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3. AS FORMAS DE HABITAÇÃO E A QUESTÃO HABITACIONAL NA

3.1 As formas de habitação na Cidade Cabo de Santo Agostinho

3.1.1 O Núcleo Urbano Original

O Núcleo Urbano Original cresceu pelas atividades ligadas à cana-de- açúcar e às transações comerciais. As primeiras casas do povoado que deu origem à cidade foram edificadas em uma região colinosa, à margem direita do Rio Pirapama, sendo os moradores “mestres de engenho de açúcar, carpinteiros, ferreiros, pedreiros e oleiros, entre outros” (LUBAMBO, 1937).

Foi nessa porção colinosa que a Paróquia do Cabo foi erguida (1593), transformando-se no local de principal ponto de transações comerciais. E graças à sua posição geográfica privilegiada, tornou-se o ponto de entroncamento dos fluxos que vinham tanto da faixa litorânea, quanto das áreas mais ao sul da

“Região da Mata”.

Com o passar dos anos, a localidade cresceu, vindo a se tornar o principal centro econômico da Região da Mata Sul, principalmente na produção açucareira e nas atividades comerciais. Pode-se aferir que a cidade floresceu a partir do seu ponto central, que era a Paróquia do Cabo a qual, depois veio a ser consagrada como a Matriz de Santo Antônio (foto 11).

Foto 11: Rua Antônio de S. Leão em 1886 (detalhe da Matriz de S. Antônio ainda sem a torre).

Até o final da década de 1950, o Núcleo Original era também caracterizado como um local de residência (foto 12), onde também funcionava um pequeno comércio para atendimento das necessidades básicas da população local e das localidades mais próximas. Era nas suas ladeiras que se desenvolvia a feira-livre dos finais de semana, atraindo grande contingente populacional da zona rural, que vinha comercializar seus produtos e adquirir outros.

Foto 12: A Rua Antônio de Souza Leão em 1945, como local de residências (ao fundo a Estação Ferroviária. Os dois prédios indicados com setas vermelhas abrigam hoje o Supermercado Arco- Íris e o prédio indicado com seta azul, a Farmácia dos Pobres).

Fonte: PMCSA, Secretaria de Imprensa.

O Núcleo Original sofreu profundas mudanças quanto à sua forma e função, com o advento da implantação do Distrito Industrial do Cabo, a partir da década de 1960, transformando-se, paulatinamente, em movimentado centro comercial. As casas situadas nas ruas centrais (Antônio de Souza Leão e Vigário João Batista) foram transformadas em lojas de comércio e serviços (fotos 13 e 14), provocando a transferência dos seus moradores para ruas secundárias, assim como para o loteamento José Rufino (atual bairro de São Judas Tadeu)34, principalmente.

34 Embora tenha recebido esse nome, o bairro de São Judas Tadeu é mais conhecido como centro do Cabo, devido à sua proximidade com o núcleo original. Na década de 1970, porém, era chamado de bairro da Várzea ou “Vage” (adaptação da expressão popular), por localizar-se no vale do rio Pirapama.

Foto 13: Rua Antônio de Souza Leão, principal centro comercial da cidade (Matriz de S. Antônio ao fundo e detalhe para o Supermercado Arco-Íris).

Fonte: Alexandre Morais de Barros, 2003.

Foto 14: Rua Vigário de João Batista, predominantemente transformada em área comercial (detalhe para a Igreja Matriz de Santo Antônio ao fundo).

Fonte: Alexandre Morais de Barros, 2003.

Nos últimos vinte anos, o Núcleo Original foi transformado no principal centro de comércio e serviços da cidade. Até mesmo as ruas secundárias foram transformadas em áreas de comércio. Um dos causadores desse fenômeno foi o

processo de globalização da economia, impulsionado a partir da década de 1990, alterando os padrões da produção industrial.

A automação e informatização foram responsáveis por um considerável percentual de excedente de mão-de-obra, o chamado “desemprego estrutural”. Parte do contingente do setor secundário se viu obrigado a “migrar” para outros setores da economia, fazendo com que surgisse na cidade, no início da década 1990, considerável número de estabelecimentos comerciais, integrando o chamado “circuito inferior da economia urbana”. (SANTOS, 1979).

Foi a partir do Núcleo Urbano Original, também chamado de “centro antigo” (M. P. SANTOS, 2001), que a mancha habitacional se expandiu. Inicialmente, esse processo ocorreu em direção aos morros da cidade, originando as primeiras invasões e favelas (descritas a seguir). Depois, com o surgimento do loteamento José Rufino, na década de 1960, a expansão se direcionou para as áreas baixas, tendo sido essa localidade incorporada ao núcleo original, sendo chamada de

“centro novo”. (M. P. SANTOS, op. cit.).

No que se refere à concepção da existência de duas cidades dentro de uma única: a “cidade formal e a cidade informal” (MARICATO, 2002, p. 157), foi possível observá-la a partir do processo de sua expansão habitacional da Cidade do Cabo de Santo Agostinho. Enquanto a população proveniente do êxodo rural (pobre e descapitalizada) se dirigiu para os morros, originando as favelas e produzindo a cidade informal; a população do núcleo original e de outras localidades (não-pobre e capitalizada) se fixou nas áreas baixas, através do loteamento José Rufino (bairro São Judas Tadeu), produzindo, assim, a cidade

formal, através de regulamentação pelo Poder Público.

