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DO DIREITO DO ADOTADO DE CONHECER OS PAIS BIOLÓGICOS

2. DA ADOÇÃO

2.10. DO DIREITO DO ADOTADO DE CONHECER OS PAIS BIOLÓGICOS

Não obstante o desaparecimento dos vínculos do adotado com sua família biológica, é legítimo o interesse que, eventualmente, possa surgir de conhecê-la. Pode-se falar até em necessidade psicológica ante a persistência em alguns casos enfrentados por famílias adotivas.

Assim sendo, é mister ressaltar que, de acordo com precedente do Superior Tribunal de Justiça, admite-se o reconhecimento do vínculo biológico da paternidade, mediante ação de investigação de paternidade, fundando-se na justificativa de que tal fato não envolve desconsideração ao que preceitua o art. 48 do ECA, o qual, por sua vez, determina o caráter irrevogável da adoção.

Trata-se do reconhecimento de nossa Corte da inexistência de norma proibitiva neste sentido. Senão vejamos:

Recurso: Recurso Especial. Número: 127541/RS. Relator: Min. Eduardo Ribeiro. Data do Julgamento: 10.04.2000. Órgão Julgador: Terceira Turma, STJ.

EMENTA: Adoção. Investigação de paternidade. Possibilidade. Admitir-se o reconhecimento do vínculo biológico de paternidade não envolve qualquer desconsideração ao disposto no artigo 49 da Lei 8.069/90. A adoção subsiste inalterada.

A lei determina o desaparecimento dos vínculos jurídicos com pais e parentes, mas, evidentemente, persistem os naturais, daí a ressalva quanto aos impedimentos matrimoniais, possibilidade de existir, ainda, respeitável

necessidade psicológica de se conhecer os verdadeiros país. Inexistência, em nosso direito, de norma proibitiva, prevalecendo o disposto no artigo 27 do ECA.

Assim sendo, não restam dúvidas de que a família é imprescindível à boa formação da criança e determinante para o seu futuro como pessoa, ainda que esta família não seja a biológica. Mas o que se quer saber é: Se a adoção é o instituto jurídico pelo qual a família biológica é, na integralidade de seu papel, substituída por outra, teria esta nova família que recebeu um novo membro sem restrições com amor e afeto a obrigação legal de informá-lo sobre suas origens biológicas?

Como vimos a partir do precedente do STJ, não há impedimento legal para que a verdade biológica da pessoa adotada venha à tona, saber de suas origens, de sua identidade genética, não invalida o ato de adoção que tem caráter irrevogável e definitivo. A lei anula na esfera jurídica estes laços, contudo, não pode ter a pretensão de fazê-lo em nível celular.

Apesar disso, não há previsão legal no viés contrário, não há obrigatoriedade em informar a pessoa adotada acerca de sua situação, ressalvado o aspecto inerente ao matrimônio. Assim sendo, a menos que a família adotiva tenha conhecimento de que a pessoa adotada está em vias de casar-se com pessoa integrante de sua família consaguinea, inexiste o dever de apresentar-lhe a verdade genética, cabendo à família adotiva esta decisão.

Entretanto, entendo que a partir das modificações trazidas pela Lei 12.010/09, que inseriu no processo jurídico de adoção a necessidade de que os pretendentes a adoção passem por uma espécie de “curso preparatório” antes de ingressarem no Cadastro Nacional de Adoção, houve maior preocupação por parte do legislador em assegurar o bem-estar da pessoa adotada em nível psicológico, tornando todo o processo menos tortuoso e sofrido para os envolvidos inclusive preparando-os para a possibilidade de se revelar a verdade genética dos envolvidos.

Segundo grande parte dos psicoterapeutas, manter a criança a par da verdade sobre suas origens é uma necessidade real; eles recomendam que sejam os pais adotivos a informar à criança a respeito da adoção. Isto ajuda a que a mensagem da adoção seja positiva, permitindo a manutenção da confiança no seio familiar. Se a criança descobre sobre a adoção, intencional ou acidentalmente, por terceiros, pode associar a adoção a algo ruim ou vergonhoso, algo que se deve ocultar, já que se mantinha em segredo.

