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2 – DOCUMENTANDO A CONSTRUÇÃO DA PROBLEMÁTICA, QUESTÕES E OBJETIVOS DA PESQUISA

No capítulo anterior procurei demonstrar algo do meu processo formativo em música, dentro da minha trajetória de vida, a fim de ilustrar uma complexa teia sociocultural e pessoal que me levou a ser professor de música, a atuar da forma como venho atuando na sala de aula. Essa perlaboração de minha própria trajetória me mostra diversos aspectos do que é ser professor, entendendo a necessidade de incluir o conhecimento prévio do aluno na construção de um planejamento pedagógico-musical com foco na aprendizagem significativa (Ausubel, 2000); valorizar a prática musical com aprendizagem mediada (Vygotsky, 1991) por meio da monitoria em aulas em grupo; compreender a necessidade do conhecimento de conteúdos e processos relacionados ao ensino de Música, que levam a construção de um repertório de saberes que são acumulados ao longo da vida, nos constantes processos formativos.

A partir dessa reflexão procurei respaldar a minha presença como professor de Música na EP. Faço esse apontamento para a minha própria história, pois o meu interesse pela pesquisa em contexto docente de música no espaço escolar originou- se a partir de minha inserção profissional como professor da SEEDF, em uma das EPs. Quando entrei na SEEDF, deparei-me com uma lógica questionável no que tange ao processo de ocupação de vagas de música, pois quase fui obrigado a ocupar uma vaga intitulada "Artes Horta Mandala". Foi quando percebi que a formação específica dos professores não estava sendo levada em conta durante o processo de ocupação de vagas de música nos quadros da SEEDF. Que toda a minha história, que me levou a me tornar professor de música na SEEDF, parecia ser desprezada pelo sistema. Isso fez com que eu tentasse me aproximar mais dos meus recentes colegas de profissão na época, professores de música dos quadros da SEEDF, que entraram junto comigo no mesmo concurso público efetuado em 2013 para as escolas da rede pública do Distrito Federal, conforme o Edital nº 01 SEAP/SEE, de 04 de setembro de 2013.

Cabe ressaltar que o concurso em pauta especificou atribuições e requisitos para a ocupação das vagas de música do respectivo certame, para o Componente Curricular/Cargo – ARTES MÚSICA – sendo obrigatória a apresentação de diploma, devidamente registrado, de conclusão de curso de licenciatura plena em Educação

Artística com habilitação em Música, ou Licenciatura plena em Música ou Bacharelado em Música com complementação pedagógica em Programa Especial de Licenciatura em área afim.

No entanto, a SEEDF protelou tais atribuições e requisitos do concurso público em questão, utilizando a redação da Portaria 132, de 9 de junho de 2014, que indica no seu Art. 4º que “Nas Escolas Parque [...] o Ensino de Música em todas as etapas e modalidades, deverá ser ministrado por professores de Arte ou Música”, texto que permite a ocupação das vagas de música por professores de Artes em geral, ou seja, Música, Artes Visuais, Teatro ou Dança; e comprova que o ensino efetivo de música em Brasília ainda continua em indefinição e ambiguidade.

Até o momento, a SEEDF somente disponibiliza vagas específicas de Música para as Escolas Parque, sendo que há professores sem formação adequada que ocupam muitas dessas poucas vagas, em detrimento de professores com formação específica, em que profissionais convocados em 2014 (conforme publicação na Seção II do DODF, em 12 de junho de 2014, página 29), sob a égide do Edital nº 01 SEAP/SEE, 04 de setembro de 2013, ficaram sem vagas nas EPs ou ocuparam vagas provisórias.

Nesse sentido, a luta pela ocupação das vagas específicas de música do quadro da SEEDF foi o ponto de partida da construção da problemática desta pesquisa, pois, para que sejam traçadas estratégias adequadas para o profícuo ensino desse componente curricular, é fundamental que professores com formação adequada ocupem essas vagas. Assim, os professores convocados em 2014 recusaram as vagas oferecidas, que não eram específicas de Música e reivindicaram a ocupação de vagas específicas, por meio de um abaixo assinado (cf. Anexo B).

