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Para FILLINGIM (2003) o modelo biopsicossocial da dor pode ser adaptado para explicar as diferenças biológicas de sexo e gênero na dor. Segundo esse modelo, fatores socioculturais, biológicos e psicológicos estão interligados, se retroalimentam e são determinantes no surgimento e manutenção da fibromialgia e demais dores crônicas (TURK et al, 2002).

Segundo BERKLEY (2000) a mulher possui mecanismos fisiológicos mais eficientes para amortizar os impactos de estímulos nocivos no corpo: o estrógeno ajuda na cicatrização da pele e os altos níveis de progesterona na fase lútea, gravidez e lactação podem aumentar o limiar de dor, estando associados à redução da severidade de algumas síndromes dolorosas. FILLINGIM; EDWARDS (2001) reportam que o estrógeno contribui para que a mulher sinta mais dor: ela refere mais dor no período menstrual ou na pós- menopausa, quando faz reposição hormonal. Já MACFARLANE et al. (2002) constataram aumento insignificante da queixa de aumento da dor, na terapia de reposição hormonal. Por isso mesmo YUNUS (2002b), enfatizando que o homem sintetiza até 52% mais serotonina que a mulher, afirma que a ação dos hormônios gonadais pode implicar em diferenças sexuais em relação à dor, mas preconiza que devam ser feitos mais estudos que comprovem essas diferenças.

Estudos mostram que o homem com fibromialgia, apresenta menor número de pontos sensíveis, menos fadiga e rigidez, reporta menos dores difusas e síndrome do colo irritável, enquanto a mulher é mais vulnerável ao desenvolvimento e manutenção de síndromes dolorosas e apresenta sintomatologia mais difusa (YUNUS et al., 2000; ROLLMAN; LAUTENBACHER, 2001; KEOGH; HERDENFELD, 2002). Contudo, estudo desenvolvido em uma clínica reumatológica em Israel por BUSKILA et al. (2000), mostrou que homens apresentavam mais dor, dor mais intensa, mais fadiga, maior incapacidade

funcional e pior qualidade de vida que as mulheres. Resultados tão diferentes ressaltam a importância do enfoque biopsicossocial da dor.

Em estudos sobre dor, os termos gênero e sexo são usados como se fossem sinônimos. Muitos deles avaliam a dor segundo o sexo, porém empregam o termo gênero e vice-versa (ROBINSON et al., 2001). Segundo o relatório da ASSOCIAÇÃO MÉDICA AMERICANA (2000), o uso indiscriminado desses termos pode causar confusão entre o que é biológico e o que é cultural e comprometer as conclusões dos autores.

WIZEMAN; PARDUE (2001) definem sexo como “(...) a classificação dos seres vivos, geralmente como macho e fêmea, de acordo com seus órgãos reprodutivos e funções cromossomicamente determinadas. Gênero é a representação social do indivíduo como macho ou fêmea, ou como esse indivíduo é visto pelas instituições sociais com base na sua apresentação de gênero. Gênero é modelado pelo meio e pelas experiências.”. (p. 2).

Segundo esses autores, homem e mulher são diferenciados não só pelo sexo, mas também por comportamentos e papéis que uma cultura ou grupo social determinam. Os estereótipos socialmente construídos em relação a gênero e dor são variáveis ignoradas em muitos estudos. Ambos os sexos acham que o homem tem mais resistência à dor e é menos sensível que a mulher e esse acaba sendo o resultado esperado, tanto por pesquisadores quanto por pesquisados.

MALTERUD (2000), em estudo sobre a escuta médica do doente que apresenta sintomas e síndromes difusos como a fibromialgia, afirma que a

mulher, durante uma consulta médica, exibe comportamento disfórico e choroso, fala de problemas e dificuldades não relacionados à doença, apresenta maior número de síndromes dolorosas e sintomas difusos, o que faz com que a queixa feminina seja interpretada mais em termos psicossociais que a queixa masculina. Em estudo qualitativo, WERNER; MALTERUD (2003) observaram que a mulher geralmente tem que se esforçar para fazer com que seus sintomas pareçam reais e físicos, quando suas queixas se referem a síndromes como a fibromialgia.

Segundo BERKLEY (1997) a mulher está mais exposta a dores, tanto em decorrência de processos biológicos naturais como a menstruação e cólicas menstruais, ovulação, gravidez e dores do parto, quanto pela sua anatomia. Para essa autora, os órgãos reprodutivos, hormônios e mudanças hormonais, diferenças nos sistemas nervoso central, periférico e simpático relacionadas à reprodução são fatores preponderantes no delineamento das diferenças de sexo na dor. A mulher sofre variações hormonais não só na menarca, gravidez e menopausa, mas durante o ciclo menstrual, quando os níveis de estrógeno, progesterona e testosterona sofrem alterações. Essas variações afetam o humor, memória e o sistema nervoso simpático, provocando mais sensibilidade, alterações na termoregulação, trânsito intestinal, na sudorese e vasoconstrição, podendo também iniciar estados dolorosos e influenciar a absorção e metabolismo de drogas analgésicas e anestésicas. Os mecanismos de absorção, distribuição, meia vida, e excreção de medicamentos na mulher é influenciado pelas fases do ciclo menstrual, gravidez, maior quantidade de

tecido adiposo e pela ingestão de contraceptivos (BERKLEY; HOLDCROFT,1999). Já ISACSON; BINGEFORS (2002) observaram que, na população geral, a mulher também usa mais analgésicos com mais freqüência que o homem, estando mais exposta à dependência e efeitos colaterais da automedicação.

Para BERKLEY (1997), BERKLEY; HOLDCROFT, (1999) diferenças estruturais dos órgãos reprodutores entre os sexos expõem a mulher - via vagina, atingindo toda a região pélvica - a doenças, traumas físicos e entrada de agentes patológicos que podem provocar doenças que envolvem hiperalgesia, tais como cistite intersticial e também vulvodínia. A mulher reporta mais respostas negativas frente à dor porque enfatiza os aspectos emocionais da dor; já o homem ressalta os aspectos sensoriais e funcionais (YUNUS et al., 2000; HERDENFELDT; KEOGH, 2002). Ele exibe comportamentos estóicos, enquanto que as estratégias de enfrentamento da mulher são mais holísticas, o relato feminino é mais integrativo, o que a torna, segundo MYERS et al. (2003), mais capacitada para lidar com a dor

UNRUH et al., (1999); HOFFMANN; TARZIAN (2001) ressaltam que a mulher avalia cognitivamente a dor de uma forma contextual, tal como seu impacto nas tarefas domésticas e nas relações afetivas. Ela demonstra mais positividade e resiliência, emprega estratégias de enfrentamento e resolução de problemas que não estão relacionadas à dor, como a distração, busca de apoio afetivo entre familiares e amigas, usa mais o sistema de saúde, presta mais atenção nos sintomas físicos e encara os sintomas emocionais como uma

desordem a ser tratada e segue o tratamento médico, enquanto que o homem exibe mais comportamentos de negação e suas estratégias de enfrentamento são mais pobres em termos emocionais.

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