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2.3 Organização do trabalho pedagógico e currículo da Matemática na EJA: olhar formativo

2.3.1 Do olhar formativo à ação formativa: aprendizagem matemática em foco

Nas tramas dialógicas, os pronunciamentos e as expectativas das participantes da pesquisa nos instigaram na ampliação de nosso projeto de investigação, por se tratar de um compromisso ético, político e pedagógico com a modalidade e, nesse caso, com a Educação Matemática. Então, nos lançamos (todos os participantes da pesquisa) nesse desafio e iniciamos a elaboração de um material didático que, entre outras características: valoriza o contexto local

da EJA, aborda situações-problemas contextualizadas que partem do cotidiano, utiliza a conexão de saberes matemáticos com outras áreas do conhecimento, trabalha a perspectiva do letramento (as práticas de numeramento já mencionadas) e se fortalece com a teoria dos campos conceituais (VERGNAUD, 2009) visando à aprendizagem significativa (AUSUBEL, 1968; MOREIRA & MASINI, 2001; MOREIRA, 2015).

Pensar um trabalho articulado e sensível às especificidades dessa modalidade é não desprezar a possibilidade de oferecer condições de aprendizagem que tenha significado, principalmente quando se relaciona à Educação Matemática. Daí, tomamos a decisão de adotar uma vertente teórica que atendesse às necessidades desse contexto e que pudesse se estabelecer em meio a uma rede de conceitos.

Para atender a essa necessidade relacionada à aprendizagem e ao ensino da Matemática, recorremos à Teoria da Aprendizagem Significativa e à Teoria dos Campos Conceituais, de Ausubel e Vergnaud, respectivamente. Para nossa realização, conseguimos chegar a estudos de um pesquisador que é um dos maiores expoentes da teoria da aprendizagem na atualidade: Marco Antonio Moreira que trabalha com a ideia de Ausubel de que a aprendizagem significa e busca a relação com a teoria dos campos conceituais de Vergnaud. Essa perspectiva de aprendizagem foi se consolidando em nosso trabalho de pesquisa, por isso esses autores são convidados para dialogarem conosco. Então, como já nos propomos neste trabalho, vamos também apresentá-los.

Moreira é o gaúcho Marco Antonio Moreira, licenciado e mestre em Física; doutor em Ensino de Ciências pela Cornell University, nos Estados Unidos. Foi professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) no qual se aposentou como professor titular. É professor colaborador da Universidade de Burgos/Espanha e coordenador da Comissão de Pós-Graduação do Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física (MNPEF/Profis).

Ausubel foi o nova-iorquino David Ausubel, graduado em Psicologia e Medicina, doutor em Psicologia do Desenvolvimento na Universidade de Columbia, onde depois foi professor durante muitos anos no Teachers College. Foi também professor nas Universidades de Illinois, Toronto, Berna, Munique e Salesiana de Roma. Nos últimos anos de vida, dedicou-se a escrever sobre Psicologia da Educação: uma visão cognitiva. Faleceu em 2008.

Vergnaud é o francês Gerárd Vergnaud, matemático, filósofo e psicólogo. Formado em Genebra, compôs o segundo conjunto de pesquisadores doutorados por Jean Piaget. Professor emérito do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), em Paris. É pesquisador em didática da matemática e elaborou a Teoria dos Campos Conceituais.

A contribuição de tais teorias está totalmente voltada para a organização do trabalho pedagógico do professor, pois, em primeira e última instância, tem relação com o compromisso de aprendizagem de professores(as) e alunos(as). A matriz cognitiva dessas teorias é a aprendizagem e seus autores preocupam-se com o modo como o sujeito aprende, as condições de aprendizagem, a utilidade e a valorização dos campos de conhecimentos na vida cotidiana.

