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Do dolo no crime de lavagem de dinheiro – admissão do dolo eventual

89 Termo de Colaboração nº 03 (ANEXOS 46 e 47): “[…] QUE a parte da “Casa” era operacionalizada pelo decla-

3.3. LAVAGEM DE ATIVOS 1 Pressupostos teóricos

9.6.19. Simulação de lucro em empresas (prestação simulada de produtos e serviços) Trata-se de injetar os recursos de origem ilícita em uma entidade legal-

3.3.1.3 Do dolo no crime de lavagem de dinheiro – admissão do dolo eventual

É bastante comum em crimes praticados no seio de organização crimi- nosa estratificada, como no caso dos autos, que a atividade de lavagem dos valores ilícitos seja terceirizada, de forma que “contratantes” do mecanismo de branquea- mento afirmem que não tinham ciência da forma como recebido o dinheiro enquanto os “contratados” alegam desconhecer a origem ilícita dos valores.125

Situação bastante semelhante ocorre quando a lavagem é determinada no bojo de estrutura hierarquizada, quando as atividades de lavagem por vezes são delegadas a setores específicos da empresa (como, por exemplo, o setor financeiro, responsável pela realização dos pagamentos), de forma que os mandantes do paga- mento afirmam desconhecer a forma como efetivados, enquanto seus executores ale- gam que desconheciam a origem do numerário.

No caso dos autos, como se demonstrará, todos os autores tinham ple- na ciência da origem ilícita dos recursos, bem como do fato de que seu recebimento se dava por intermédio de operações que visavam dissimular a origem, disposição, movimentação e propriedade dos valores, de forma que presente o dolo direito.

Todavia, ainda que assim não fosse, tratar-se-ia de situação na qual os agentes voluntariamente se recusam a saber a origem ou forma dos pagamentos, deixando de realizar qualquer política do tipo KYC (know your customer) ou mesmo de detectar sinais de aparência ilícita dos recursos.

Nesse aspecto, ganham relevo tanto a consideração da teoria da ce- gueira deliberada quanto do dolo eventual, destacados excerto do voto proferido pela ministra Rosa Weber na AP 470:

“(...). Questão que se coloca é a da efetiva ciência dos beneficiários quanto à proce- dência criminosa dos valores recebidos e à possibilidade do dolo eventual.

O dolo eventual na lavagem significa, apenas, que o agente da lavagem, em- bora sem a certeza da origem criminosa dos bens, valores ou direitos envolvi- dos quando pratica os atos de ocultação e dissimulação, tem ciência da eleva- da probabilidade dessa procedência criminosa.

Não se confundem o autor do crime antecedente e o autor do crime de lavagem, es- pecialmente nos casos de terceirização da lavagem.

O profissional da lavagem, contratado para realizá-la, pelo autor do crime antecedente, adota, em geral, uma postura indiferente quanto à procedência criminosa dos bens envolvidos e, não raramente, recusa-se a aprofundar o co- 125 A profissionalização da lavagem de ativos, ao lado da internacionalização e complexidade, são as três principais características da lavagem moderna (BLANCO CORDERO, Isidoro. Criminalidad

organizada y mercados ilegales, p. 222). Segundo o GAFI, “a especialização na lavagem de dinheiro emerge do fato de que as operações de lavagem podem ser algo técnicas e assim requerer conhecimento especializado ou perícia que podem não estar disponíveis nas fileiras de uma organização criminosa tradicional” (FATF. Report on money laundering typologies 2001-2002 (FATF-XIII), p. 19.).

nhecimento a respeito. Doutro lado, o autor do crime antecedente quer apenas o

serviço realizado e não tem motivos para revelar os seus segredos, inclusive a proce- dência criminosa específica dos bens envolvidos, ao lavador profissional.

A regra no mercado profissional da lavagem é o silêncio.

Assim, parece-me que não admitir a realização do crime de lavagem com dolo eventual significa na prática excluir a possibilidade de punição das formas mais graves de lavagem, em especial a terceirização profissional da lavagem.

(…).

A admissão do dolo eventual decorre da previsão genérica do art. 18, I, do Código Penal, jamais tendo sido exigida previsão específica ao lado de cada tipo penal espe- cífico.

O Direito Comparado favorece o reconhecimento do dolo eventual, merecendo ser ci- tada a doutrina da cegueira deliberada construída pelo Direito anglo-saxão (will- ful blindness doctrine).

Para configuração da cegueira deliberada em crimes de lavagem de dinheiro, as Cor- tes norte-americanas têm exigido, em regra, (i) a ciência do agente quanto à elevada probabilidade de que os bens, direitos ou valores envolvidos provenham de crime, (ii) o atuar de forma indiferente do agente a esse conhecimento, e (iii) a escolha delibe- rada do agente em permanecer ignorante a respeito de todos os fatos, quando possí- vel a alternativa.

Nesse sentido, há vários precedentes, como US vs. Campbell, de 1992, da Corte de Apelação Federal do Quarto Circuito, US vs. Rivera Rodriguez, de 2003, da Corte de Apelação Federal do Terceiro Circuito, US vs. Cunan, de 1998, da Corte de Apelação Federal do Primeiro Circuito.

Embora se trate de construção da common law, o Supremo Tribunal Espanhol, corte da tradição da civil law, acolheu a doutrina em questão na Sentencia 22/2005, em caso de lavagem de dinheiro, equiparando a cegueira deliberada ao dolo even-

tual, também presente no Direito brasileiro. (...)” - destaques nossos.

No mesmo sentido, especificamente em relação ao crime de lavagem de dinheiro, o magistrado Sérgio Fernando Moro já demonstrou a possibilidade de ca- racterização do delito por intermédio de dolo eventual:

“Tais construções em torno da cegueira deliberada assemelham-se, de certa forma, ao dolo eventual da legislação e doutrina brasileira. Por isso e considerando a previ- são genérica do art. 18, I, do CP, e a falta de disposição legal específica na lei de la- vagem contra a admissão do dolo eventual, podem elas ser trazidas para a nossa prática jurídica”.126

No caso dos autos, como já referido e se demonstrará com mais vagar adiante, todos os denunciados atuaram com dolo direto. Todavia, ainda que assim não fosse, o conceito de dolo eventual seria aplicável por diversas situações: i) foram assinados documentos notadamente falsos; ii) foram executadas obras inusuais, sem aferição da forma de pagamento; ou ainda; iii) o contrato firmado com a GRANERO, pelo serviço de armazenagem do acervo pessoal de LULA, não poderia representar incentivo cultural sem o desembolso ser declarado como doação.