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Entender o homem como pessoa é semente de onde brota o personalismo; cabe indicar como se dá esta gênese. Segundo Mounier, o termo foi utilizado por Charles Renouvier (1815-1903) em 1903 para classificar sua própria filosofia, também por Walt Whitman (1819-1892) em suas

Democratic Vistas29 em 1871, seguidos por vários autores americanos.

Novamente veio a ser utilizado na França por volta de 1930 com outro enfoque, tendo como instrumento de divulgação o movimento Esprit e também alguns

grupos inconformados com as crises que se alastravam pela Europa: “A história da pessoa será assim paralela à história do personalismo. Não se

desenvolverá somente no plano da consciência, mas, em toda a sua grandeza, no plano do esforço humano para humanizar a humanidade” (Mounier, 1950, p.10).

Na Breve história da noção de pessoa e de condição pessoal (Cf. 1950, p10-11), Mounier retraça o percurso dessas noções, verificando que da Antiguidade até os alvores do cristianismo, o sentido da noção de pessoa se manteve embrionário. A questão da pessoa, não teria sido perscrutada pelos filósofos pré-socráticos, pois havia uma preocupação específica em desvendar o cosmos, através de princípios racionais, sendo a grande questão, a constituição do universo.

Sabe-se o termo “pessoa”, no latim “persona”, significa máscara e tem o mesmo sentido do vocábulo grego “πρόσωπoν”. A máscara está intimamente ligada ao personagem do teatro trágico grego. O ator mascarado é o dramatis

persona. A sua fala é dirigida ao público: por vezes se faz derivar do termo persona, do verbo persono (infinitivo: personare), “soar através de algo”, que

neste caso, é a máscara. Portanto, o ator é um personatus (Cf. Mora, 2001,

29 Obra de Walt Whitman (um dos mais importantes poetas dos EUA foi pioneiro do verso livre, do tratamento poético cotidiano, difusor da abolição da escravatura, dos direitos da mulher, do amor livre e do desenvolvimento tecnológico). Democratic vistas é um ensaio que questiona a corrupção social e política do governo norte americano. Esta obra pertence a um contexto ímpar, pois em 1871 ocorre a Exposição Internacional de Nova Iorque, onde Whitman declama alguns de seus poemas inéditos. Publica a quinta edição de Leaves of grass e também neste mesmo ano, o Democratic vistas. Tal ano é importante, pois é o período da emancipação do negro e da emenda à constituição que garante o direito de voto do mesmo.

p.2262). Além disso, Jean-Pierre Vernant, em um artigo intitulado O momento

histórico da Tragédia na Grécia: Algumas condições sociais e psicológicas,

aponta um dado importante sobre a “origem” da máscara. Prefere falar de “antecedentes” ao invés de “origem”, para que não haja o equívoco de se tratar de um falso problema. Portanto, nos enganaríamos se pensássemos na máscara da tragédia, como máscaras de rituais primitivos, ou seja, como transvestimento religioso (apesar de haver parentesco). “É uma máscara humana, não um disfarce animal”. Seu papel é estético, diferente do ritual, mas, por outro lado, mantém viva a religião cívica do culto aos heróis. A máscara serve também para distanciar e diferenciar os coristas, ou melhor, o coro (no sentido de um personagem coletivo, encarnado por um colégio de cidadãos), do personagem trágico, aquele que, sob uma máscara individual, representa o herói (Cf. Vernant, 2005, p.1-2). O personagem, o herói (Héros), representa todos os cidadãos diante dos erros. Importante lembrar que o teatro trágico tinha por finalidade promover a catarse purgatória dos erros (hamartía) da comunidade, de toda a pólis, e não somente do indivíduo em particular.

O erro sendo, no entanto, sempre comunitário, proveniente do modelo de identidade que cada homem tem e que emana da própria comunidade, está dependente – para ser dito um erro – do modo de valorar do conjunto. A identidade de cada um é a do todo, de modo que o erro cometido não é responsabilidade de um homem, mas é previsível por todos, aceito e expurgado conjuntamente, apesar de praticado por alguns (Gazolla, 2001, p.27).

Para Mounier, quando Sócrates colocou o conhecimento à prova no “Conhece-te a ti mesmo”, ele se tornou o mentor de uma nova perspectiva, da primeira grande revolução personalista já conhecida: a necessidade de saber, de conhecer quem é o homem, de preferência à pretensão de conhecer o universo.