Em Brasília e em algumas regiões do país (cf. Del-Ben et al, 2016, p. 114- 115), o ensino da música é mediado, em sua maioria, por profissionais de outras áreas, como também apontam pesquisas feitas no Distrito Federal por Antunes (2013), Figueirôa et al (2014) e Sena (2013, 2016). No entanto, esse contexto começa a se configurar de outra maneira a partir de concurso público para professor de Artes/Música no Distrito Federal em 2013, Edital nº 01 SEAP/SEE, 04 de setembro de 2013; e pela nomeação de 35 professores com graduação específica em 2014/2015. Isso poderá gerar uma nova configuração da educação musical

escolar no DF, abarcando informações de como os professores têm desenvolvido suas práticas pedagógico-musicais como docentes de Música. Nesse sentido,

Trazer a epistemologia política para o centro do objeto de estudo da educação musical é permitir que novas associações, novos agregados sejam reunidos e estabilizados em um ponto de passagem obrigatório para pensarmos, por exemplo, a formação de professores licenciados em música com vistas a atuar nas escolas de educação básica. Esses profissionais, especialistas em música, não se distinguem pelas esferas onde trabalham, e sim pelas “diferentes habilidades que aplicam ao mesmo domínio” (Latour, 2012, p. 361). Essa provocação de Latour remete-nos a um de seus questionamentos sobre epistemologia política: Quem está decidindo por nós? Para assim, ele mesmo responder: Nós dependemos, doravante, de coisas que dependem de nós. (ABREU, 2015, p. 135)

A partir da provocação de Latour, citada por Abreu (2015), compreendo a importância da nomeação de professores com formação específica em Música, onde novos profissionais da área foram inseridos na educação básica, conforme a Seção II do DODF, em 12 de junho de 2014, página 29. No entanto, são vários os desafios a serem enfrentados por esses profissionais na área de Música, pois, conforme Abreu (2011, p. 81), “não basta a formação, nem tampouco a inserção profissional para que professores de música se profissionalizem na área”. Entendo que a autora acredita que é preciso uma vivência contínua no cotidiano escolar, no chão da escola, para que os professores se desenvolvam na profissão docente.

Alguns desses desafios incluem a atuação de professor de música em vagas provisórias; designação para funções de apoio pedagógico; ocupação de vagas definitivas por professores de outras áreas; as escolhas que fazem para garantir seus projetos musicais, bem como as escolhas que fazem para assegurar seus desejos e interesses em ocupar vagas de música.

O fato de ter ocorrido um concurso específico para a área de Artes/Música, fora do âmbito da EMB, é inédito no Distrito Federal. Grossi (2007) já havia discorrido sobre o assunto e problematizado essa questão dizendo que, apesar dos avanços no cenário político educacional no país, causa espanto que a SEEDF tenha lançado edital de concurso para

“Professores licenciados em Educação Artistica com habilitação plena em Artes, uma vez que o MEC reconhece cada uma das áreas da Arte como áreas de conhecimento [...] No caso da música, por exemplo, fica evidenciada a obrigatoriedade de profissionais com habilitação em música”. (GROSSI, 2007, p. 40)

Dez anos depois, Del-Ben et al (2016, p. 544), que fez uma pesquisa sobre a docência de música na educação básica – uma análise de editais de concurso público para professores – comenta os estudos de Grossi (2007, p. 43) chamando a atenção para o descaso de editais de concursos públicos contendo conteúdos alheios à formação específica de cada profissional, conforme definem as “diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação nas diferentes áreas artísticas, incluindo música”. Isso demonstra “uma desconsideração com as características próprias a cada campo das artes” (DEL-BEN et al, 2016, p. 545) Ainda nessa direção, as autoras esclarecem que

a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) – Lei n. 9394/1996 (BRASIL, 1996) prevê, em seu Artigo 67, que o ingresso dos profissionais da educação no magistério público deve dar-se exclusivamente por concurso público de provas e títulos. No caso dos sistemas públicos de ensino, portanto, é por meio dos concursos que o licenciado se insere profissionalmente, integrando-se à comunidade docente. Como salienta Daher (2012: 140), “para além das funções de avaliar, selecionar e classificar, os concursos públicos vinculam-se a uma memória discursiva, ou seja, constituem um patrimônio acerca do que ‘se diz sobre’, ‘se espera’ e ‘se deve saber’ para vir a ser professor da rede pública”. (DEL-BEN et al, 2016, p. 545).

