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2 DESAFIOS ENFRENTADOS PELO ENSINO MÉDIO BRASILEIRO

2.4 DOCENTES NO ENSINO MÉDIO: DESAFIOS E DILEMAS

Outro aspecto importante a ser destacado refere-se à valorização, à formação e à remuneração dos docentes. Professores atuando sem a devida formação, sendo-lhes exigido frequentemente que atuem como profissionais polivalentes, capazes de resolver os mais diversos conflitos, com remuneração pouco atrativa e abaixo da média em relação a outros profissionais com graduação, têm se apresentado como realidade para aqueles que ocupam a função docente nas escolas públicas do país.

Alguns fatores têm contribuído para a desvalorização da profissão docente e para a degradação da educação pública do país, a saber: precárias condições de trabalho, da insatisfação profissional - consequência de fatores tais como: indisciplina por parte dos alunos, baixo rendimento de aprendizagem e violência -; desprestígio e ausência de perspectiva de ascensão profissional; falta de qualificação e contínua formação condizentes com os desafios da realidade escolar contemporânea; e o crescente número de professores que abandonam as salas de aula por todo Brasil.

Carneiro (2012, p. 16) defende que “[...] o professor sem formação adequada é o apoio que a máquina política viciada usa para fabricar professores temporários”. Em sua obra O nó do ensino médio, o autor aponta que isso não quer dizer que não existam pessoas preparadas para atuar na docência, nem que os sistemas não sejam capazes de mantê-las, mas que o professor sem formação é conveniente, pois “[...] a seletividade negativa é do interesse da escolarização de um sujeito que não age” (CARNEIRO, 2012, p. 16, grifos do autor), tornando a existência do professor sem formação um elemento adequado de subordinação, uma vez que este serve para tal propósito. Em outras palavras, não há como dispormos de bons e qualificados professores sem que lhes sejam oferecidos salários atrativos e condições favoráveis para o exercício da função. Prova disso é a notória ausência enfrentada pelas escolas públicas de professores especialistas, sobretudo nas disciplinas de Química, Matemática, Física e Biologia.

De acordo com Krawczyk (2009), diversas estratégias foram criadas para sanar o problema da falta de professores, estas, muitas vezes, ao invés de chegar a uma solução, desfiguram ainda mais a educação. A autora aponta que

[...] minicontratos fazem com que os docentes estejam muito mais preocupados em como conservar o trabalho, ou como conseguir algo melhor, do que com um compromisso institucional e projeto a longo prazo,

bem como afetam sua autoestima, uma vez que vivenciam um sentimento constante de injustiça. (KRAWCZYK, 2009, p. 32).

Se, na atual sociedade, o valor e a importância do conhecimento para o desenvolvimento e a construção da sociedade e da cidadania, como dimensão essencial da formação humana, são reconhecidos, por que, então, há desvalorização e desprestígio profissional com relação ao professor? Por que não consideramos a docência uma atividade profissional que exija um trabalhador especializado? Nesse sentido, encontramos aporte quando Carneiro (2012) busca salientar a necessidade de uma mudança de mentalidade, em que um dos pontos a ser observado refere-se ao fato de passarmos a ver a docência como campo de trabalho que requer um trabalhador devidamente qualificado e bem remunerado. O autor afirma que

[...] no imaginário social, a formação do professor chancelada em diploma não significa uma especialização técnico-profissional, mas uma mera licença para ensinar. Por isso, no passado, a sociedade convivia com a figura do professor leigo e, no presente, convive com a figura do professor temporário. Ninguém se questiona por que não há engenheiro temporário, o médico temporário, o dentista temporário, mas há o professor temporário! Simplesmente porque, aqui, a exigência de trabalhar o conhecimento sistematizado é confundida com o trabalho da simples informação em sala de aula, independentemente da qualidade, pertinência e atualidade desta informação. (CARNEIRO, 2012, p. 86, grifos do autor).