Para a Teoria da Aprendizagem ausubeliana, de todos os elementos que influenciam na aprendizagem, o mais importante é aquilo que o aluno já sabe (AUSUBEL, 1968). Essa é a premissa mais importante quando se diz da relação com a modalidade EJA, porque o que se pretende é que os conhecimentos prévios dos alunos sejam valorizados e ampliados. Esses conhecimentos iniciais são denominados subsunçores, na teoria ausubeliana. Nesse sentido, o teórico defendeu que a aprendizagem implicava a organização e integração das informações na estrutura cognitiva, ou seja, os primeiros significados serviam de pontos de ancoragem para outros significados mais amplos.

Moreira e Masini (2001, p. 13) explicitaram do seguinte modo:

Quando se fala em aprendizagem segundo o construto cognitivista, está se encarando a aprendizagem como um processo de armazenamento de informação, condensação em classes mais genéricas de conhecimentos, que são incorporados a uma estrutura na mente do indivíduo, de modo que esta possa ser manipulada e utilizada no futuro. Esse modo de pensar vai ao encontro do entendimento de que o conhecimento inicial que o(a) jovem, o(a) adulto(a) e o(a) idoso(a) trazem para a escola estão incorporados em suas mentes e podem sofrer modificações, a fim de que se torne um conhecimento mais escolarizado e mais significativo para suas vidas. No entanto, é imprescindível que sejam oferecidas condições para que a aprendizagem tenha significado e uma das formas de fazer isso é construir um ambiente letrado com várias situações-problemas diferentes, abordando o mesmo conteúdo matemático. Acerca desses conhecimentos prévios, Freire denominou de conhecimentos de experiência feitos (1996, p.64) que correspondem aos saberes acumulados que os sujeitos apresentam e que pela curiosidade epistemológica vão sendo ampliados e (re)significados.

Em nossas ações, trabalhamos com conjuntos de situações, a fim de evitar uma Matemática memorística que culminasse na aprendizagem mecânica que, segundo Moreira e Masini (2001, p. 18), “envolve informações com pouca ou nenhuma interação com conceitos relevantes existentes na estrutura cognitiva”. Essas ações têm relação direta com os conteúdos matemáticos trabalhados na perspectiva do letramento e serão descritos e analisados no capítulo seguinte.

No que compete à contribuição da Teoria dos Campos Conceituais, o trabalho só ficou mais rico por entendermos que a aprendizagem é progressiva e envolve certo nível de complexidade. É nessa perspectiva que essa teoria vai ao encontro de Ausubel, pois, segundo Vergnaud, os conhecimentos precisam ter sentido para que se tenha uma aprendizagem com significado. Os conceitos mais importantes dessa teoria são os conceitos de: esquema, situação, invariante operatório (teorema-em-ação e conceito-em-ação) e também a concepção do que é um conceito.

O próprio autor explica de vários modos o que é um campo conceitual. Assim, utilizamos, para ampararmos nossas ações, o entendimento de que se trata de um conjunto de problemas e situações que requer conceitos, procedimentos e representações de tipos diferentes e intimamente relacionados (VERGNAUD, 2009).

A esse respeito, Moreira (2015, p. 16) elaborou um mapa conceitual em que enfatizou as relações entre campos conceituais e aprendizagem significativa. Esse esquema traduz o contexto de formação e aprendizagem constituído na escola onde realizamos a pesquisa, daí a justificativa para trazermos neste trabalho.

Figura 2: Esquema conceitual para a teoria dos campos conceituais relacionando-a com a aprendizagem significativa

O eixo orientador de ambas as teorias é a aprendizagem. Assim, consideramos que não apenas o aluno, mas principalmente o professor precisa centrar sua prática pedagógica na aprendizagem de conceitos e concomitantemente na aprendizagem significativa. Elas estão intimamente relacionadas, conforme antecipou Moreira (2015, p. 15) sobre o esquema anterior:

À luz da teoria dos campos conceituais se percebe que a aprendizagem significativa é progressiva. Há uma relação dialética entre a conceitualização e o domínio de um campo conceitual. Enquanto vai dominando mais situações, em crescentes níveis de complexidade, mais o sujeito conceitualiza e vice-versa, quer dizer, quanto mais conceitualiza mais situações domina. E nessa dialética a aprendizagem vai ficando mais e mais significativa, os subsunçores vão ficando mais elaborados, mais ricos, mais diferenciados e mais capazes de dar significados a novos conhecimentos.

