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Domínio das aptidões ligadas ao artesanato tradicional

Capítulo 4. Estudo de caso: a produção de olaria pedrada em Nisa

4.1. Domínio das aptidões ligadas ao artesanato tradicional

No decurso do Simpósio UNESCO/ITC32 em 1997 intitulado Crafts and the international market:

trade and customs codification, os produtos artesanais foram definidos como aqueles que são

produzidos por artesãos, quer completamente de forma manual, quer com o auxílio de instrumentos manuais ou mesmo por meios mecânicos, desde que o contributo do artesão seja a componente mais substancial do produto acabado. São produzidos sem restrições em termos de quantidade e utilizam matérias-primas derivadas de recursos sustentáveis. O carácter especial dos produtos artesanais decorre das suas características distintivas, que podem ser utilitárias, estéticas, artísticas, criativas, ligadas a uma cultura, decorativas, funcionais, tradicionais, religiosas e socialmente simbólicas e significativas (UNESCO 2005c: 2).

A versão preliminar da Convenção datada de 26 de Julho de 2002 (UNESCO 2002b) não considerava ainda o domínio das aptidões ligadas ao artesanato tradicional, mas o Comité intergovernamental de peritos constituído nesse ano para redigir o texto final da Convenção considerou indispensável adequá-lo aos critérios de proclamação das Obras-primas do Património

Oral e Imaterial da Humanidade, as quais seriam integradas na Lista Representativa da

Convenção assim que esta fosse constituída. Um dos critérios para a proclamação das obras- primas era o «carácter de excelência na aplicação de saberes-fazer e nas técnicas utilizadas» (UNESCO 2001d:12), o que tornava imprescindível definir um domínio que pudesse incorporar as obras-primas desta natureza.

Caracterizar as competências ligadas às actividades artesanais tradicionais através da identificação, documentação e pesquisa, como indica a Convenção, significa analisar os aspectos relacionados com os processos de produção, assumindo assim especial relevância os trabalhos de Etnotecnologia, entendida como «o estudo dos fenómenos sociais e culturais vistos na sua vertente essencialmente técnica» (Amante 1996: 14). A observação do processo de fabrico completada por entrevistas aos executantes constitui um contributo valioso para a inventariação de manifestações neste domínio pelo facto de se registarem as informações obtidas localmente junto dos detentores do conhecimento, dando-se resposta à exigência da Convenção de envolver as comunidades, grupos e indivíduos no processo de recolha de dados.

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Tal como para os outros domínios do património cultural imaterial, a análise dos processos de fabrico inclui o exame dos aspectos materiais e imateriais relacionados com as actividades produtivas tais como os equipamentos e os instrumentos, os locais e os contextos, as crenças e tradições, devendo as tecnologias, como referido em Lemonnier, ser encaradas como uma «expressão material da actividade cultural» (1992:2) que abrange todas as acções do homem sobre a matéria e engloba os aspectos materiais, sociais e simbólicos (1992:3).

As relações entre a produção artesanal e o contexto sócio-económico actual foram estudadas por Durand e a sua equipa (2008) em relação aos lenços de namorados de Vila Verde no contexto da reformulação do processo de certificação deste produto artesanal. A análise de questões como a originalidade, a rentabilização do trabalho, a refuncionalidade, a patrimonialização, a mercantilização e a inovação suscitam reflexões que podem inspirar a investigação de outras actividades artesanais e apontam a necessidade de a perspectiva antropológica ser complementada com a análise sócio-económica do sector.

De facto, para além de serem património cultural e factor identitário das comunidades e grupos, as actividades artesanais são economicamente rentáveis, constituindo frequentemente uma importante fonte de subsistência para os executantes e um vector de dinamização da economia local, aspectos que deverão ser devidamente atendidos tanto na inventariação como nas acções de salvaguarda e revitalização. Desta forma, não se afigura possível abordar as questões relacionadas com o domínio das aptidões ligadas ao artesanato tradicional sem se referir o contexto económico da actividade e os normativos em vigor.

