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Do capital monetário (ou capital-dinheiro) 41 ao capital a juros

Capítulo 2. Investigando a esfera financeira

3. Do capital monetário (ou capital-dinheiro) 41 ao capital a juros

Primeiramente, Marx, no livro III d’O Capital, tratará das várias formas de valorização do capital sob a forma do dinheiro e das formas derivadas dele: capital a juros e capital fictício. Neste percurso, a quinta parte deste livro III, em que trata da divisão do lucro entre juro e ganho do empresário e da composição do capital bancário merecem especial atenção para o aprofundamento do debate em torno da financeirização atual.

Inicialmente, ainda no capítulo 21, o primeiro capítulo desta quinta parte42 do livro III d’O Capital, Marx considera o dinheiro da seguinte maneira:

Dinheiro – considerado aqui expressão autônoma de certa soma de valor, exista ela em dinheiro ou em mercadorias – pode na produção capitalista transformar-se em capital, quando esse valor determinado se transforma em valor que acresce, que se expande. É dinheiro produzindo lucro, isto é, capacitando o capitalista a extrair dos trabalhadores determinada quantidade de trabalho não-pago – produto excedente e mais-valia – e dela apropriar-se (MARX, 2008, p. 453).

Assim o dinheiro,

Nessa qualidade de capital potencial, de meio de produzir lucro, torna-se mercadoria, mas mercadoria de gênero peculiar. Vale dizer – o capital como capital se torna mercadoria (MARX, 2008, p. 454).

Dinheiro como capital com a propriedade de gerar valor, de proporcionar juros (quando se autonomiza e atinge a forma de capital a juros)43. E o valor, na forma do dinheiro, perde todas as diferenças como valores-de-uso. O dinheiro é o capital como um “valor-de- troca autônomo”.

Dinheiro é exatamente a forma em que se dissolvem as diferenças das mercadorias como valores-de-uso, e, por conseguinte, as diferenças entre os

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Na edição que estamos utilizando (MARX, 2008) o termo grafado é “capital-dinheiro”. Já na edição da editora Abril Cultural, o termo é “capital monetário” (MARX, 1984), que julgamos mais preciso.

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O nome desta parte d’O Capital, na edição utilizada (Marx 2008), recebe o nome de “Divisão do lucro em juro

e lucro do empresário. O capital produtor de juros”.

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“Torna-se assim propriedade do dinheiro gerar valor, proporcionar juros, do mesmo modo que dar peras é propriedade de uma pereira. E como tal coisa que dá juros, o prestamista vende seu dinheiro. E mais. Conforme vimos, o capital que efetivamente funciona apresenta-se rendendo juros não como capital operante, mas como capital em si, capital-dinheiro” (MARX, 2008, p. 520).

capitais industriais consistentes nessas mercadorias e nas condições de produção delas; é a forma do valor – e aqui o capital – existe como valor-de- troca autônomo. No processo de reprodução do capital, a forma dinheiro é efêmera, simples elemento transitório. Ao revés, no mercado de dinheiro, o capital existe sempre nessa forma (MARX, 2008, p. 521, grifo nosso). Em seguida, Marx se referirá a dois tipos de capitalistas: o capitalista “em ação” ligado, predominantemente,44 à esfera produtiva e o capitalista “proprietário” que mantém suas atividades ligadas, fundamentalmente, à valorização do dinheiro, proprietário desta forma de capital, extraindo seu lucro como juros. Mais à frente, quando tratará do capital a juros, isso aparece em inúmeras passagens como essa: “O capital produtor de juros é o capital-propriedade em face do capital-função [considerado como o capitalista produtivo]” (MARX, 2008, p. 503, grifo nosso).

Assim, os juros se apresentam como parte do lucro bruto, ou como parte da mais-valia, como Marx, recorrentemente, tratará nos capítulos em questão.

A parte do lucro paga ao cedente [de dinheiro] chama-se de juro, que nada mais é que nome, designação especial da parte do lucro, a qual o capitalista em ação, em vez de embolsar, entrega ao dono do capital (MARX, 2008, p. 454).

Assim também começa a se autonomizar uma das formas funcionais do capital conhecida como capital-dinheiro (ou capital de comércio de dinheiro). Nela, o capital é capital, fundamentalmente, no processo de circulação: no ato de lançar um montante de dinheiro (como capital) no processo de circulação e retirá-lo, depois de certo tempo, com o acréscimo dos juros.

No processo real de circulação, o capital se revela apenas mercadoria ou dinheiro, e uma série de compras e vendas constitui seu movimento. Em suma, o processo de circulação se reduz à metamorfose da mercadoria. A coisa é diferente quando consideramos a totalidade do processo de reprodução. Se o ponto de partida é o dinheiro, desembolsaremos uma soma de dinheiro que retornará com acréscimo após determinado período. Essa quantia adiantada é reposta e retorna acrescida de mais-valia (MARX, 2008, p. 460).