Platão prosseguiria com o trabalho de Sócrates culminando na ideia do homem dual, corpo e alma, uma diretriz de sua filosofia e de onde partiria a consideração da alma como a responsável pelos processos cognitivos e as virtudes, sendo, portanto, a que detém a primazia. O corpo era apenas sua morada temporária que a mantinha presa ao mundo das aparências. O objetivo da alma seria superar os erros, preservar as virtudes, aprimorar-se, atingindo o

inteligível. Para Aristóteles, a alma ainda continua sendo a diretriz que se desmembra em duas dimensões, a racional e a política, que, através da pólis e da aspiração pelo saber, tornavam-se condições mestras para a felicidade do homem.

A questão da pessoa adquire relevância a partir do advento do cristianismo, quando o valor absoluto do ser humano passa a ser considerado um elemento da revelação cristã, não voltada ao gênero humano de modo abstrato, mas voltada aos homens enquanto sendo filhos de Deus e constituindo um povo, o novo Israel. No cristianismo, a pessoa foi visualizada não apenas como simples elemento de fé. Tanto na patrística como na escolástica, o tema da pessoa suscitou profundas reflexões culminando em elaborações técnicas que visavam ao entendimento da fé (Zilles, 1993,

passim). Foi o Bispo de Hipona, com pensamento filosófico de influência

platônica, que se enveredou a desvendar e explicar a “Trindade Divina”, deparando-se com um dilema: como conferir a um só Deus esta tríade, sem lhes furtar a integridade e a singularidade? Tinha em mãos os termos gregos, essência e ente, mas não lhe ofereciam respaldo, pois a verdade, nestas palavras, era considerada no sentido de adequar-se como intenção. Diante do problema, a solução estaria na palavra grega hipóstase, ou seja, substância primeira e que vem a derivar na palavra “pessoa”. Desta forma consegue fundamentar sua argumentação, conferindo a cada pessoa da Trindade sua singularidade e completude. Mas, Agostinho deparou-se com outra questão, quando, ao se tratar de reflexões de um ente diante de si, este passava a ser objeto de suas próprias preocupações, deparando-se com o “eu”, denominado por ele “existente real”, que se confrontava com o mundo interior.

Urbano Zilles descreve que o reconhecimento do desenvolvimento do “eu” e da “pessoa” aparece com a definição de Boécio, para quem, a pessoa era uma “substância individual de natureza racional” (eu), concluindo que o homem é uma entidade subsistente e completa (auto-suficiente). São Tomás de Aquino amplia o universo do conceito “vida”, e lhe confere o atributo da incomunicabilidade, o que significava que cada homem possuía o seu status ontológico, sendo inviolável, insubstituível, único, dissociado de “outro”, ou, sendo mais exato, tornava-se “pessoa”. Vale citar que Boécio possui fortes

ligações com Aristóteles, mas diferem nesta questão, em que o primeiro situa- se num contexto teológico no qual a pessoa encontra a felicidade suprema com o encontro com Deus. Imagem Deste no homem, como sendo o ideal ético cristão, ao passo que Aristóteles resume seu ideal de felicidade em duas palavras: sophia e phrónesis, a sabedoria teórica e prática, ou seja, o estado mais elevado de felicidade encontra-se na contemplação superior da alma e consequentemente, no bem viver na pólis.

Com René Descartes, surge um novo conceito de pessoa, relacionado com a autoconsciência, não mais definida com relação à autonomia do ser; o “eu” consiste nesta “consciência”, pois pensa a si mesmo. Mounier procura pôr em evidência a contribuição própria de Descartes:

É costume relacionar com Descartes o racionalismo e o idealismo modernos, que dissolveram na ideia a existência concreta. Esquece-se assim o caráter decisivo e a complexa riqueza do cogito. Ato de um sujeito, tanto como intuição de uma inteligência, é afirmação de um ser que rompe com os intermináveis cursos da ideia e se assume como autoridade na existência. O voluntarismo, de Ockam a Lutero, tinha preparado esses caminhos. Daí para adiante a filosofia deixa de ser uma lição que se aprende, como era costume na escolástica decadente, para ser uma meditação pessoal, e a cada um é pedido que, por sua conta, a refaça (Mounier, 1950, p.13).