Atualmente, o centro antigo e o centro novo podem ser considerados como áreas privilegiadas da cidade, já que são dotados dos serviços, infra-estrutura e

equipamentos urbanos mais completos (fotos 15 e 16): ruas asfaltadas, com rede de esgoto, iluminação, água encanada, segurança, coleta de lixo, rede de transportes, escolas, hospitais, bancos, lojas, entre outros, sendo, portanto, o solo urbano mais caro e valorizado do Distrito Sede.

Foto 15: Avenida Historiador Pereira da Costa, no Bairro São Judas Tadeu - Loteamento José Rufino. Todas as suas ruas são pavimentadas (seta à direita indicando a Estação Ferroviária – ela representa o ponto de encontro entre o “centro antigo” e o “centro novo”).

Fonte: Alexandre Morais de Barros, 2003.

Foto 16: Avenida Presidente Getúlio Vargas, no Bairro São Judas Tadeu - Loteamento José Rufino. Detalhe da pavimentação das ruas. (à direita é possível observar a BR-101/ Sul).

É no centro antigo onde também se localizam os principais monumentos do patrimônio histórico-cultural da cidade: Igreja Matriz de Santo Antônio, prédio da Prefeitura Municipal, Mercado de Farinha, prédio da Filarmônica XV de Novembro, Casa da Cultura (atual Teatro Barreto de Menezes), Estação Ferroviária e um conjunto de igrejas e praças que compõem a parque histórico da cidade.

Para Castells e Borja, (apud ARAÚJO, 2000, p. 25) “as cidades passam a ser concebidas como atores políticos relevantes, capazes de assumir a centralidade das ações de intervenções nas diferentes esferas da vida social e de atuar como elo de articulação entre a sociedade civil, a iniciativa privada e as diferentes instâncias do Estado”. No caso da Cidade do Cabo de Santo Agostinho, o papel de articulação para a intervenção da iniciativa privada na vida social foi assumido pelo poder público local, através da implantação de infra- estrutura para a instalação de atividades comerciais e de serviços, o que levou a uma maior valorização do centro novo, principalmente por estar situado em área plana (várzea do Rio Pirapama).

Por se constituir no principal centro político, administrativo, histórico, cultural e econômico do município, o centro antigo e o centro novo são as áreas que recebem as maiores intervenções urbanísticas do poder público local, com a intenção de transforma-los numa “vitrine” de exposição das obras públicas e pelas exigências do setor terciário (por ser uma área privilegiada para o comércio), enquanto que os bairros mais pobres e as áreas de exclusão social (invasões) sempre receberam menor assistência no que tange ao fornecimento de serviços públicos (pavimentação, esgoto, segurança, etc.), como afirma Maricato (2002, p. 165) ao dizer que:

A tensão entre a cidade formal e a cidade ilegal é dissimulada. Além dos investimentos públicos no sistema viário, a legislação urbanística aplica à cidade “oficial” (“flexibilizada” pela pequena corrupção). Os serviços de manutenção das áreas públicas, da pavimentação, da iluminação e do paisagismo, aí são eficazes. Embora os equipamentos sociais se concentrem nos bairros de baixa renda, sua manutenção é sofrível. A gestão urbana e os investimentos públicos aprofundam a concentração de renda e a desigualdade. Mas a representação da “cidade” é uma ardilosa construção ideológica que torna a condição de cidadania um privilégio e não um direito universal: parte da cidade toma o lugar do todo. A cidade da elite representa e

encobre a cidade real. Essa representação, entretanto, não tem a função apenas de encobrir privilégios, mas possui, principalmente, um papel econômico ligado à geração e captação da renda imobiliária.

Ainda sobre este assunto é interessantíssima a assertiva de Harvey, ao afirmar que “atrás da máscara de muitos projetos bem-sucedidos, encontram-se sérios problemas sociais e econômicos, os quais, em muitas cidades, estão assumindo a forma geográfica de uma cidade dual: de um centro renovado cercado por um mar de pobreza crescente” (1996, p. 62).

Em geral, essas questões pontuais, quando acompanhadas de uma publicidade, leva a população a criar a ilusão de que ocorrem em toda cidade, o que não é verdade, já que, comumente, a periferia não é contemplada, pois representa pouco para o poder político e para o mercado, como diz Maricato (2002, p. 165-166):

Uma intensa campanha publicitária leva uma ficção à população: o que se faz em território restrito e limitado ganha foros de universal. Os investimentos na periferia não contam para a dinâmica do poder político, como os próprios excluídos não contam para o mercado. E o que é mais trágico, a priorização das políticas sociais freqüentemente não conta para os próprios excluídos cujas referências são a centralidade hegemônica.

Conclui-se que, embora seja o mais antigo e um dos menores espaços do município, o núcleo original e seu centro expandido35 é o setor urbano mais moderno do ponto de vista da infra-estrutura e dos equipamentos urbanos da cidade e do próprio município.