chegou a um limite no qual “não basta acrescentar letras às siglas ou trocar a ordem das letras” (ibid.). Isto porque as disputas internas de poder e as assimetrias e hierarquizações delas decorrentes, além de se afastarem de propósitos mais gerais do movimento como a promoção da igualdade, não são resolvidas pela modificação do nome do movimento. Para as pesquisadoras, ao mesmo tempo em que a demanda por transversalidade vem embutida de um caráter crítico em relação à possibilidade de essencialização destes processos, as disputas por recursos escassos e por visibilização de demandas por segmento acabam por suscitar o surgimento de sujeitos políticos cada vez mais específicos.

Já a especialização por parte das instâncias estatais de políticas para “negros”, “mulheres”, “comunidades tradicionais” e de “combate à homofobia”, como aponta Aguião (2014, p. 71), acaba por influenciar na multiplicação do que passa a ser considerado pelo poder público como sujeitos vulneráveis. Na linguagem das políticas públicas, afirmam Facchini e França (2009), cada um desses conjuntos corresponde a um segmento mais ou menos vulnerável.

Esta vulnerabilização dos sujeitos implicados nas políticas LGBT passou a conviver, durante a consolidação do de um tripé de participação socioestatal nos entes federativos, com a visibilização crescente de lideranças ativistas empoderadas e capazes de atuar nas esferas de participação estatais. Lopes e Heredia (2014) destacam que essa demanda por visibilidade buscava fortalecer a representatividade dos movimentos tanto nas esferas tradicionais como nas instâncias recém-criadas de participação.

Do mesmo modo, tanto a vulnerabilização como a visibilização dos sujeitos e demandas envolvidos na promoção dos direitos LGBT auxiliam a compreender as governamentalidades envolvidas na constituição de subjetividades e de ferramentas dentro do campo do movimento. De La Dehesa (2010, p. 332) argumenta que há o fortalecimento de um paradigma biopolítico na consecução destas políticas baseada na intervenção de condutas, dirigidas a populações determinadas e priorizando resultados mensuráveis para a distribuição de novos recursos. O autor adota uma pespectiva crítica sobre este cenário, argumentando que o crescimento deste paradigma acaba por reproduzir um individualismo característico das políticas liberais, selecionando indivíduos dentre as populações-alvo como “consumidores livres para escolher práticas sexuais em um mercado de ideias e informação” (ibid., p. 333), mecanismo que acaba por ocultar outros fatores contextuais, governamentais e estruturais mais amplos.

Em sentido parecido, Alvarez, Dagnino e Escobar (1997) sugerem que a reconfiguração da cidadania por meio da autonomia individual, da responsabilidade pessoal e da auto-ajuda refletem algumas tendências neoliberais mais amplas que valorizam um individualismo exarcebado em detrimento da crítica social mais ampla. Na mesma linha, De La Dehesa descreve a relação que os grupos e coletivos passaram a assumir com as populações-alvo, por meio da promoção de formatação de uma sexualidade por ele considerada disciplinada e pelo empoderamento angariado a partir da participação na formulação de políticas públicas.

Análises mais críticas ou mais otimistas em relação ao desenvolvimento das políticas LGBT no Brasil enfatizam estes mecanismos de participação direcionados à sociedade civil organizada, que tentei explorar de maneira breve por meio dos ciclos de Conferências Nacionais LGBTs.

Nestas dinâmicas, enquanto o movimento geralmente encabeça o confronto, como indicam Lopes e Heredia (2014, p. 28), as gestões públicas tendem a aderir a uma linguagem propositiva que não raro eufemiza os conflitos a fim de enquadrá-los em uma gramática positiva que seja mais inclusiva. Para os autores, é possível identificar tanto em conselhos como em conferências e coordenadorias um efeito por eles identificado como uma “caixa de ressonância” das proposições e ações formuladas nestes espaços. Isso não impede que as disputas entre gestores e militantes, presentes em diversos momentos, possam aparecer de forma mais difusa em outras situações. Este caráter difuso pode emergir em contextos nos quais os movimentos capitalizam os procedimentos e a gramática dos direitos, enquanto a administração adquire o conhecimento necessário para a formulação das políticas. Em outros momentos, como será demonstrado ao longo do próximo capítulo, o poder público e a sociedade civil podem passar a comungar preocupações que dizem respeito à eficácia e mesmo à manutenção dos espaços de participação socioestatais.

Neste sentido, Lopes e Heredia destacam em especial os movimentos rurais, de mulheres, LGBT, sindical e negro para indicar a recorrência de pessoas com atuação nos movimentos sociais que passaram a trabalhar nas gestões públicas. Se, por um lado, a troca de

expertise e a produção e incorporação de uma gramática oficial de participação política

abriram algumas brechas para o que os autores identificaram como pequenas subversões destas próprias regras, a própria lógica da participação acabou exigindo que os movimentos falassem a linguagem do Estado, o que muitas vezes implicava em abandonar a própria linguagem do movimento, de modo que a legitimidade de uma reivindicação passou a ser avaliada pela formatação em termos de uma linguagem pouco utilizada por grande parte da

militância.

Por meio das Conferências Nacionais, é possível compreender os impactos e a importância da mobilização desta gramática permeada por termos como transversalidade,

avanços, retrocessos, sensibilização e enfrentamento. O entusiasmo que divide a primeira

edição das duas conferências que se seguiram estava diretamente relacionado à expectativa sobre o avanço das iniciativas pautadas em planos e programas. A quebra destas expectativas por parte de muitos militantes acabou se revertendo na crítica às ações pontuais e difusas encabeçadas pelo governo federal ao longo das administrações Rousseff. Neste sentido, soma- se a estes fatores a falta de divulgação das ações governamentais já empreendidas em relação às demandas do movimento e à proximidade demasiada entre militantes e gestores, bem como a qualidade de uma participação que frequentemente não acompanhava os desdobramentos e a execução das políticas formuladas, como indicam Aguião, Vianna e Guterrez (2014, p. 252).

Do ponto de vista de grande parte do movimento LGBT, a liderança do Partido dos