Tratar-se-ia, de acordo com Mounier, de uma conversão, como a do pensamento socrático voltado a uma conversão à existência, mas exatamente neste momento, a jovem burguesia se revolta contra a estrutura feudal e, em sua reação, exalta o individualismo econômico e espiritual. Da mesma forma, Mounier salienta que o cogito de Descartes, apesar de seu valor, abala o personalismo clássico, de Leibniz aos kantianos, devido aos “germes do idealismo e solipsismo metafísicos” nele contidos.

Quanto a Hegel, Mounier mostra sua oposição ao dizer que este trata de dissolver todas as coisas, todos os seres de acordo com sua representação: “não foi por acaso que ele veio defender a total submissão do indivíduo ao Estado” (Ibid., p.13). Prossegue dizendo que o personalismo não deve se esquecer da história de Leibniz a Kant, e a dialética da pessoa de todo esforço de reflexão do pensamento idealista.

Kierkegaard, em paralelo com Marx, também questiona Hegel por referir-se ao espírito abstrato e não ao homem concreto, sujeito criador de sua história.

Vale lembrar que o personalismo de Mounier tem como precursor, o francês Maine de Biran; salienta ter este penetrado no âmago da raiz da pessoa e em sua zona de emergência.

A interrogação sobre a “pessoa” vem a adquirir uma importância total, em relação à singularidade e complexidade de seu ser, a partir do século XX, com os filósofos Charles Renouvier, Martin Buber, Max Scheler, Gabriel Marcel, Maurice Nédoncelle, Romano Guardini, Paul Ricoeur, Martin Heidegger, Edgar Sheffield Brightman, sem falar do próprio Mounier. Autores que dizem ser a pessoa constituída não só de espírito, mas também de matéria; não só alma, mas também corpo; não apenas de pensamento, mas perpassa este. Pertencentes a correntes filosóficas diversas, os pensadores mencionados, buscavam superar a visão intelectualista que prevalecera durante a época moderna a partir de Descartes, uma visão reducionista da realidade humana ao pensamento que, com o idealismo, havia sacrificado novamente, como ocorrera na filosofia grega, o singular ao universal.

A fenomenologia existencial veio oferecer a visão do homem concreto e criador de sua existência, enquadrando-o como pessoa singular, superando a visão negativista do humano, estigmatizada por séculos.

Renouvier, ao publicar sua obra de título O Personalismo, propõe fundamentos de toda investigação filosófica no universo do homem em sua concreção e individualidade. Para ele, o caráter específico da pessoa humana seria o conhecimento, mas diferente do conhecimento dos idealistas, com referência ao criativo e também ao caráter fenomênico como afirmava Kant. Seu pensamento possuiria, assim, abertura para o mundo e para o absoluto, o que levaria o homem a reconhecer a existência de uma pessoa primeira e criadora. Ao reconhecer sua existência, impõe-se, por harmonia das leis que regulam os entendimentos dos seres inteligentes, uma representação: “A hipótese de um mundo existente por si, eterno, não é mais de um mundo que possa dar razão a si mesmo da sua existência” (Mondin, 1983, p.288).

Sob o impulso de Renouvier, emergem os personalistas franceses, dentre eles Mounier, que busca no personalismo uma concepção de pessoa humana dotada de movimento progressivo de personalização. É através do corpo que nos relacionamos com o mundo, pois a pessoa não é um objeto que se fragmente ou separe, mas uma reorientação do universo, que por ela se edificou buscando-a: “... iluminar nos seus diversos planos as estruturas, sendo preciso não esquecer que esses planos não são mais do que incidências diferentes sobre a mesma realidade” (Mounier, 1950, p.17). A pessoa, nesta visão de Mounier, como diz Alino Lorenzon (1996, p.7), apresenta-se com a característica de

comportar-se face à história e ao acontecimento, não como simples espectador, mas como um ator. Não se tratava simplesmente de criticar a história, ainda que da maneira mais objetiva, mas de pressioná-la, tendo sempre o cuidado de não separar o pensamento da ação. No centro dessa dialética é que deverá colocar sempre a pessoa, isto é, pessoa concreta e histórica. Estudar os problemas humanos, sim, mas simultaneamente lutar pelo homem no processo de personalização individual e comunitária.