Em Portugal existe legislação aplicável ao sector pelo menos desde os anos 1980 (Antunes 1999), tendo sido criado o símbolo do artesanato português em 1982 e postos em prática vários programas de promoção da actividade artesanal como o PAOT – Programa das Artes e Ofícios Tradicionais em 1992, o Programa Escolas-Oficina em 1996 e o PPART - Programa para a Promoção dos Ofícios e das Microempresas Artesanais em 1997. Mais recentemente, os Decretos-Lei nº 41/2001 e nº 110/2002 definem os conceitos de artesão e de unidade produtiva artesanal, bem como os requisitos a que devem obedecer as actividades artesanais para que possam beneficiar de apoios públicos e de medidas de discriminação positiva.

Em 2004, a Portaria nº 1085/2004 aprovou o modelo de símbolo «Produzido por artesão reconhecido» ou «Produzido em unidade produtiva artesanal reconhecida» que os artesãos e as unidades produtivas artesanais podem mencionar na rotulagem, publicidade e demais documentos comerciais de acompanhamento dos seus produtos (artigo15º/A). A qualificação e certificação de produções artesanais visa salvaguardar as técnicas tradicionais de produção, garantir a autenticidade e a qualidade dos produtos, aumentar a visibilidade do sector, aumentar a confiança do comprador e distinguir a produção artesanal da concorrência de produtos, designadamente os de origem externa e fabrico industrial.

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Relativamente a uma análise objectiva do sector do artesanato, a informação estatística oficial a nível nacional é inexistente. O estudo O Sector das Actividades Artesanais em Portugal publicado pelo Instituto para a Qualidade na Formação (IQF) em 2006 parece ser o mais recente, baseando- se em informações quer de bases de dados regionais, quer de estudos avulsos, alguns não muito recentes, que geralmente também incidem sobre regiões específicas, dificultando uma visão global fiável do sector (IQF 2006: 50). Os dados disponíveis apontam para um sector com as seguintes características: (i) produção sazonal, dependente da procura; (ii) trabalho realizado em casa ou em oficina nas imediações; (iii) matérias primas adquiridas perto de casa, no concelho de residência ou na região; (iv) predominância da venda directa ao consumidor final; (v) acentuado envelhecimento dos artesãos, que são maioritariamente femininos e com um baixo nível de qualificações escolares; (vi) transmissão do conhecimento predominantemente em meio familiar, embora para os artesãos mais novos tenha maior peso a aprendizagem em contexto de formação escolar e profissional (IQF 2006: 65-77).

Não obstante a discriminação positiva da produção artesanal e a correspondente atribuição de eventuais subsídios e apoios, esta actividade permanece sujeita às leis da oferta e da procura tal como qualquer outra actividade económica. Uma forma de tornar o artesanato mais atractivo e, por conseguinte, mais rentável, consiste desenvolver projectos na área do design com vista a criar artefactos originais, com mais qualidade e adequados à procura. Nestes projectos, os designers estudam as tradições, analisam o contexto de produção e procuram compreender as motivações e condicionantes dos artesãos para tentarem agir como mediadores entre estes e o mercado. As intervenções de design devem ser realizada no respeito por algumas regras, designadamente zelar para que o artesão não se transforme num mero executante alheio a todo o trabalho criativo, promover actividades artesanais ambientalmente sustentáveis e, principalmente, cuidar para que o produto final não fique deturpado e incaracterístico (UNESCO 2005c: 6).

O artesanato possui também uma considerável importância na área do turismo, apesar de as experiências inovadoras na área do desenvolvimento qualitativo da actividade artesanal serem raras ou pouco conhecidas. Estas experiências podem ser agrupadas em três categorias principais, designadamente a criação de rotas do artesanato, as visitas guiadas a oficinas com explicação do processo de fabrico e a venda de réplicas e de produtos contemporâneos nas lojas dos museus (Kreidi 2006:3).

4.2. Produção de olaria pedrada em Nisa