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O Padre Cícero e o Cemitério do Socorro

CAPÍTULO 2. AS MULHERES DE NOSSA SENHORA AUXILIADORA

3.8 O Padre Cícero e o Cemitério do Socorro

Acreditamos que as influências de um Juazeiro tradicional, traduzido pela figura do Padre Cícero, estão presentes na vida dos associados. Percebemos esses elementos bem mais fortes na Associação São João Bosco do que na de Nossa Senhora Auxiliadora, e aqui defendemos que quanto mais distante da institucionalização, mais em contato com práticas religiosas conservadas. Não que essa tradição não esteja presente nas mulheres de Auxiliadora, mas são mais apagadas. Talvez a associada Suzete expresse bem isso quando compara sua devoção com a de sua mãe:

Suzete: Sobre o Padre Cícero, eu tenho muito amor por ele, eu sei o quanto ele é

importante na nossa cidade, mas eu não tenho muita devoção a ele. Porque é assim, Junior, a vida do Padre Cícero, às vezes a gente vê tanto fanatismo, não é? E eu não tenho, assim, fanatismo. Eu gosto, eu amo, mas, tudo comum.

Entrevistador: Talvez já fosse uma relação um pouco diferente se for levar em conta

vovó, por exemplo, a senhora acha?

Suzete: Acho, eu acho. Porque no sentido de mamãe, ela já tinha uma devoção mais

forte do que a minha [silêncio]. E também, no sentido, que ela tinha muita história sobre ele, ela foi batizada por ele [silêncio]. E também, ela conviveu, assim, com os mais velhos, que tinham uma dedicação muito forte, então tudo isso influenciou mais a vida dela. Enquanto eu, influenciou mais a família salesiana.

Na Associação São João Bosco, histórias do Padre Cícero são lembradas com referências aos antepassados. De alguma forma, o fato do Padre estar sepultado no mesmo cemitério onde o associado será sepultado, provoca realização e conforto em muitos. Aqui podemos destacar a proximidade entre os aspectos materiais e imateriais, o benefício necessário do jazigo se funde às suas devoções, morrer é ao mesmo tempo receber assistência da associação e ter a satisfação de ser sepultado no mesmo cemitério onde o santo de sua devoção está. As trajetórias de muitos associados tocam a vida do Padre Cícero. No dia 20 de julho de 1934 o velho padre respira pela última vez. Antonio Isidoro Cabral, hoje com 79 anos, completava, nesse mesmo dia, quatro anos de idade:

Antonio: É uma coisa que fica falando, todo mundo vai falando aí a gente nunca

esquece. Me lembro como hoje. Eu lembro até da roupa que mamãe fez pra mim.

Entrevistador: Como era a roupa seu Antonio?

Antonio: A roupa era assim, eu não me lembro como é que chamava não, sei que era

calça e camisa, tudo pregado, preto, pra o luto de meu Padim Ciço. Lá em casa todo mundo vestiu preto.

Antonio: Eu acho alegre. Não acho triste não.

Os pais de Seu Antonio foram sepultados no cemitério de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, pergunto se tem algum sentido ser enterrado no mesmo cemitério, por causa dos pais:

Não é tanto por causa deles, que eu acho que adonde a gente for enterrado agente se encronta [sic]. Meu desejo, mais também, sabe o que é? É que eu ouvia meu pai falando, que disse que meu Padim Ciço disse: que a pessoa que se enterrar no Socorro não se perde. Meu Padim Ciço dizia isso: Oh, a pessoa que se enterrar ali no cemitério do Socorro, se ele não for pro céu, mas nosso Senhor transforma numa fumaça e solta no mundo, mas que não se perde. Aí eu não queria ir pra aquele canto ruim não [risos] Eu nascido e criado aqui. Foi o primeiro cemitério que eu conheci, aí eu quero ir é prali [sic] um dia quando eu morrer. Mas não quero ir agora não [risos].

De acordo com relato extraído da obra O Joaseiro Celeste (2007), de Francisco de Alencar Barbosa, o poeta João de Cristo Rei e Seu Roque, zelador do Cemitério do Socorro, testemunham a importância de ser enterrado naquele cemitério:

Sim, era que meu pai falava que Meu Padrinho Ciço dizia. Aquele cemitério ali do Socorro, né? Hoje aqui tem muito cemitério, aqui como o parque das Flores e outros e outros. Mas, aquele dali é o antigo, aí ele dizia assim: ‘Óie’, quem morrer e tiver a felicidade de morrer aqui dentro do Juazeiro, na terra da mãe de Deus, e se enterrar nesse cemitério, para o inferno não vai (p.113-114).

Manoel Lopes Gomes, conhecido como Noé, tem 74 anos e nasceu na zona rural de Juazeiro do norte. Seu avô (pai Gomes) ia buscar o Padre Cícero na igreja Matriz, levava o cavalo celado e vinha puxando, conversando com o padre. Noé nos contou muitas histórias e demonstrou forte devoção. Com relação ao cemitério do Socorro, disse:

Home, quem é que não tem gosto de se enterra onde meu padim Ciço tá enterrado? Todo mundo tem gosto de ser enterrado onde meu padim Ciço tá enterrado. Vem romeiro de fora atrás de ver. Agora de manhã eu tava na missa, dia de Nossa Senhora das Candeias, uns romeiros que nunca vieram aqui disse: "Onde é a cova de meu padim Ciço?" É um prazer. Os sacerdote que vem de fora diz, que nem esse padre que vem de... “É o maior prazer do mundo eu tá celebrando nos pés de meu padim Ciço que tá sepultado". Padre que vem de longe, que nós não sabe da verdade e eles sabe de tudim. Que pade Ciço já era santo, nasceu santo... Aí nós ama muito aquele Socorro porque ali tá nossa família toda enterrada e sabe que... Todo cemitério é um, o importante é a alma da gente, né. Mas aquele cantinho é bom [risos].