Esse modo de conceber a relação entre as teorias nos ajuda a compreender melhor o que ocorre na aprendizagem da Educação Matemática, pois, olhando o lado esquerdo do mapa conceitual, observamos que, para construção do conceito, há elementos essenciais: o significante (representações simbólicas); o significado (invariantes operatórios); o referente (conjunto das situações). Todos esses elementos foram considerados na construção das situações-problemas matemáticas contextualizadas as quais trabalhamos com as professoras e os(as) alunos(as) da EJA. Como já pontuamos, o material e as estratégias serão descritos no capítulo seguinte.

Vale ressaltar que o material começou a ser elaborado com base no contexto da EJA sinalizado pelas professoras durante as formações, solicitado pelos(as) alunos(as) em roda de conversa na sala de aula, observado na imersão da pesquisadora. Somado a isso, utilizamos o Currículo em Movimento da EJA com o direcionamento de conteúdos matemáticos, a Proposta Curricular Nacional, os cadernos do Projeto em Início de Escolarização − Módulo IV: Matemática e Cultura (MUNIZ; BATISTA; SILVA, 2008) e estabelecemos relação com o acervo teórico utilizado na pesquisa, conforme citado ao longo deste trabalho.

Nossa intenção com essa produção teórica é disponibilizá-la para professores(as) e alunos(as) das escolas de EJA que manifestarem interesse pelo material. Decidimos priorizar o trabalho sem abordar os conteúdos como se estivessem em caixinhas separadas. Por exemplo: trabalhamos as operações dentro da perspectiva da Teoria dos Campos Conceituais que Vergnaud (2009, p. 29) definiu como “o conjunto de situações cujo domínio progressivo pede uma variedade de conceitos, de esquemas e de representações simbólicas em estreita conexão; o conjunto de conceitos que contribuem com o domínio dessas situações”.

A diversidade de ações criadas e utilizadas nos processos formativos, além de atenderem à demanda da EJA, também foi validada entre professores(as) e alunos(as), a fim de que tivéssemos resultados concretos: o rompimento das situações-limite e a constituição dos inéditos- viáveis. Antes de ser disponibilizado, o material ainda precisará da análise crítica de especialistas

com habilitação na área da Matemática, para não incorrermos em erros conceituais importantes. Dito isso, ressaltamos que os conteúdos matemáticos foram trabalhados em conexão com outros saberes e os principais serão detalhados ainda nessa escrita, no capítulo seguinte que traz a análise das informações, das ações, das significações.

Por todos esses motivos, já sinalizados, mais uma vez chamamos a atenção para a necessidade dos processos formativos para os professores que ensinam Matemática nos anos iniciais da EJA, porque estes têm se tornado importantes espaços de constituição de acervo teórico e metodológico para esses profissionais. Todas as ações empreendidas têm resultado na constituição de inéditos-viáveis, além de contribuir para o desenvolvimento profissional docente, se considerarmos o envolvimento de esforços do coletivo para sua assunção teórica e prática, no bojo de uma práxis transformadora e emancipadora.

Esses processos contínuos de formação são viáveis quando da aproximação universidade e escola, de pesquisadores(as) e professores(as) da Educação Básica com propósitos definidos: sonhar, estudar, criar (FREITAS, 2001) um corpus de conhecimentos úteis, válidos e necessários para todos(as) os(as) que fazem a modalidade EJA. Ao refletirmos sobre essa relação entre instituições e seus profissionais, sentimentos a necessidade de buscar aprofundamentos teóricos acerca dos elementos conceituais importantes no nosso trabalho investigativo e que endossam as discussões que temos feito ao longo do texto. Por isso, buscamos dialogar com autores de nosso tempo acerca de conceitos importantes para o desenvolvimento deste trabalho de tese, conforme se pode conferir a seguir.

2.4 O diálogo tecido com autores de nosso tempo sobre letramento, formação de