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DOS CONFLITOS SOCIAIS NA GESTÃO COLETIVA DA ÁREA DE

No documento LUIZ C B SANTOS VERSÃO FINAL (páginas 94-97)

7 GESTÃO COLETIVA DA RESEX: DESAFIOS E ALTERNATIVA

7.3 DOS CONFLITOS SOCIAIS NA GESTÃO COLETIVA DA ÁREA DE

Os diferentes espaços coletivos constituídos (Conselho Deliberativo, Comitês, entre outros) para a tomada de decisões, são palcos de calorosos e intensos embates. Isso, porque os indivíduos que atuam divergem entre si com relação as suas opiniões e interesses. A ausência de uma harmonia plena entre os usuários parece ser algo bem presente nesse processo de interação social em torno da gestão coletiva da área de uso comum. Para alguns autores (SIMMEL, 1983; BIRNBAUM, 1995; SCHMITZ et al., 2011), a ocorrência de divergências é algo normal numa relação entre indivíduos ou grupos. Ou seja, é um fator necessário que contribui para o progresso, que seria difícil de alcançar unicamente por meio do consenso.

No processo de gestão coletiva da Reserva Extrativista Marinha de Maracanã, os conflitos se evidenciam de diferentes formas19. Por meio dessa pesquisa foi possível identificar a existência de grupos diferentes que se posicionam em lados opostos. No presente estudo, a análise ficou predominantemente focada nos conflitos internos existentes em decorrência do processo de interação social entre os indivíduos para a gestão daquele espaço de uso comum.

Duas importantes lideranças que atuam na Reserva Extrativista protagonizam nesse cenário e os atritos existentes entre elas são de longa data. Trata-se das atuais presidentes da AUREMAR e da Colônia de Pescadores e Pescadoras Artesanais Z7 de Maracanã. Através das leituras das Atas das reuniões anteriores do Conselho Deliberativo foi possível resgatar o longo histórico de desentendimentos existente entre essas lideranças locais. Como é o caso dos registros da reunião extraordinária de 21 de junho de 2011, na qual, “Dona Mocinha” apresentou o oficio nº 001/2011 do Conselho Fiscal da AUREMAR, que acusava a senhora Valdenize dos Santos, Presidente da Colônia de Pescadores e Pescadoras Artesanais Z7 de Maracanã, de cometer irregularidade administrativa durante a sua gestão na AUREMAR e, por esse motivo, solicitava a sua exclusão do Conselho Deliberativo da RESEX. Entretanto, o pedido foi indeferido porque as alegações expostas eram apenas denúncias e mesmo que fossem verdadeiras não se configuravam no Regimento Interno do referido Colegiado como uma infração passível de qualquer punição, tão pouco de exoneração de um dos membros.

De acordo com os dados coletados é possível considerar que esse embate teve inicio desde os primórdios da criação da AUREMAR, quando essas lideranças já possuíam

19 O conflito pode se evidenciar a partir de várias formas de aparência e de expressão, como tensão, diferença, concorrência, rivalidade, estranhamento, crítica, intolerância, intriga, perseguição, luta, ataque e defesa, violência, disputa pelo poder, destruição, eliminação, inimizade, ciúme, inveja, ódio, desconfiança, aversão, guerra (SCHMITZ et al., 2011, p. 253).

concepções que não convergiam. O fato da primeira diretoria daquela associação não ter sido instituído por meio de eleições abertas teriam aguçado a fricção entre esses dois grupos. Entretanto, se existem outros motivos, isso não é tão simples de ser percebido ao ponto de serem facilmente apontados neste trabalho. Porém, é possível considerar que, a concepção dos dois lados que se opõem nesse processo de interação para à gestão daquela Unidade de Conservação, podem estar diretamente apoiadas em intenções políticas e ligadas a interesses relacionados ao “poder”, ou seja, manter-se no cargo de presidente da AUREMAR ou conquistá-lo. Isso é importante, porque a associação é a detentora do CCDRU e, portanto, exerce maior influência na gestão da RESEX. Consequentemente, isso representa um maior reconhecimento social em nível local.

Conforme frisado pela própria presidente da AUREMAR, ela possui uma personalidade bastante enérgica e, por apresentar suas propostas de forma imperativa nos espaços coletivos de tomadas de decisões, ela é muitas vezes mal compreendida. Alguns indivíduos (outras lideranças de organizações e os próprios agentes dos comitês) consideram- na pouco flexível. Ainda de acordo com a presidente daquela associação, para empreender minimamente as ações que necessita no processo de gestão da RESEX, a referida associação conta com o apoio do vereador Guto Santos (representante da Câmara Municipal de Vereadores no Conselho Deliberativo), com o SIPAAM e com os agentes dos Comitês de Apoio à AUREMAR.

Em tese, todas as organizações que atuam no local cooperam entre si para otimizar a gestão da RESEX. Entretanto, analisando o conflito interno existente é possível perceber que há uma disputa entre dois grupos que, além de existir por longo tempo, está se tornando cada vez mais intenso. Entre os indicadores está o fato de alguns interlocutores terem apontado que se sentem desmotivados em participar das reuniões, pois, “é só bate boca nas reuniões” (A. C. M., Mulher, 30 anos).

O próprio analista do ICMBio, gestor daquela Unidade de Conservação, apontou que se tornou um grande desafio lidar com o conflito existente e que isso vem afetando a realização de atividades, como reuniões necessárias para debater assuntos relevantes para o coletivo. As reações durante os encontros estão cada vez mais imprevisíveis, ao ponto de quase ocorrerem agressões físicas entre os grupos. Para a presidente da AUREMAR, “nas reuniões o clima esquenta”.

Essa concepção perpassa as novas estruturas organizativas (Comitês) que estão sendo instituídos no local e que já estão nascendo com um sentimento de pertencimento ou não a um determinado grupo e de competitividade entre eles. Quando, na verdade todos deveriam fazer

parte de uma única equipe que deveria atuar de forma colaborativa em prol da conservação dos recursos naturais do espaço de uso comum.

Ao observar os encontros e a execução de algumas ações empreendidas pelos agentes dos Comitês, pude notar que há também embates em menor nível de escalação, entre os grupos. No caso dos agentes que compõem o Comitê de Apoio ao CD em Aricurú, notei que um dos principais motivos de reclamação entre os agentes é a alegação de que há menos comprometimento de uns em relação a outros, ou seja, existem aqueles que faltam ou chegam muito atrasados em uma tarefa previamente agendada pelo grupo. Entre as justificativas por essas falhas está a sobreposição de suas atividades pessoais que são tratadas como prioridades e mesmo tendo sido estabelecido um compromisso de colaborar com o Comitê, a atividade coletiva não parece ser apontado como a prioridade do agente.

A própria atuação dos agentes dos Comitês é tratada com preconceito pelos demais usuários. Talvez pela ambiguidade como a função se apresente, uma vez que os agentes vão ora representar, ora orientar e ora fiscalizar. Entretanto, o que já se tem de resultado é que os usuários acreditam predominantemente que os agentes são delatores das ações que não estejam em sintonia com as regras formais de uso dos recursos naturais da área de uso comum, o que consequentemente resultará em ônus. Essa interpretação está gerando um ambiente de insegurança para os agentes naquela localidade, havendo inclusive registros de ameaças.

No documento LUIZ C B SANTOS VERSÃO FINAL (páginas 94-97)