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1.1 As transformações sócio-econômicas na zona rural e a emigração para

1.1.1 Do engenho bangüê ao fechamento das usinas

Tendo João Paes Barreto ocupado as terras a ele concedidas em 1571, ao sul do rio Arassuagipe (Pirapama), ali funda o primeiro engenho bangüê, que denominou de Madre de Deus, o mais antigo centro açucareiro da região. Mais tarde, seguido pela criação de vários outros bangüês, o Cabo de Santo Agostinho passa a sediar parte do poderio econômico de Pernambuco, na época em que a cana-de-açúcar representava a força de crescimento do país.

Cada engenho era uma unidade econômica que reunia grande número de pessoas. Geralmente, além do senhor de engenho, viviam no mesmo: o capelão, o mestre de açúcar, o banqueiro, o mestre purgador, o escumador, o feitor e os lavradores.

A fabricação do açúcar, inicialmente, era feita de forma rudimentar, sendo os engenhos movidos manualmente pela força do negro, que posteriormente foi auxiliada pela força animal. Mais tarde vieram os engenhos d´água (engenhos reais), que foram construídos às margens dos rios cuja água era represada em açudes e daí conduzida, à custa de levadas ou pequenos aquedutos, até a roda que acionava as moendas. Mesmo sendo mais produtivos eles eram poucos, prevalecendo os engenhos Trapiches, que eram puxados à besta.

A decadência dos engenhos bangüês se deve à necessidade que sentiam os produtores de açúcar de melhorar a qualidade do produto, aumentar a produtividade e poder competir no mercado internacional.

As fábricas rudimentares (engenhos bangüês) constituíram a simplicidade da indústria primitiva que dominou, na área, durante quase três séculos, não podendo mais subsistir face ao progresso industrial que se verificava na Europa e

se espalhava para o mundo. Os bangüês foram então substituídos pelos engenhos centrais e posteriormente pelas usinas.

Um dos quatro primeiros Engenhos Centrais de Pernambuco foi instalado no antigo engenho Santo Inácio, no município do Cabo de Santo Agostinho, mais tarde, Usina Santo Inácio, fechada em 1964; o que corrobora a importância do Cabo de Santo Agostinho como uma área estratégica à dinâmica da produção do açúcar.

Quanto ao advento das usinas, seu surgimento se deu a partir da primeira década da República no Brasil. Com a implantação das usinas, subsidiadas pelo governo, através de empréstimos estaduais e federais foi instalado um maquinário moderno com grande capacidade de esmagamento de cana, surgindo, portanto, a necessidade de expansão das áreas agrícolas. As usinas foram aos poucos comprando os engenhos e reduzindo seus proprietários a meros fornecedores de cana7.

Todavia, os Engenhos Centrais foram um fracasso na medida em que tentava separar a atividade agrícola da industrial. As companhias estrangeiras que montaram os engenhos não estavam, através de seus técnicos, identificadas com as condições naturais e econômicas do meio nordestino. A maquinaria era de má qualidade e insuficiente, os fornecedores da matéria-prima nem sempre cumpriam as cláusulas contratuais, impedindo que a atividade industrial atingisse a sua plenitude.

A tendência das grandes usinas era de cultivar a sua matéria-prima em terras próprias, eliminando os fornecedores. A conseqüência dessa tendência foi a centralização fundiária. Os antigos foreiros que cultivavam em terras do

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Acompanhando o processo evolutivo da indústria açucareira, o município do Cabo de Santo Agostinho passa, a partir de 1880, à implantação das primeiras usinas, das quais se destacam: Usina Maria das Mercês S.A., fundada em 1891 e desativada em 1976; Usina Santo Inácio S.A., fundada em 1888 e desativada em 1964; Usina Sibéria, sem dados precisos de sua fundação e desativada na década de 1970; Usina José Rufino S.A., fundada em 1880 e desativada em 1960, por ocasião de sua desapropriação, para a instalação do Distrito Industrial do Cabo; Usina Bom Jesus S.A., fundada em 1881, sendo a única que continua em pleno funcionamento, tendo à frente de suas atividades a família do Sr. João Lopes de Siqueira Santos.

engenho, lavouras de subsistência e fruteiras, pagando o uso da terra com o trabalho para os engenhos, tiveram que substituir suas plantações pelo cultivo da cana para continuarem nela.

O efeito social mais visível provocado pelas usinas foi a desativação de muitos sítios e engenhos, dada à expansão da concentração fundiária, ocasionando também uma baixa na qualidade de vida no campo e a expulsão de numerosas levas de trabalhadores rurais, que imigraram nas zonas urbanas do município do Cabo de Santo Agostinho.

Além disso, com a proletarização do trabalhador rural, os proprietários das usinas, não dispostos a arcar com os custos da reprodução da sua força de trabalho, continuam utilizando-a mediante novas formas de exploração. Boa parte dessa força de trabalho passa a morar na cidade sem se desligar do trabalho no campo, transformando-se em “bóia-fria” ou em trabalhador clandestino. Desapareceram, desta forma, o morador e o sitiante.