Para a psicoterapeuta Fernanda Travassos, “A criança pode suportar todas as verdades” (TRAVASSOS, 2008). Segundo esta profissional, uma atitude muito importante para se preservar a saúde mental de uma criança é a de dizer claramente se ela foi adotada ou não. Para Fernanda a ocultação no contexto familiar atua como um fator de predisposição para situações patológicas.

Segundo a psicoterapeuta a criança adotada se desenvolveu no útero de sua mãe biológica, na maioria das vezes em condições impróprias e sentindo-se rejeitada (sabe-se que o feto capta os estados emocionais da mãe e reage a eles). Os pais adotivos não podem negar esta “pré-história” do bebê, até porque ele a vivenciou. É claro que tais informações nunca chegarão a mente em forma de lembrança, mas isso não quer dizer que elas não estejam armazenadas em algum lugar deste indivíduo.

Quando se mente sempre paira o “fantasma da verdade”, sempre existem tropeços, enganos, um certo mal-estar familiar (por mais que os próprios pais muitas vezes não percebam isso). E é dentro desse contexto que se formam frequentemente distúrbios psicológicos na infância.

Ao adotar uma criança não é necessário tornar público esse ato, mas é muito importante que ele seja dito em âmbito privado, isto é, na família.

Quanto ao momento em que se deve revelar esta verdade as opiniões divergem. Para alguns profissionais o momento ideal seria até os cinco anos de idade, para que a criança pudesse se adaptar mais facilmente a esta realidade. Para outros, há o entendimento de que seria melhor aguardar o amadurecimento da criança, dizendo-lhe apenas quando chegasse a idade adulta para não gerar confusão mental que poderia resultar em sentimento de rejeição.

A meu ver, quando falamos de família, estamos a adentrar uma esfera muito frágil, onde apenas seus integrantes estão aptos para compreender suas nuances. Há diversas realidades convivendo em um mesmo núcleo familiar, mas só as compreende quem delas partilha, por esta razão é importante que os próprios pais possam sentir o momento ideal. Introduzir o assunto a partir de perguntas formuladas pela própria criança talvez seja o mais adequado, pois revela naturalidade. Para Fernanda Travassos, no momento em que a criança começar a formular perguntas do tipo: “Mamãe/papai, como eu nasci?” ela estará dando um sinal de que vai ter respaldo de seu mundo interno para “compreender” o que lhe for explicado.

De qualquer modo, independentemente da forma como esta revelação venha a ocorrer, se vier, a presença dos pais ou pelo menos de um deles, acompanhando e oferecendo todas as condições necessárias ao crescimento normal do infante, é o principal objetivo almejado pelas regulamentações do Estatuto da Criança e do Adolescente, no que tange ao regime de adoção e uma vez que sua efetivação tenha ocorrido a lei se vê satisfeita.

Assim, no Estatuto da Criança e do Adolescente, o interesse maior a ser resguardado é o do menor. A adoção presta-se a oferecer uma família ao menor desamparado, proporcionando-lhe uma vida digna, mostrando-se como mecanismo importante, pois, ao tempo que permite que pessoas venham a ter um filho, quando impossibilitadas por meios naturais, permite, principalmente, que o menor encontre o devido amparo.

A realidade social nos revela uma triste situação, qual seja, o descaso por parte das autoridades públicas em relação às crianças e adolescentes que se encontram desamparados, a mercê de todo tipo de exploração, violência, crueldade e opressão.

Ante a relevância deste cenário, que não podemos ignorar, a adoção presta- se a garantir condições dignas de vida, posto que a família natural e o Estado, constitucionalmente incumbidos de garantir o respeito e a dignidade criança e do adolescente, não o fizeram.