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No documento Mussolini e a Ascensão Do Fascismo.pdf (páginas 99-103)

O avanço do fascismo

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eles. Em geral a polícia sequer aparecia nos locais dos crimes come­ tidos por fascistas, ou chegava tarde demais, deixando de identificar os delinqüentes. Era evidente sua parcialidade em favor dos fascistas e contra os socialistas.21 Em Brescia, Ferrara e outras cidades, poli­ ciais e carabinieri agindo por conta própria participavam dos atos de resistência dos fura-greves.22 Os oficiais mais jovens mostravam-se particularmente hostis aos socialistas, acusados de pacifismo e de serem os responsáveis pela “vitória mutilada”.

A indignação dos grandes proprietários foi ainda mais exacerba­ da pela má colheita de 1920, que reduziu ainda mais seus lucros.23 Não surpreende, assim, que buscassem o apoio dos fascistas, que haviam se saído razoavelmente bem nas eleições locais e cuja propa­ ganda alegava que defenderiam os direitos dos cidadãos durante as greves — em outras palavras, protegendo o trabalho dos fura-greves frente aos ataques dos socialistas.24 Os grandes proprietários de terras e a burguesia profissional e comercial das províncias italianas uniram-se em torno de palavras de ordem, como a exemplificada em artigo de fundo publicado em um jornal de Ferrara, no início de novembro de 1920: “São necessárias novas forças jovens e corajosas. Felizmente, a recente luta eleitoral revelou-nos essas novas forças: os fascistas (...) Só eles têm o direito de falar em nome do futuro da Itá­ lia; só eles, que amam a juventude e a força, podem conter a onda de loucura que se abateu sobre a Itália”.25 Era este o contexto da aliança entre os squadristi fascistas e os proprietários de terras, sendo aque­ les financiados por estes. No fim de novembro de 1920, tornara-se explícita a aliança entre os senhores fundiários e o fascismo.26 Aque­ les que poderiam ter feito oposição, os católicos e os socialistas, estavam irremediavelmente divididos: “O movimento trabalhista rural resvalou para uma rixa entre suas duas partes constituintes”.27

De qualquer maneira, já era tarde demais para a constituição de um partido agrário legítimo e funcional: os fascistas haviam se revelado a alternativa mais atraente.28

A uma velocidade que ninguém poderia ter previsto, descor­ tinou-se aos proprietários de terras a perspectiva de ver o odiado sindicalismo rural liquidado por um movimento, o de Mussolini, que parecia mais capaz de representar suas aspirações de longo prazo: a defesa da propriedade privada, uma política externa nacio­ nalista e a realização de obras públicas para fomentar a economia rural. Giolitti e Nitti pagavam o preço da excessiva concentração nas necessidades do setor industrial. Relegados, os proprietários fundiários das províncias do norte e do centro contra-atacavam, tendo como arma principal os esquadrões do fascismo.29 Era o que se verificava até mesmo em regiões como a Toscana, onde não havia na história recente casos de confrontos violentos entre camponeses e proprietários de terra, como ocorrera em outras partes da penín­ sula. Pois naquele instante ela se transformava em um dos centros da violência fascista no campo.30

Como é sabido, o fascismo nasceu na Piazza Sepolcro, em Milão, em março de 1919, quando Mussolini anunciou a formação de seu movimento. Mas ninguém prestou atenção. No fim de 1920, a situa­ ção mudara de forma dramática. A nova plataforma de lançamento do fascismo era constituída pelas fortalezas “vermelhas” de Ferrara e Bolonha, onde o ressentimento da burguesia, que se considerava uma minoria oprimida, aumentara durante a guerra e nos anos subseqüentes. Dali, o fascismo embarcou numa ofensiva em direção ao principal reduto socialista no campo, vale dizer, o resto do Vale do Po, a Toscana, a Ümbria e até a região sul da Apúlia. Êxito gera êxito, e muitos se juntaram às fileiras do fascismo nos primeiros