Dessa forma,

No movimento real, o capital é capital não no processo de circulação, mas no processo de produção, o da exploração da força de trabalho.

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“Predominantemente”, pois acreditamos como vimos acima e concordando com Marx, que não existe uma fração de capitalistas ligados exclusivamente apenas à esfera produtiva ou comercial. Existem empresas predominantemente industriais, mas com estreitas ligações na esfera financeira e vice-versa. E esse fenômeno é apontado em alguns dos trabalhos utilizados nesta dissertação (CHESNAIS, 1998a, 1998b, 2010; LAPAVITSAS, 2009; BEISNTEIN, 2001). E, como neste terceiro livro d’O Capital o esforço de Marx é o retorno à realidade, sua análise prende-se o mais próximo possível, das determinações reais, mas agora, com as categorias elaboradas na esfera da essência, tratadas no livro I. Como vimos: Cf. Carcanholo (2013, p. 12-15).

A coisa é diferente com o capital produtor de juros, que justamente marca seu caráter específico. O dono do dinheiro, para valorizar seu dinheiro como capital, cede-o a terceiro, lança-o na circulação, faz dele a mercadoria capital; capital não só para si, mas também para os outros; é capital para quem o cede e a priori para o cessionário, é valor que possui o valor-de-uso de obter mais-valia, lucro; valor que se conserva no processo e volta, concluído seu papel, para quem o desembolsou primeiro, no caso, o proprietário do dinheiro. O dinheiro, portanto, se afasta do dono por algum tempo, passando de suas mãos para as do capitalista ativo; não é dado em pagamento nem vendido, mas apenas emprestado; só cedido sob a condição de voltar, após determinado prazo, ao ponto de partida, e ainda de retornar como capital realizado, positivando seu valor-de-uso de produzir mais-valia (MARX, 2008, p. 459).

Nesse sentido, na totalidade do processo de reprodução do capital, o capital a juros diferencia-se essencialmente do capital produtivo produtor de mais-valia, forma pura da produção capitalista: trata-se agora de “dinheiro que gera dinheiro”, sem se ligar diretamente ao processo mediador de exploração do trabalho da perspectiva do prestamista de capital.

Trata-se agora de adiantamento de capital. A relação do capital consigo mesmo, na qual se representa – quando consideramos o processo capitalista de produção em sua totalidade e unidade – e na qual é dinheiro que gera dinheiro, a ele passa a incorporar-se agora pura e simplesmente, sem o movimento mediador, como característica e vocação próprias. E é nessa qualidade que é alienado, quando emprestado como capital-dinheiro (MARX, 2008, p. 460).

Deve-se deixar claro, contudo, que o acréscimo de valor não advém das trocas, ou da circulação, em si, do capital, mas sim do processo de produção45.

Tratando-se de troca, isto é, verificando-se troca de coisas, não há variação de valor. O valor que o mesmo capitalista tem em mãos não varia. Mas não é na troca que o capitalista produz mais-valia, e quando há troca, a mais-valia já está inserida nas mercadorias. Quando, em vez dos atos isolados de troca, consideramos a totalidade do ciclo do capital, D-M-D’, verificamos sempre que determinada soma de dinheiro é adiantada e depois retirada da circulação, acrescida da mais-valia ou lucro. Por certo, a mediação desse processo não se revela nos puros atos de troca. E é justamente esse processo de D como capital que é a base e a origem do juro que o capitalista- financeiro46 recebe em seus empréstimos (MARX, 2008, p. 461).

Resta agora, compreender como se relaciona o capital a juros com o capital produtivo. Um dos aspectos centrais do relacionamento da esfera financeira com o ciclo global de

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Deve-se lembrar, contudo, que: “O capital em sua marcha completa é unidade do processo de produção e do de circulação, proporcionando por isso determinada mais-valia em período dado. Na forma do capital produtor de juros, esse resultado aparece diretamente, sem a intervenção dos processos de produção e de circulação. O capital aparece como fonte misteriosa, autogeradora do juro, aumentando a si mesmo” (MARX, 2008, p. 520). E esse é um dos elementos pelos quais podemos afirmar que o ciclo global de reprodução do capital é uma unidade contraditória que liga produção e circulação e na qual um mesmo capital aparece sob várias formas em diferentes momentos.

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Na edição da editora Abril Cultural (MARX, 1984) o termo “capitalista financeiro” é alterado para “capitalista monetário” que também julgamos mais adequado para a descrição do que Marx está propondo.

reprodução do capital é a determinação da taxa de juros. Vimos que o juro é parcela da mais- valia que o capitalista produtivo “em função” paga ao capitalista “proprietário” do dinheiro pelo fato de este emprestar seu capital àquele. Devemos agora compreender como se dá a relação entre ambos. Qual a fração de capital detém mais força? Ou, na interação entre ambas as esferas do capital, é o juro que determina o lucro do capitalista produtivo (ou ganho do empresário) ou ocorre o contrário: o lucro do empresário que determina os juros?