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96 DONALD SASSOON

No documento Mussolini e a Ascensão Do Fascismo.pdf (páginas 93-97)

O avanço do fascismo

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A intensidade da crise era tal que, como acontece comumente, todos os olhos se voltavam para os principais protagonistas: Giolitti, os socialistas, os católicos. Mussolini efetivamente tentou inserir-se no jogo político. Durante a ocupação das fábricas, ofereceu ajuda a Bruno Buozzi, o líder do FIOM, o sindicato dos operários metalúrgi­ cos, fazendo um apelo aos trabalhadores em total desprezo aos socia­ listas, contra os quais invectivou, principalmente ao longo de 1920.5 Simultaneamente, tentava chegar a um entendimento com Gio­ litti, para assegurar a inclusão de candidatos fascistas na lista do “bloco nacional” para as eleições locais de 7 de novembro de 1920. Assim ocorreu que, graças a Giolitti, alguns seguidores de Mussolini foram eleitos em Roma e outras grandes cidades.

Porém, a grande virada para os fascistas não ocorreu nos prin­ cipais centros urbanos, mas em cidades menores do centro do país e do interior. Pois enquanto a agitação da classe operária abalava os centros industriais, o campo também era assolado por turbulên­ cias, com ocupações de terra feitas por trabalhadores agrícolas em toda a região norte e partes do centro e do sul da Itália. Em 1918 e 1919, o número de greves no setor agrícola aumentara, refletindo as consideráveis mudanças ocorridas no campo nos anos de guerra.6 A mais notável delas era o aumento do número de camponeses proprietários: durante a guerra, um milhão de hectares de terras fora adquirido por 500 mil camponeses, que pela primeira vez se tornavam proprietários.7 Mas seria um equívoco considerar uma categoria homogênea todos os diferentes grupos que constituíam o universo rural — entre eles os proprietários de terras, os pequenos proprietários camponeses (contadini), os meeiros (m ezza d ri), os arrendatários (affituari), os trabalhadores agrícolas (braccianti) e a “burguesia rural”.

Embora houvesse poderosos latifundiários dominando vastas terras, antes da guerra a maioria desses milhares de proprietários existentes na Itália enfrentara consideráveis dificuldades, à medida que a emigração (mais de 500 mil pessoas por ano no início da década de 1900) forçava a elevação dos salários dos trabalhado­ res agrícolas. Havia também uma burguesia rural. Seus membros freqüentemente eram classificados como proprietários fundiários, por possuírem terras. Mas eles se mantinham ligados a elas por motivos familiares e de tradição, e precisavam completar sua renda mantendo uma loja, exercendo uma profissão, como a advocacia, ou mediante algum emprego precário. Muitos detestavam as classes “urbanas” — tanto os trabalhadores quanto os ricos, pois ambos tinham melhorado sua condição à custa dos que trabalhavam na terra, ou pelo menos era o que se acreditava.

O natural conservadorismo dos grandes proprietários de terras e dos burgueses rurais foi reforçado pelo estilo conservador da classe imediatamente abaixo: o campesinato. Prevalecia nesse meio o ca­ tolicismo, paralelamente à aversão ao Estado, aos impostos e acima de tudo aos socialistas, considerados culpados pela organização dos trabalhadores agrícolas. Durante a guerra, a repugnância dos cam­ poneses pela autoridade central se intensificara, pois se considerava em geral que o conflito atendia aos interesses dos ricos e das cidades (os dispensados do serviço militar eram em número muito maior pertencentes às classes industriais que às rurais). As requisições de alimentos por parte do Estado eram muitas vezes consideradas injustas, mas também havia compensações: pensões para as viúvas de guerra, subsídios para as famílias dos convocados a combater, ajuda na educação dos filhos e outras vantagens previdenciárias. O subemprego endêmico nas pequenas propriedades agrícolas

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significava muitas vezes que, sendo recrutado um pai ou um filho, os que permaneciam na propriedade da família tinham condições, se trabalhassem um pouco mais, de manter a produção no mesmo nível sem contratar nenhum outro empregado. Também havia em­ pregos relacionados à guerra em indústrias próximas.8 Aqueles que produziam insumos, como a madeira, apresentavam rendimentos relativamente melhores na guerra que os que cultivavam cereais.9 O racionamento de comida durante a guerra afetava muito mais os moradores das cidades que os do campo, que tinham fartura de gêneros alimentares.10

“Abaixo” dos camponeses estavam os m ezzadru ou meeiros. Eram camponeses-colonos que trabalhavam a terra de propriedade de um senhor, eventualmente empregando trabalhadores agrícolas. O senhor podia dispensar o meeiro, sendo proprietário não só da terra como da casa do lavrador, dos animais e de algumas ferra­ mentas. Os senhores e os meeiros dividiam os gastos e os lucros de acordo com um contrato, que também podia exigir do meeiro a prestação de serviços em diferentes épocas do ano. As condições de vida dos meeiros haviam se deteriorado nos anos anteriores à guerra com a crescente comercialização da agricultura, o que diminuía sua parcela da produção.11 Durante a guerra, contudo, os lavradores sem-terra sofreram muito mais do que os meeiros, pois seus salários não acompanharam a elevação dos preços. Os meeiros, por outro lado, beneficiavam-se com a inflação, já que as dívidas contraídas para comprar ferramentas e sementes se depreciavam.12 Desse modo, muitos meeiros viviam em melhores condições no fim da guerra que no início. Deram-se conta, tam­ bém, de que havia a real possibilidade de se tornarem proprietá­ rios da terra em que trabalhavam, especialmente os que tinham

economizado dinheiro graças aos constantes aumentos dos preços de alimentos.

O slogan “a terra para os que a cultivam” fez sucesso, e quase

todas as forças políticas — até mesmo alguns conservadores — o invocavam de uma maneira ou de outra. Várias propostas de refor­ ma agrária foram feitas, entre elas a de compra de terras por parte do Estado, que seriam então concedidas a famílias camponesas individuais, ou a grupos de famílias camponesas, para o cultivo. A desapropriação de terras devolutas ou não cultivadas, ou de terras abandonadas pelos proprietários, e sua distribuição ao campesinato contavam com considerável apoio no Parlamento. Esses debates despertaram esperanças entre os camponeses, embora eles conside­ rassem todos esses projetos inferiores em relação à concretização de seu desejo de possuir terras.13 Nesse ponto, os católicos do PPI é que se mostravam os mais decididos defensores da exigência da “terra para os que a cultivam”.

A maioria dos socialistas, contudo, considerava que a solução mais eficiente seria reunir vastas extensões de terra e entregá-las a cooperativas de camponeses para o cultivo. O objetivo de longo prazo dos socialistas era “a socialização da terra”, lema que surgiu durante a guerra e a Revolução Russa (embora os bolchevistas, ironicamente, tivessem se apropriado do slogan oposto: “a terra para os camponeses”). Nessas circunstâncias, aumentava ainda mais a hostilidade das classes fundiárias (senhores, pequenos proprietários camponeses e meeiros com a perspectiva de adqui­ rir terras próprias) em relação aos socialistas. Estes últimos, além disso, eram a principal força de organização dos trabalhadores agrícolas em um sindicato (denominado Federazione Lavoratori

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