A dicotomia corpo-alma é refeita através da existência encarnada, dando nova dimensão ao livre-arbítrio, pois o homem é uma unidade de corpo e alma e numa visão personalista - principalmente para o cristão, aquele que fala com desprezo do corpo, da matéria - trai a mais central tradição, pois o homem é um ser natural e seu corpo faz parte da natureza. Então, ao tomar consciência de si, o homem real ultrapassa as teorias; no exercício de sua vida, principalmente em períodos de decadência humana, como as guerras, campos de concentração e miséria em todos os âmbitos, a presença da pessoa sempre se fará de forma conflitante, pois reflexão e ação exigem movimento, atitude pessoal, compromisso, cuja abrangência comunitária, ética e social são abarcadas.

Diante do que foi exposto, ainda resta uma pergunta: O que é a pessoa para o personalismo de Mounier? Mounier, ao referir-se à pessoa em sua obra

Manifeste au service du personnalisme (Principes d’une civilisation personnaliste - 1936), apresenta esta questão. Em resposta, ele inicia dizendo

o que não é a pessoa: não é indivíduo, pois este é egocêntrico (impessoal), avaro e singular; não é consciência que alguém tem de si mesmo, pois para

ele, cada homem pode criar várias representações de si. A pessoa é um absoluto, vale por si mesma. Ela é dotada de dignidade intrínseca (dignidade humana). A pessoa jamais poderá ser um meio, terá que ser sempre um fim (Peixoto, 2001, p.105). Tal pensamento conduz Mounier à elaboração de cinco aspectos fundamentais para diferenciar a “pessoa” do “indivíduo”.

Primeiro, para ele não existe a experiência imediata da pessoa. Quando esta tenta apreender-se, aparecem-lhe as multiplicidades que a dispersam. Tudo a princípio é difuso, fuga de si e excitação, espécie de fantasia interior: “dissolução de minha pessoa na matéria” (Mounier, 1961, t.I p.525). Movido por estas influências, aí se encontra “indivíduo”. Porém, a individualidade não é simples entrega passiva às percepções, às emoções e reações. A individualidade abriga uma exigência mordaz, um instinto de “propriedade”. É através deste instinto que o homem inveja, apossa, reivindica e depois firma na propriedade as suas defesas: “Dispersão, avareza, eis as duas marcas da individualidade. A pessoa é domínio e escolha, é generosidade. Ela é, portanto, na sua orientação íntima polarizada, justamente o contrário do indivíduo” (Ibid., p.525).

O personalismo repudia todo tipo de extremismo, como o espiritualismo do espírito impessoal ou o racionalismo da ideia pura que desconhece a pessoa. Para Mounier, existe na pessoa a substância da encarnação, que é a tensão dinâmica bipolar de dispersão e concentração, em que corpo e alma transcendem (transcendimento – Cf. nota n° 31) ao m esmo tempo. Mas, para energizar estes polos, antes carece suprir a exigência do atendimento material, atender às necessidades mínimas de bem-estar e segurança, para depois despertar a vida pessoal.

O indivíduo encarnado apresenta o lado irracional da pessoa. A pessoa é polarizada por estar em sentido contrário ao da individualidade. Nessa tênue linha que percorre a pessoa em sua transformação pela personalização, emerge o segundo aspecto, o da consciência, que é um avanço para além da dispersão da individualidade. Mounier os trata como esboços sobrepostos da

personalidade:

Personagens que eu represento, nascidas da aliança do meu temperamento com o meu capricho, que frequentemente se mantêm ou reaparecem por

surpresa; personagens que fui e que sobrevivem por inércia, ou por covardia; personagens que eu creio ser, porque as invejo, ou porque as recito, ou porque deixo que imprimam em mim a moda; personagens que eu desejaria ser, e que me garantem uma boa consciência porque acredito sê-las (Mounier, 1961, t.I, p.527).

Ao se aprofundar um pouco mais, para além dos personagens, chega-se aos desejos, às vontades e esperanças. Estes apelos obstinados aparecem rapidamente, são “estreitos contra a vida” e juntamente com as ações, julgam apreender a pessoa. Desses resultados, muitos estão contaminados de vários tipos de retórica, e as melhores, infelizmente são estranhas.

Por iniciativa, numa ordem mais íntima, mesmo que ainda à deriva, a pessoa caminha para uma orientação profunda, uma unificação da descoberta progressiva de um princípio espiritual, ou seja, sua “vocação”.30 Cabe à pessoa, somente a ela, descobrir sua vocação que será unificante, pois o seu fim é de alguma forma o modo interior que a aproxima da humanidade e ao mesmo tempo a torna singular.

