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CAPÍTULO 5 A INFLUÊNCIA DA ANCESTRALIDADE GENÉTICA NA DISTRIBUIÇÃO E VARIAÇÃO DE FATORES DE RISCO ASSOCIADOS A

5.1.2 Doenças cardiovasculares em Afrodescendentes

A observação da elevada prevalência de casos de hipertensão entre Afro-descendentes, despertou a curiosidade da comunidade científica, gerando o levantamento de diversas hipóteses na tentativa de justificar uma maior predisposição dos Afro-descendentes em desenvolver doenças cardiovasculares, como a hipótese da escravidão (Madrigal et al., 2009). Devido ao papel do metabolismo do sódio na regulação da pressão arterial, buscou-se explicações para a hipertensão em fatores relacionados à retenção de sódio e, presumivelmente, seu controle genético (Fuchs, 2011).

A proposta da escravidão foi levantada por Wilson (1987) e Wilson e Grim (1991) e propõe que as altas taxas de mortalidade dos africanos escravizados durante a viagem pelo Oceano Atlântico para as Américas foram justificada por diferentes causas, que abrangeram o suicídio, infecções, desidratação e diarreias. De acordo com os autores teria ocorrido um potencial processo de seleção e consequentemente sobreviventes com elevada capacidade de retenção de sal e maior resistência às anormalidades eletrolíticas letais. Dessa forma,esses indivíduos possivelmente apresentariam taxas elevadas de hipertensão no novo ambiente, pois eram previamente adaptados a um ambiente de baixo consumo de sal.

À medida que esta hipótese ficou conhecida, outros pesquisadores argumentaram contra a teoria com base na genética populacional, mecanismos de fisiologia da hipertensão e biologia evolutiva básica. Foi relatado que a África tinha uma oferta abundante de sal e que existiam numerosas populações africanas com baixos níveis pressóricos. Os casos de hipertensão eram observados em ambientes mais urbanizados (Curtin, 1992; Cooper e Rotimi, 1994). A idéia de que todas as populações africanas tinham acesso limitado ao sal era uma afirmação insustentável. Curtin negou qualquer validade histórica à proposição de que África tinha sido tradicionalmente um local de escassez de sal e argumentou que a proposta de Grim, que justificava a maioria das mortes decorrentes de doenças diarreicas, era igualmente sem fundamento, concluindo que a hipótese carecia de evidências (Curtin, 1992). Particularmente importante é que não havia evidência de alta mortalidade devido à desidratação nos navios escravos, nas fazendas ou plantations (Madrigal et al., 2009).

A falta de dados históricos adequados para sustentar a hipótese é crítica na Hipótese da escravidão, além do viés sobre as explicações genéticas entre as categorias étnico-raciais em oposição aos complexos aspectos socioculturais e psicológicos (Cooper e Rotimi, 1994; Dressler e Bindon, 2000; Madrigal et al., 2009). Apesar das críticas, Grim e Robinson (1996, 2003) defenderam a hipótese da escravidão e insistiram em continuar usando termos "raciais"

189 com validade biológica, citando, por exemplo, a diferença nas frequências de hemoglobina entre negros e brancos. Aliado a isso, os autores desconsideraram a grande quantidade de dados que indicam que a variação humana é descrita por variações contínuas nas frequências gênicas nos continentes e não por um modelo taxonômico-racial (Madrigal et al., 2009).

Avaliando a prevalência de hipertensão entre Africanos, Afro-Caribenhos, Afro- Americanos, Afro-Sul-americanos e populações Afro-derivadas do Caribe e do Reino Unido, Madrigal e colaboradores (2009) observaram elevada taxa de hipertensão entre Afro- americanos, acima de 30%. Elevadas taxas de prevalência de hipertensão também foram verificadas em outros grupos populacionais, porém, a maioria das amostras africanas apresentou uma prevalência de hipertensão classificada como baixa e moderada. Por exemplo, nas zonas rurais de Gana e Nigéria, a frequência relatada para ambos os sexos foi de2,5 e 6,9,%, respectivamente. Dessa forma, a hipótese da escravidão foi rejeitada pelos autores.

