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CAPÍTULO 2. AS MULHERES DE NOSSA SENHORA AUXILIADORA

2.6 Dona Chiquinha

Francisca Santos, conhecida como Dona Chiquinha, recebeu o convite para participar da Associação em 1987, por intermédio da então presidente Dona Mocinha. O chamado foi bem vindo, já que Chiquinha não participava de nenhum grupo e tinha necessidade de manter- se ocupada nas pastorais da igreja. O convite implica em mostrar um novo sentido para a vida do associado, quem chama oferece um espaço para estar em coletividade, uma oportunidade de partilhar devoções e preencher seu dia a dia. Após um ano participando Dona Chiquinha assume a presidência, fato que marcou sua vida:

Na diretoria eu participei seis anos, entre presidente e outros cargos lá que eu peguei, né? Fiquei seis anos. Aí lá eu conheci muita coisa, eu senti que foi onde mais eu encontrei a espiritualidade, foi lá na Associação N.S. Auxiliadora. Fui lutar com aquelas pessoas idosas, bem idosas e elas me enriqueceu muito com isso. Que até no Encontro de Casais [ECC] eu não encontrei essa espiritualidade que eu encontrei em N.S.Auxiliadora, na irmandade de N.S.Auxilidadora. E sei que eu fiquei por seis anos... nunca mais saí de nada... quer dizer, saí da associação e fiquei em outros cargos e até hoje, né? Não saí mais da Igreja.

Dona Chiquinha considera que muitas conquistas foram alcançadas no período em que esteve à frente da Associação. De acordo com ela, de duzentos e setenta componentes a associação pulou para quatrocentos e setenta, realizando diversos trabalhos sociais e espirituais. Chiquinha destaca a organização da adoração ao Santíssimo Sacramento, realizado em dois dias e uma noite, além da assistência aos idosos e doentes, atividades que envolviam grande parte do grupo. Notamos que mencionar tais ações é importante para que Dona Chiquinha evidencie crescimento durante o período em que esteve no comando da Associação.

O título de “Auxiliadora” nem sempre é mencionado, outros nomes são citados para descrever Maria. Desde os 13 anos de idade, Dona Chiquinha venera Nossa Senhora e sua trajetória demonstra que não há um vínculo exclusivo com Nossa Senhora Auxiliadora. Aos treze anos ela alimentava uma forte devoção por Nossa Senhora do Desterro, durante muito tempo exerceu tal devoção. Quando entrou na Associação, elegeu Nossa Senhora Auxiliadora como norteadora de seus caminhos. Após se afastar da presidência, em 1993, Dona Chiquinha se dedicou a um intenso convívio mariano, desenvolvendo uma devoção especial por Nossa Senhora de Medjugorje. Chegou a viajar para antiga Iugoslávia e mobilizou um grupo de pessoas na construção de uma capela particular dedicada à Nossa Senhora de Medjugorje.

Claro que diante de uma paróquia salesiana, onde Maria Auxiliadora é destaque, o posicionamento dos padres, quanto às escolhas de Chiquinha, nem sempre foram de apoio. Até mesmo o fato de construir uma capela ao lado de sua residência, em caráter particular, desperta preocupações. Dona Chiquinha é uma senhora inquieta e defende com muita disposição suas idéias e percepções. A entrevista que fiz com ela aconteceu no Santuário Salesiano, ao lado da sacristia; quando o assunto de sua experiência em Medjugorje veio à tona, Dona Chiquinha me fez uma revelação: Nossa Senhora é vista por ela como Deus Mãe.

Ah, eu não esqueço nunca, passei oito dias lá [em Medjugorje]. Muito momento feliz que eu passei. Passei oito dias em Roma e oito dias lá. Não esqueço nunca, foi uma viagem... uma coisa que Nossa Senhora fez na minha vida. Marcante. Não tenho condição de esquecer mais nunca. Aquilo que eu observei, as graças, os milagres, as coisas que... foi fantástico. Tanto que eu digo com toda sinceridade. Eu sei que Igreja ignora isso que eu falo [frase não entendida]... eu falo abertamente, eu não tenho medo de falar de jeito nenhum, digo a qualquer pessoa, Nossa Senhora é vista por mim como Deus Mãe, ela não é Deus Pai, ela não é Deus filho, Deus Mãe. E eu digo com conhecimento, eu não to dizendo que acho que ela... eu tô dizendo com conhecimento bíblico e pelas mensagens que ela escreve. Isso com toda certeza [com ênfase]. Ela é ignorada. Pode gravar que...

Em tom baixo, Chiquinha perguntou se eu não gostaria de conhecer sua Capela. Aceitei de pronto, pois notei que seria um lugar onde ela ficaria bem mais à vontade pra falar. Dona Chiquinha mora a três quadras do Santuário, ao lado de sua casa foi erguida a capela de Nossa Senhora de Medjugorje. Perguntei se poderia gravar a conversa, mas ela não permitiu. O tom era de desabafo com relação à postura de muitos padres salesianos, defensores, segundo ela, de uma visão extremamente “machista” da Igreja. Para Chiquinha, há uma revelação mariana que evidencia uma nova configuração: a face feminina de Deus como condutora da Igreja Católica. Chiquinha acredita que essa idéia é capaz de reconstruir a Igreja, ela seria alguém que decodifica as mensagens de Maria e revela aos freqüentadores da capela.

O caso de Dona Chiquinha demonstra que as informações partilhadas pelos associados de Nossa Senhora Auxiliadora podem distanciar-se do ideal pregado pela Congregação Salesiana. O controle desejado em relação às devoções não é cumprido, os indivíduos aderem de acordo com seus interesses e ocasiões. Maria torna-se bem mais do que um título, ela ao mesmo tempo é uma só (assim com prega a Igreja Católica) e é muitas. A devoção específica à Maria Auxiliadora é partilhada por muitos associados, mas distancia-se de um interesse da Congregação que deseja algo mais uno e regulado de acordo com as diretrizes de Roma.