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CAPÍTULO I – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

5. Cardiopatias adquiridas do Cão

5.5. Doenças parasitárias com afeção cardíaca

5.5.1.1.Etiologia

A dirofilariose é uma doença parasitária transmitida por um mosquito. O agente etiológico é a Dirofilaria immitis (D. immitis), um dos nemátodes mais patogénicos do cão (Montoya et al., 1998; Vezzani et al., 2011).

A dirofilariose encontra-se descrita em mais de trinta espécies de animais, sendo que a maior prevalência ocorre no cão, no coiote, no gato e no furão (Alves et al., 1999).

A infeção por Dirofilaria no Homem foi descrita pela primeira vez por Magalhães em 1887, no Brasil (Labarthe and Guerreiro, 2005). Na Europa, a etiologia da infeção no Homem pode ser devida, não só a D. immitis, mas também a Dirofilaria repens (D. repens) e cursa com o desenvolvimento de nódulos pulmonares que são muitas vezes confundidos com carcinomas pulmonares (Dimri et al., 2011; Montoya-Alonso et al, 2011; Simon et al., 2005; Tasic et al., 2011).

5.4.1.2.Fisiopatologia

A fisiopatologia da dirofilariose é multifatorial e resulta de fatores como a idade, a resposta imunitária do cão, a presença de doenças concomitantes e a carga parasitária. É uma doença de progressão crónica (Simon et al., 2007; Venco et al., 2005) e pode ser uma ameaça para a vida do animal (Dimri et al., 2011).

A lesão primária por D. immitis ocorre nas artérias pulmonares e só posteriormente se expande para o átrio e ventrículo direitos (Bowman and Atkins, 2009; Hoch and Strickland, 2008). Os parasitas libertam substâncias vasoativas que resultam em vasoconstrição e hipóxia,

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com consequente hipertensão pulmonar e hipertrofia ventricular concêntrica compensatória do ventrículo direito.

Em infestações crónicas, com cargas parasitárias grandes, desenvolve-se insuficiência cardíaca congestiva (ICC). Os danos vasculares mais graves são provocados por parasitas mortos (Bowman and Atkins, 2009; Hoch and Strickland, 2008).

5.4.1.3.Epidemiologia

Uma vez que a dirofilariose é uma doença transmitida por mosquitos, a presença de mosquitos suscetíveis condiciona a distribuição geográfica da doença (Montoya et al., 1998). A densidade da população vetorial é afetada pelas condições climatéricas, principalmente pelas altas temperaturas e pela humidade (Montoya-Alonso et al., 2010).

É uma doença de distribuição mundial, ocorrendo mais em zonas temperadas, tropicais e subtropicais (Song et al., 2003).

Nos últimos anos, vários estudos epidemiológicos têm sido efetuados em diferentes países, sendo que, na Europa, é mais frequente em países do Sul nomeadamente em Portugal, Espanha, sul de França e Grécia (Genchi et al., 2005). Segundo um estudo epidemiológico citado por Araújo A. M., 1996, na zona sul de Portugal continental a prevalência é elevada. Contudo, a prevalência mais elevada foi registada na ilha da Madeira (Genchi et al., 2005). Num estudo retrospetivo levado a cabo na região do Baixo Vouga, verificou-se uma prevalência de 9,3% (Rocha, 2010). Segundo um outro estudo epidemiológico realizado em Portugal citado por Cardoso, L. et al., 2012, a prevalência de animais sintomáticos infetados no distrito de Vila Real foi de 0% e no distrito de Coimbra foi de 15,6%.

5.4.1.4.Sinais clínicos

Na dirofilariose existe grande variedade de sinais clínicos (Polizopoulou et al., 2000), dependendo da quantidade de parasitas, reatividade individual e grau de exercício do doente, podendo este não apresentar sinais clínicos durante meses ou anos (Niwetpathomwat et al., 2007).

Os cães moderadamente afetados podem apresentar intolerância ao exercício, tosse crónica, dispneia, hemoptise e perda de peso progressiva. Os doentes mais afetados têm insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e/ou Síndrome de Veia Cava, quando um grande número de parasitas obstrui parcialmente o fluxo através da valva tricúspide e compromete o seu encerramento (Dimri et al., 2011; Polizopoulou et al., 2000). Quando existe ICC direita é comum observar-se distensão da veia jugular e/ou pulso jugular, hepatoesplenomegalia e ascite. À auscultação há presença de sopro e à auscultação pulmonar podem ser audíveis crepitações (Hoch and Strickland, 2008).

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5.4.1.5.Diagnóstico

A infeção por D. immitis pode ser diagnosticada por visualização direta de microfilárias no sangue; pela realização de testes para deteção de antigénios (Ag) circulantes no sangue, no soro ou no plasma; por técnicas imunohistoquímicas ou histoquímicas para a deteção de microfilárias; ou através de métodos moleculares (Casiraghi et al., 2006; Lee et al., 2011). Os testes de Ag constituem um método muito sensível. Os testes para a deteção de microfilárias devem ser complementares aos testes de Ag positivos (McCall et al., 2004).