Ao fazer uma análise sobre os impactos da Lei Nº 11.769, de 18 de agosto de 2008, na educação musical escolar, mais precisamente no currículo escolar, Figueiredo e Meurer (2016) comentam que

o processo de concepção e aprovação desta lei envolveu um amplo movimento nacional de músicos, educadores musicais e membros da sociedade em geral (cf. FIGUEIREDO, 2007b, 2008a, 2008b, 2009a, 2010b; PEREIRA, 2010), culminando com a alteração da Lei nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1996), com a inclusão de mais um parágrafo que definiu com maior clareza que o ensino de arte, já previsto no artigo 26, deveria incorporar a música como um de seus conteúdos obrigatórios. A partir da aprovação da Lei nº 11.769/08, diversos sistemas educacionais têm se mobilizado de distintas maneiras para cumprir esta normatização curricular. Ainda que se possa considerer que tal mobilização vem sendo realizada lentamente em várias partes do país, é fundamental que se conheça de forma mais realista a situação do ensino de música no currículo das escolas brasileiras a partir da Lei nº 11.769/08. Em 2 de maio de 2016 foi aprovada a Lei nº 13.278/16 que altera o parágrafo 6º do art. 26 da LDB de 1996 com relação ao ensino de arte (parágrafo 2º): “as artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens que constituirão o componente curricular de que trata o § 2º deste artigo” (BRASIL, 2016a). Esta nova lei substituiu a Lei11.769/08, que deixa de vigorar a partir da aprovação deste novo texto legal que inclui quatro áreas das artes na educação básica. Ainda que a Lei 11.769/08 não esteja mais em vigor, a música continua presente a partir da nova lei que estabelece as linguagens artísticas que devem compor o currículo escolar. Além disso, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Operacionalização do Ensino de Música na Educação Básica (BRASIL, 2016b) continuam em

vigor, oferecendo orientações específicas para a implantação da música nos currículos. Diante destes fatos, apesar da Lei 11.769/08 não estar mais vigente, os resultados da presente pesquisa podem contribuir para o debate sobre o ensino de música no currículo escolar na medida em que analisam os processos de implementação da música na escola brasileira em diferentes regiões no período anterior à aprovação da Lei 13.278/16. (FIGUEIREDO e MEURER, 2016, p. 516)

Figueiredo e Meurer (2016) consideram que “é possível verificar que em vários contextos escolares a música vem ganhando espaço, o que pode ser compreendido como resultado de ações propositivas e sistemáticas em nome de uma educação musical” (Figueiredo e Meurer, 2016, p. 538). Os resultados da pesquisa que esse dois autores fizeram nas regiões Sudeste e Centro Oeste evidenciam que “os editais e municípios analisados informam parte desta variedade de entendimentos sobre o ensino da arte na escola, ora reiterando a polivalência, ora destacando as especificidades das linguagens artísticas” (Figueiredo e Meurer, 2016, p. 538), sendo que “o que está em curso é uma mudança gradual nos sistemas educacionais. A presença de profissionais específicos das artes nas escolas poderá ser consolidada no futuro, o que certamente demandará ações efetivas e investimentos na educação brasileira” (ibid, p. 538). E essas são contribuições que só o professor especialista na área poderá mostrar com os efeitos gerados no espaço escolar, ou na vida do aluno que continuará se valendo dessa formação ao longo de sua vida.

Essas ações foram iniciadas no Distrito Federal. Ao efetuar o concurso, o critério estabelecido no Edital nº 01 SEAP/SEE, de 04 de setembro de 2013, foi a formação específica de professores de música para atuar em suas respectivas áreas em escolas de educação básica do Distrito Federal.

Tais ações foram iniciadas no Distrito Federal, porém, apesar de possibilitar avanços da área nesse sentido, na prática isso não tem acontecido, uma vez que a SEEDF tem entendido que, mesmo com formação específica, o professor deverá dar conta das demais linguagens artísticas. Isso pode ser comprovado no Distrito Federal, conforme o Concurso Público para provimento de vagas e formação de cadastro de reserva em cargos das carreiras Magistério Público e Assistência à Educação, Edital nº 23 – SEE/DF ,de 13 de Outubro de 2016, onde especifica que o