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Percebi que muitos dos alunos saíam antes da metade e então, a partir do 4º espetáculo passei a entregar a todos os que saíam as questões: “Por que você saiu do espetáculo?” e “Quais são os motivos pelos quais você não gostou do espetáculo?” numa

tentativa de compreender os motivos pelos quais saíam. Curiosamente, não houve um número de saídas grande nos 2 espetáculos de teatro que se seguiram, ao contrário do que aconteceu nos de música, e à medida que o público se habituou à dinâmica dos espetáculos (o fato de ter a luz apagada e de se exigir o mínimo de silêncio) o comportamento foi mudando. A algazarra e os gritos eufóricos, comuns aos shows ao ar livre, foram dando lugar, pouco a pouco, a uma disposição menos tumultuada.

No espetáculo de música da região sudeste do Brasil com o grupo “O quinto”153 cujo interesse está na pesquisa e divulgação de repertórios tradicionais menos explorados pelo mercado cultural tendo como enfoque o mundo caipira, colhi algumas respostas significativas para as saídas:

1. “Porque não gostei da música eu gosto de pagode”.

2. “Porque eu não gosto de lugar com silêncio. O tipo de música não me agrada. Seria melhor um cantor famoso”.

3. “Porque eu não gostei. Porque as músicas são muitos moles e faz as pessoas dormirem”.

4. “Não gostei porque eles são muitos engraçado, prefiria um pagode. Porque queria que fosse um pagode e seria muito mais divertido, mas fiquei só um pouco”.

5. “Porque eu não gostei. Eu não gosto dessas músicas, prefiro pagode, forró, romântica”.

6. “Porque tenho que entregar um trabalho no colégio. Eu gostei, mas não pude ficar”. 7. “Porque eu tenho um compromisso. Eu gostei muito”.

153 Os músicos que formam o grupo O quinto são: Alexandre Luiz: violão, viola e voz/ Eduardo Camenietzki:

8. “Porque não gostei do grupo e também porque eles não são estilo. Meu etilo de musica é diferente, é pagode, REF e FEK”.

9. “Nada contra o espetáculo, são problemas particulares. Gostei muito, super interessante”.

10. “Por motivos pessoais, gostei sim”.

Excetuando-se as 4 respostas que apontam outros problemas, e que, na verdade, não passam de desculpas já que estavam ali no horário de aula e voltariam à escola depois, todos apontaram para o problema do gosto pessoal. É como se dissessem: não estou aberto a novas experiências. Não há disponibilidade para parar e ouvir ou assistir a algo que não faz parte do cotidiano, que não está na mídia e não é conhecido: fica clara a falta de hábito de lidar com o não familiar. Colocando-se essas respostas em relação com as do questionário, salta à vista uma certa incoerência: o sertanejo, ao lado de rock e MPB, foi um dos estilos musicais mais indicado na preferência dos alunos. O que pode explicar tal contradição é a preferência pelos grupos e cantores do rádio, dos shows dos grandes eventos e, principalmente, pelos grupos que têm algum prestígio criado pela mídia. Veja-se a resposta: “seria melhor um cantor famoso”. Os que dizem não gostar de música sertaneja guardam um certo preconceito em relação aos que gostam: música sertaneja é coisa de “povão”, de “gente antiga e não de jovens”. Essas respostas não foram dadas na hora de escrever, mas aos cochichos entre o grupo que saía. Quando solicitados a escrever, a resposta foi “não professora, é que não gosto, só isso”. Ao que parece, há um certo receio em se comprometer com a resposta escrita como se daí pudesse vir alguma repressão. Alguns alunos deixaram claro esse desprestígio da música sertaneja, do funk e do pagode no questionário.

Uma das respostas aponta para a questão do silêncio, reforçando os sinais da falta de familiaridade com espetáculos em locais fechados, e da falta de disposição para ouvir. Os shows em locais públicos se prestam muito a um comportamento de passeio, de encontro com os amigos, para além da música que toca ao longe, num palco distante. Estar num ambiente pequeno, fechado e próximo ao artista estabelecendo um contato com o olhar e com a audição silenciosa, é uma disposição que precisa ser aprendida.

As respostas colhidas no espetáculo de música Gentil do Orocongo,154 foram

bastante diferentes, pelo menos enquanto escritas, e, excetuando-se duas delas, tentam camuflar a questão do gosto. Há uma certa polidez nas respostas:

1. “Tempo. Adorei”.

2. “Pois estava um pouco chato. Não é que não gostei mas é que estou com sono e quero ir pra casa”.

3. “Porque eu tava com vontade. Porque não faz meu estilo”. 4. “Estava desenteressante. Não gosto do estilo africano”.

5. “Porque não consigo entender nada. Não é q não gostei é o motivo acima”.

6. “Pois não consigo entenders nada. Não é que não gostei apenas é motivo ali de cima”.

7. “Porque tinha um compromisso. Muitos”.

8. “Interesse em outro tipo de instrumento. Muito interessante esse tipo de instrumento e a receptividade”.

9. “Compromissos inadiáveis”.

154 O orocongo é um instrumento monocórdico fabricado artesanalmente. O programa executado por Gentil do Orocongo inclui músicas como a ratoeira, as aves ficaram triste, cacambi, boi de mamão, moçambico do

10. “Tinha assunto a resolver. Gostei muito mas não deu tempo”.

11. “Não é meu estilo de música, mas, respeito todos que gostam. Gostei da criatividade do instrumento”.

12. “Saí porque tenho que ir à casa de minha mãe. Gostei, mais poderia ser melhor porque poderia ter mais coisas diferente mais opções divertida”.

13. “Tenho que ir na escola para pegar o material. Gostei pois suas músicas tinha sons de nina canções antigas”.

14. “Estava cansado e com falta de ar. Eu adorei, pena que estava calor!” 15. “Acho que já escutei bastante, estou satisfeita. Eu gostei”.

16. “Realmente estava com vontade de sair. Não gostei muito, não que ele seje ruim, mais é que eu realmente não gostei”.

A fala de seu Gentil do Orocongo era de difícil entendimento. Foi necessário ficar muito atento e concentrado: falava rápido e um pouco baixo. Estava sozinho no palco iluminado, apenas com seus orocongos. O público foi colocado propositalmente muito próximo do músico e quem quisesse sair ou conversar com os amigos não poderia fazê-lo discretamente. Esse modo de disposição não permitiu que saísse um grupo ao mesmo tempo obrigando-os a ficar e ouvir um pouco, o que, provavelmente, quebrou a indisposição inicial. O fato de se ter criado uma atmosfera de silêncio, seriedade e de valorização dessa música tão pouco conhecida talvez tenha causado certa inibição para uma resposta do tipo "não gostei". Por isso deram desculpas e se justificaram tanto com respostas equivalentes, ou pelo menos, ambíguas: “acho que já escutei bastante, estou satisfeita...”, ou então trataram de dizer que embora não tenham gostado muito, não é o caso de dizer que ele seja ruim. As respostas mostram um discurso um pouco mais modalizado.