Hoje estudos epidemiológicos na África têm mostrado elevada prevalência de hipertensão, associada ao processo de transição epidemiológica (Marcia et al., 2016; George et al., 2016). De fato, um modelo mais complexo, possivelmente incluindo o estudo de aspectos ambientais, culturais e psicológicos, poderia melhor explicar o risco para a hipertensão nesses grupos populacionais (Goosby et al., 2015; Quinlan et al., 2016).

Quando consideradas as doenças metabólicas, tem sido mostrado que a prevalência de diabetes tipo 2 é maior nas populações Afro-derivadas quando comparadas a populações europeias (Crawford et al., 2010; Cheng et al., 2012; Keaton et al., 2014; Meigs et al., 2014). Considerando o sequenciamento do genoma humano e estudos de associação e ligação, têm sido observada uma maior compreensão sobre a etiologia de muitas doenças. Contudo, as causas múltiplas de doenças complexas ainda não são bem compreendidas. (Quinlan et al., 2016).

Estudos tem apontado que Afro-Americanos apresentam maior predisposição a desenvolverem doenças cardiovasculares e metabólicas, incluindo hipertensão, diabetes, obesidade, doenças renais, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral, do que indivíduos de ancestralidade europeia (Saab et al., 2015; Brown-Riggs et al., 2016; Kershaw e Pender, 2016). A pressão arterial é uma característica hereditária e as estimativas de herdabilidade sugerem que 15 a 60% da variação da pressão sistólica e diastólica são atribuídas a fatores genéticos (Norton et al., 2010; Pena et al., 2016). Mecanismos genéticos tem sido propostos e relacionados ao aumento da hipertensão arterial e doença renal entre grupos populacionais Afro-derivados, como os polimorfismos APOL1 na causa da doença

190 renal (Weckerle et al., 2016). Outros estudos têm apontado que Africanos e Afro-americanos tendem a reter sódio e água, além de apresentar maior sensibilidade à aldosterona e supressão da atividade da renina plasmática (Ferdinand e Ferdinand, 2008; Ortega et al., 2015; Jones et al., 2017; Nandakumar et al., 2017).

Estudos também demonstraram uma resposta hemodinâmica aumentada ao estímulo adrenérgico em negros, quando comparados aos brancos (Adefurin et al., 2013), um grau aumentado de hipertrofia na carótida, enrijecimento das artérias centrais e aumento da resistência à constrição arterial (Heffeman et al., 2008), além da deficiência de vitamina D como fator associado à maior prevalência de hipertensão (Forman et al., 2013; Brown-Riggs, 2016). A deficiência de vitamina D ao longo da vida pode afetar negativamente a microvasculatura em Afro-americanos, desempenhando assim um papel importante na gênese da hipertensão. Ressalta-se que os dados clínicos sobre o papel da deficiência de vitamina D no desenvolvimento da hipertensão arterial são sugeridos para Afro-descendentes vivendo longe de regiões equatoriais. Embora seja um possível fator de risco, não há dados para sugerir que os indivíduos brancos com deficiência de vitamina D constituiriam um grupo de menor risco (Rostand, 2010).

A obesidade contribui significativamente para a ocorrência de hipertensão e também é mais prevalente entre Afro-Americanos e hispânicos, particularmente entre mulheres (Ortega et al., 2015; Klimentidis et al., 2016). Grande parte dos estudos de associação de genômica ampla (GWAS) publicados foram realizados em populações de ancestralidade europeia, porém um desses estudos identificou um locus próximo ao gene MC4R associado à circunferência abdominal e à resistência à insulina em uma coorte da população do Sul da Ásia (Chambers et al., 2008) indicando disparidades étnico-raciais epecíficas. O locus FTO também tem sido associado ao risco de índice de massa corporal (IMC) elevado em populações de ancestralidade africana (Deliard et al. 2013; Peters et al., 2013; Demerath et al., 2012; Grant et al., 2008;) e asiáticos (Kimura et al., 2016 ; Qibin et al., 2014; Maceková et al. 2012; Fang et al. 2010).

No presente estudo focaremos nas doenças cardiovasculares hipertensão, diabetes mellitos, obesidade e fatores de risco associados, por serem condições clínicas de alta contribuição na ocorrência de doenças cardiovasculares e amplamente estudadas.

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