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meses de 1921.31 Havia simpatia pelos fascistas em muitos setores. Numa circular de setembro de 1920, os chefes de Estado-Maior das Forças Armadas consideravam que os fascistas eram “forças vivas a serem eventualmente empregadas contra forças subversivas e antinacionais”.32 Para Gramsci, isto representava uma mudança de direção para a pequena burguesia italiana. Ela estivera outrora “escravizada ao poder parlamentar”; pois agora tornava-se antipar- lamentar, “imitando a classe trabalhadora e descendo às ruas”.33

Contrariando as evidências, Mussolini negaria mais tarde que o fascismo jamais tivesse pretendido representar os interesses dos senhores fundiários, ao mesmo tempo afirmando que os pequenos proprietários de terras, meeiros e colonos, que unanimemente detes­ tavam o socialismo, nada tinham a temer em relação ao fascismo.34

Antes de chegar ao campo, o fascismo testara seu temperamento violento por seis meses em Trieste, onde, no dia 13 de julho de 1920, fascistas armados e nacionalistas atacaram os escritórios da mino­ ria eslovena no Hotel Balkan. Em setembro, Mussolini foi saudado como herói conquistador por toda a cidade — sendo Trieste uma das poucas cidades italianas em que os fascistas desfrutavam de amplo apoio na classe trabalhadora.35 Com a ajuda das autoridades, clubes e jornais eslovenos foram sistematicamente depredados. O inimigo, então, era o nacionalismo eslavo, e não o socialismo.36 Mas logo os fascistas se voltariam contra os socialistas, destruindo em 14-15 de outubro de 1920 a redação do diário socialista II la-

voratore di Trieste e a Câmara do Trabalho em Fiume. A violência estendeu-se então para o sul, na Emília: no dia 21 de novembro foi a vez do Palazzo dAccursio em Bolonha, onde os fascistas abriram fogo contra um grupo reunido em comemoração à vitória eleitoral dos socialistas.37 Nove pessoas morreram e 100 ficaram feridas. Em

janeiro de 1921, novamente na Bolonha, os camisas-negras incen­ diaram a Câmara do Trabalho. As elites locais festejaram. Era sua vingança contra os tempos em que, antes mesmo da guerra, o Par­ tido Socialista lhes parecia “um Estado dentro do Estado, com suas leis específicas e (...) órgãos executivos”.38 Em janeiro de 1921, uma comissão parlamentar concluía: “O fascio não teria a grande impor­ tância que veio a adquirir na cidade de Bolonha (...) se não tivesse atraído a simpatia e o consenso da maioria dos cidadãos”.39 Nos seis primeiros meses de 1921, os fascistas destruíram 119 Câmaras do Trabalho, 59 Case delpopolo (círculos culturais socialistas), 107 cooperativas, 83 escritórios das Ligas da Terra (leghe contadine, associações de trabalhadores agrícolas), gráficas socialistas, biblio­ tecas públicas e sociedades de ajuda mútua, num total de 726.40 Entre fevereiro e maio de 1921 (quando se realizou a eleição geral), dirigentes socialistas foram intimidados e espancados, e em certos casos assassinados; cooperativas socialistas e do trabalho e agências de emprego foram deixadas em ruínas. As expedições punitivas dos

camice nere deslocaram-se para o norte, em direção à Mântua e ao Vêneto, e para o sul, chegando à Bolonha e Ravena.41 O movimento espraiou-se para a Toscana e outras regiões, tendo como alvo es­ pecificamente as áreas “vermelhas”. Onde não havia um eleitorado socialista expressivo, a violência era apenas esporádica.42

A violência surtia efeito: Ferrara, até então um reduto socialista, tornou-se fascista na eleição nacional de 15 de maio.43 O derrama­ mento de sangue teve prosseguimento por mais um ano e meio — até a “Marcha sobre Roma”. ítalo Balbo, o líder dos fascisti de Ferra­ ra, relatou com satisfação a destruição e a violência infligidas num período de 24 horas, em julho de 1922, “destruindo e queimando (...) escritórios e prédios pertencentes a socialistas e comunistas. Foi

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