Carneiro (2012) evidencia que a existência do professor leigo/professor temporário tem suas causas de natureza política, pois a prática do “clientelismo político” é uma forma de manter as hierarquias locais e o exercício do poder. Para o autor, essa prática fortalece “[...] a rotatividade deste segmento do professorado em benefício da preservação das relações sociais estabelecidas. As consequências são trabalhar com um ‘exército de reserva’ e pagar salários de ocasião” (CARNEIRO, 2012, p. 87, grifo do autor). É cada vez mais notório que as escolas públicas, sobretudo as de nível médio e que atendem aos estratos populares das áreas urbanas menos favorecidas, possuem, em muitos casos, um quadro docente sem a devida qualificação ou domínio dos conteúdos das respectivas disciplinas que ministram, nem preparo pedagógico e didático para atuarem em sala de aula.

Esse aspecto impulsiona-nos a afirmar que, para atuar na docência, são necessárias preparação e formação adequadas. No entanto, o Estado, para resolver a falta de professores, busca soluções contrárias e, consequentemente, desfigura cada vez mais a educação, cuja efetivação dos objetivos permanece sempre no horizonte das possibilidades. Outro ponto a ser considerado no campo da docência diz respeito à percepção e à constituição do docente como profissional. Para Carneiro (2012), a configuração do campo

profissional do docente tem seus contornos indefinidos, devido à “[...] visão generalista e abstrata do trabalho docente” (CARNEIRO, 2012, p. 91). Segundo o autor, “[...] enquanto trabalhador, o docente realiza uma obra intangível, embora tão real quanto a vida”, mas é dessa situação que surge “[...] a sensação de que a profissão docente opera no vazio”, uma vez que sua produção enquanto profissional foge ao controle instrumental, fato decorrente da comum visão de que as profissões possuem uma “[...] relação direta com o setor produtivo e, portanto, com a geração de produtos” (CARNEIRO, 2012, p. 91). Na verdade, não há um produto objetivo e direto resultante do trabalho docente - “Há processos em curso na formação do aluno e que vão se alongar pela vida inteira na vida do cidadão trabalhador” (CARNEIRO, 2012, p. 91). Portanto, romper com essa visão generalista da profissão docente apresenta-se necessária para que alcancemos a devida valorização dos docentes do país.

Diante desses contextos acerca do Ensino Médio público e de seus problemas, constatamos haver um processo de falência, perda de sua legitimidade e função enquanto etapa final da Educação Básica. Para a modificação desse cenário, são necessárias reflexões, ações, mudanças, pois só assim conquistaremos transformações substanciais para a melhoria da educação pública. Se a educação pública oferecida continuar nos moldes atuais, permaneceremos à margem da sociedade do conhecimento e do desenvolvimento cultural. É necessário à Educação Básica, ao Ensino Médio, ter alta qualidade, bem como todas as escolas públicas funcionarem com a devida condição e, assim, se efetivem os objetivos educacionais desejados, conforme preconiza o artigo 22 da LDB 9.394/96: possibilitar ao educando a conquista e o pleno exercício da cidadania, devidamente preparado para atuar profissionalmente e dar prosseguimento aos estudos posteriores.

Apontar para os contextos, os dilemas e os desafios aqui sumariamente apresentados é, no nosso entendimento, resgatar as finalidades da Educação Básica, recuperar o direito à cidadania escolarizada e fazer defesa ao processo de democratização do ensino. É, ainda, fazer oposição à continuidade de uma escola pública que agoniza por funcionar em meio aos mais variados tipos de carência. É fazer resistência à lógica que está posta, em que são necessárias condições e soluções concretas para que os desafios aqui mostrados sejam superados e respondidos à altura, e os componentes curriculares, em especial o componente curricular filosofia, desenvolva seu papel e contribua na formação e na constituição da autonomia dos sujeitos educandos.

3 A CONTRIBUIÇÃO DO COMPONENTE CURRICULAR FILOSOFIA NO