O tradicional relacionamento patriarcal “feudal” se modificou, transformando as relações entre trabalhador e dono de engenho, passando a existir o usineiro, o empresário que vivia distanciado das terras e conseqüentemente do seu empregado.

A transformação dos trabalhadores como simples assalariados, com a finalidade do maior aproveitamento da área para cultivo da cana, significou sua redistribuição espacial. Anteriormente os trabalhadores eram disseminados pelas terras dos engenhos, através da distribuição de pequenos lotes em que praticavam culturas de subsistência e, em troca, trabalhavam para o proprietário, na cultura da cana. Com a expansão das áreas de cultivo da cana, tomando a maior parte da extensão das terras, os trabalhadores passaram a se aglomerar em pequenos núcleos de povoamento à beira da estrada.

Com a crise econômica mundial de 1929 e a corrida do café para o Paraná, São Paulo se colocou na liderança da produção nacional açucareira, passando Pernambuco para o segundo posto. Vários foram os fatores para que isso tivesse ocorrido: do lado agrícola, o cultivo prolongado da cana sem adubação e prevenção do solo, a falta de pesquisa para introdução de novas variedades de cana com maior teor de sacarose, a falta de irrigação e a impossibilidade (na maioria das usinas) de se fazer a mecanização da lavoura, dada à ondulação dos terrenos; do ponto de vista industrial: a deficiência do aproveitamento da maquinaria devido às safras prolongadas e a falta de renovação do equipamento.

A explicação para a crise da agroindústria açucareira não deve ser procurada apenas no conjunto de fatores já mencionados, mas também em outros que contribuíram para agravar a problemática do setor açucareiro, entre os quais a própria organização das regiões produtoras, onde a estrutura fundiária respondeu em grau variável, pela existência de terras ociosas e pelo excedente da força de trabalho, manifestos nos problemas sociais de desemprego, subemprego e êxodo rural.

Boa parte dessas indústrias sobreviveu, sobretudo, graças à baixa remuneração da mão-de-obra agrícola e ao sistema de preços do extinto I.A.A. que subsidiava a diferença de custo de produção entre o Nordeste e o Sudeste do país, resultando na posterior estagnação da indústria açucareira do Nordeste.

Essa crise pode ser traduzida através do fechamento de usinas e engenhos, liberando grande parte da sua mão-de-obra que emigrou para os núcleos urbanos da cidade (sede municipal, Charneca e Ponte dos Carvalhos), em busca de outras atividades econômicas.

Das cinco usinas do município, apenas a Usina Bom Jesus S.A. ainda funciona, embora tenha restringido as terras destinadas à cultura canavieira, já que vendeu partes para implantação de loteamentos populares no Distrito de Ponte dos Carvalhos, para a instalação de indústrias alimentícias e de bebidas, às

margens da BR-101 e para a construção da variante sul da BR-101, pelo Governo Federal.

A Usina José Rufino, como já foi devidamente mencionado no item anterior, foi desapropriada para instalação do Distrito Industrial e o Projeto de Colonização 2 no Município do Cabo de Santo Agostinho, que deveria ter sido realizado pela Companhia de Revenda e Colonização, como será mostrado a seguir.

Parte das terras da Usina Santo Inácio foi adquirida pela Cooperativa Agrícola de Tiriri, que posteriormente foi desapropriada para implantação do CIPS (Complexo Industrial Portuário de Suape), outra foi adquirida pelo BNH para a construção do Conjunto Habitacional Pirapama (conhecido como Vila da Cohab); outras foram doadas, como parte de indenização, aos ex-funcionários da usina e outra parte transformada no Loteamento Cidade Garapu, na década de 1990.

Quanto à Usina Sibéria, pouco se sabe acerca do ano de seu fechamento, mas em sua localidade formou-se o núcleo urbano do Distrito de Juçaral, o qual passou a absorver boa parte dos seus antigos funcionários. Muitos outros emigraram para Vitória de Santo Antão, dada à maior proximidade desse município com o núcleo urbano de Juçaral, em relação à cidade do Cabo de Santo Agostinho. Quanto às terras da usina, grande parte dela ainda é utilizada para o cultivo da cana para as usinas próximas.

Em janeiro de 1976, a Usina Maria das Mercês S.A. decreta falência, devido aos altos débitos contraídos junto aos bancos credores; depois ela foi penhorada pelo Governo do Estado. Suas terras foram utilizadas para efeito de reforma agrária e outra parte foi adquirida pela Cooperativa de Tiriri junto ao Estado, a fim de localizar os antigos moradores da área indenizada pelo CIPS à cooperativa.

Muitos moradores e ex-funcionários da usina deixaram a localidade, partindo para São Paulo, Recife e para a Vila da Charneca (distante 3 km a sudoeste do Distrito Sede do Município do Cabo de Santo Agostinho). Outro contingente permaneceu no núcleo urbano da usina, que é chamado de Vila Mercês, vivendo como trabalhador rural e cultivando pequenas lavouras de subsistência.