Os exames complementares como a radiografia, ecocardiografia, angiografia e análises laboratoriais são utilizados tanto para diagnosticar como para avaliar a gravidade da doença (Niwetpathomwat et al., 2007).

A radiografia é o método mais objetivo para avaliar a gravidade do processo cardiopulmonar em causa, nomeadamente, as alterações do coração, dos vasos pulmonares e do parênquima pulmonar (Bowman and Atkins, 2009; Hoch and Strickland, 2008). Os resultados radiográficos típicos são a visualização dos ramos da artéria pulmonar, intralobares periféricos e interlobares, principalmente nos lobos pulmonares diafragmáticos, que estão alargados e tortuosos (Niwetpathomwat et al., 2007).

A ecocardiografia permite a visualização dos parasitas adultos ao nível do coração direito (figura 15) e tronco pulmonar, tornando possível estimar a carga parasitária, bem como avaliar as consequências cardíacas anatómicas e funcionais da doença (Hoch and Strickland, 2008; Niwetpathomwat et al., 2007).

A angiografia não é uma prática comum pelo seu teor invasivo. Os exames laboratoriais não constituem diagnóstico uma vez que ainda não foi descoberto nenhum biomarcador específico, contudo, são úteis na avaliação da progressão da doença (Hoch and Strickland, 2008; Niwetpathomwat et al., 2007).

Figura 15. Imagem ecocardiográfica de um cão apresentando um ‘novelo’ de parasitas adultos de Dirofilaria immitis ao nível do átrio direito.

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5.4.1.6.Tratamento e prognóstico

Após o diagnóstico, a American Heartworm Society recomenda o início da terapia mensal com macrólidos para evitar novas infeções, reduzir microfilárias circulantes e matar os estádios larvares que não sejam ainda suscetíveis à terapia adulticida. De forma a reduzir o potencial efeito adverso da terapia, em cães com grande quantidade de microfilárias, poder-se-ão administrar corticosteroides, com ou sem anti-histamínicos associados (Bowman and Atkins, 2009).

O único fármaco registado para a terapia adulticida de D. immitis é o dihidroclorato de melarsomina (Immiticide®, Merial) (Bazzocchi et al., 2008; Bowman anh Atkins, 2009). É administrado por via intramuscular (IM) profunda (McCall et al., 2004) e existe o protocolo de duas e de três doses (Hoch and Strickland, 2008). A American Heartworm Society recomenda a utilização do protocolo das três doses por considerar mais seguro, uma vez que, com este método, há morte de alguns parasitas adultos na primeira injeção e os restantes são eliminados na segunda e na terceira administrações, reduzindo assim a formação de êmbolos parasitários (Hoch and Strickland, 2008; McCall et al., 2004). Recomenda-se uma rigorosa restrição de exercício durante 1 mês, no protocolo de duas doses e durante 2 meses no protocolo de três doses (Hoch and Strickland, 2008). A eficácia da heparina a baixas doses ainda não está esclarecida. A associação de agentes antitrombóticos, como a aspirina, na terapia com dihidroclorato de melarsomina é controversa, uma vez que parecem existir mais efeitos adversos, não sendo recomendada pela American Heartworm Society (Hoch and Strickland, 2008). As lactonas macrocíclicas têm também efeito adulticida, mas não são recomendadas pela American Heartworm Society por haver um acrescido dano cardiopulmonar. Contudo, segundo Traversa et al., 2010, nos animais em que não seja necessário um tratamento imediato, a administração de uma lactona macrocíclica durante 6 meses, antes da administração de dihidrocloreto de melarsomina, pode ser benéfico.

Em cães com elevada carga de parasitas adultos pode ocorrer o Síndrome de Veia Cava, que é fatal caso não se avance para a extração cirúrgica dos parasitas (McCall et al., 2004). Esta técnica consiste na remoção dos parasitas do átrio direito e do orifício da valva tricúspide utilizando a veia jugular externa direita para o acesso. A extração total é improvável pelo que se recomenda a terapia adulticida com melarsomina, 1 a 2 meses após a cirurgia (Bowman and Atkins, 2009; Hoch and Strickland, 2008; Takahashi et al., 2008).

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5.4.1.7.Prevenção

A dirofilariose é evitável, uma vez que a profilaxia é praticamente 100% eficaz se administrada corretamente. Esta é prioritária em todos os cães que vivam em zonas endémicas (Hoch and Strickland, 2008; McCall et al., 2004).

É importante determinar se o animal está infetado antes de iniciar a medicação profilática (McCall et al., 2004).

As lactonas macrocíclicas são atualmente a medicação de eleição na profilaxia de cães, estas incluem a ivermectina, a milbemicina e a selamectina (Hoch and Strickland, 2008).

O médico veterinário deverá optar pelo protocolo profilático que melhor se adeque ao animal e ao perfil do proprietário (Glickman et al., 2005).

O estabelecimento de reservatórios em canídeos domésticos ou errantes, que escapem ao controlo veterinário, torna difícil e improvável a erradicação (Nelson et al., 2005).

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CAPÍTULO II – ESTUDO RETROSPETIVO DAS DOENÇAS CARDÍACAS

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