Não se experimenta diretamente a realidade completa da vocação, pois o conhecimento e a realização da pessoa é sempre simbólico e incompleto: “A minha pessoa não é a consciência que eu tenho dela” (Ibid., p.529). Nesta fase, o esforço pessoal ainda se confunde com a dispersão do indivíduo e as representações dos personagens. Para se chegar à pessoa (terceiro aspecto), é preciso um esforço constante de superação (dépassement) e despojamento (dépouillement), ou seja, de renúncia, de privação e espiritualização, uma situação limite de sacrifício e dor. Mounier acompanha o pensamento de Nikolai Aleksandrovich Berdiaeff (1874-1948): “... viver como uma pessoa é passar continuamente da zona em que a vida espiritual é objetivada, naturalizada à realidade existencial do sujeito”.31 A pessoa é “mistério”, é

30 A palavra vocação está gasta pelo uso que fazem dela, escreve Mounier. Confundem- na com a vocação profissional, temperamento, aptidões, caráter, componentes de constituição psíquica. A vocação transcende a existência. Vincula-se ao mistério da liberdade. É ruptura quanto a tudo que abafa a voz ou desvia o sentido da autenticidade, portanto, ela exige proteção e vigilância, uma virtude natural e sobrenatural de silêncio, afim de que, passo a passo, caminhe rumo ao íntimo, intimius intimo meo. Assim, a pessoa será preenchida não somente pela imagem e semelhança de Deus, mas será inundada pela vida íntima de Deus, por prestar a Ele, a confirmação de seus pedidos (Cf. Mounier, 1961, t.I, p.750, 751).

31 O sujeito aqui mencionado possui um caráter, um modo de ser espiritual, um apelo à intimidade do ser, uma capacidade de transcendimento (esforço constante de superação e despojamento). Não se trata do sujeito biológico, social, psicológico ou o sujeito do

protesto contra a superficialidade, esforço que diferencia um homem de outro, pela singularidade, vocação e, acima de tudo, qualidade interior.

Ao desenvolver o quarto aspecto, Mounier falará da liberdade espiritual e solicita atenção, para não a confundir com a liberdade do liberalismo burguês, que é vazia de toda a fé. A liberdade da pessoa é a própria procura e descoberta de sua vocação, são os meios para se realizar a liberdade de assunção, de adesão e compromisso renovado com o espírito libertador.

É dever de todo regime institucional favorecer as pessoas, as vias do encontro libertário, a ele cabe: 1) não aceitar qualquer forma de opressão; 2) estabelecer margens de independência diante das pressões sociais; 3) organizar todo aparelho social sobre o princípio da responsabilidade pessoal, oferecendo maior liberdade de escolha (Mounier, 1961, t.I, p.534).

Para o último aspecto, alude-se à “comunhão” entre a pessoa e a comunidade. No percurso do individualismo à personalização, a pessoa atravessa momentos do mais baixo estado de tensão e agressividade, ao mais alto, assim, como o herói, “termo supremo”. Mounier cita algumas vias do heroísmo, como as do estóico, do nietzscheano e do fascista. Porém dá norte a uma via que leva a pessoa ao caminho autêntico, que conduz aos mistérios do ser, caminho do santo, misto de heroísmo e violência espiritual, mas que se transfigura: “é a vida de todo aquele que avalia um homem, antes de tudo, pelo seu sentido das presenças reais, pela sua capacidade de acolhimento e de dom” (Ibid., p.534). Aqui emerge o cerne do “paradoxo da pessoa”, lugar de tensão e calma, centro do movimento, ponto em que o ter comunica ao ser, e este se abre inundando de acolhimento e doação.

Ao término dos aspectos para diferenciar a pessoa do indivíduo, não vemos nas palavras de Mounier a pretensão de definir propriamente o que seja a pessoa. Certamente estaria fora do propósito personalista, mas, a priori, descreve uma possível designação de cunho religioso:

Uma pessoa é um ser espiritual constituído como tal por um modo de subsistência em seu ser; ela alimenta essa subsistência por uma adesão a uma hierarquia de valores livremente adotados, assimilados e vividos por um racionalismo, que durante muito tempo empregou a palavra no sentido de irrealidade (Cf. Mounier, 1961, t.I, p.529).

compromisso responsável e uma constante conversão; deste modo ela unifica toda a sua atividade na liberdade e desenvolve, por acréscimo, mediante atos

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