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CAPÍTULO 3 – CONHECIMENTOS PROVENIENTES DAS ESCUTAS

3.2 Dos conhecimentos da investigação

A realização de uma escuta telefónica tem como objectivo a descoberta de comunicações que sejam de interesse para a prova, ou seja, que sejam relevantes para a descoberta da verdade. A estes conhecimentos que surgem no decorrer da investigação e que estão em relação com o crime que fundamentou a autorização do meio de obtenção de prova são denominamos de conhecimentos da investigação.

Quanto aos conhecimentos da investigação, é entendido que os mesmos são todos os conhecimentos que surgem no decurso de uma investigação, provenientes de um meio de obtenção de prova legalmente ordenado e realizado155.

A distinção entre os conhecimentos da investigação e os conhecimentos fortuitos é sensível, daí que segundo WOLTER, estes conceitos apresentam fronteiras ténues, estando muito ligados ao objecto do processo156.

No âmbito das escutas telefónicas, em alusão ao pensamento de MANUEL DA COSTA

ANDRADE, entende-se que os conhecimentos da investigação são todas as informações ou factos que “estejam numa relação de concurso ideal e aparente”157

com o ilícito que motivou o meio de obtenção de prova, - escutas telefónicas. Segundo o autor “diferentemente do que sucede nos conhecimentos fortuitos – em que o processamento dos crimes têm, em princípio, de ocorrer noutros processos, - os conhecimentos da

utilizáveis, para além do mais, desde que digam respeito ao crime para que foram autorizados, quando digam respeito a outro crime igualmente de catálogo, ou desde que digam respeito a crime que tenha uma conexão intrínseca, não meramente processual, com o crime para que foram autorizados.” (Proc. n.º 128/05.0JDLSB- A.S1).

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De acordo com a influência alemã, a importação de conhecimentos provenientes de outros processos baseia-se no princípio da sucedânea intromissão hipotética, segundo o qual a sua “ulterior utilização dos dados só é legítima e admissível se em causa estiverem fins para cuja prossecução teria sido constitucionalmente admissível proceder à sua recolha.” (Ibidem).

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RENDEIRO, Victor Emanuel Saraiva, A Criminalidade Organizada, As Escutas Telefónicas e os

Conhecimentos Fortuitos, Relatório de Mestrado, Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,

2009, p. 7.

156 Wolter A. apud ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as Proibições…, 1992, op. cit., p. 281 e ss. 157

O autor não considera como conhecimento da investigação apenas estes factos, mas também os delitos que estejam numa “relação de comparação alternativa dos factos”, como os factos que constituam a actividade de associação criminosa, as diferentes formas de comparticipação num ilícito criminal, assim como “as diferentes formas de favorecimento pessoal, auxílio material ou receptação” (Idem p. 306).

investigação fazem parte do mesmo «pedaço de vida», devendo ser tratados no mesmo processo, a cujo objecto pertencem”158

.

Quanto à distinção159 entre conhecimentos da investigação e conhecimentos fortuitos é de salientar que ambos têm de advir de uma escuta telefónica que respeite a admissibilidade e os pressupostos que se encontram na esfera da diligência160. Pese embora tais conhecimentos possam decorrer de um mesmo processo, a finalidade de uma investigação centra-se sempre na obtenção dos conhecimentos da investigação, pois é este o principal fundamento que motivou a diligência.

Já os conhecimentos fortuitos, como o próprio nome indica, são aqueles que surgem inesperadamente, mas que obviamente merecem especial cuidado e tratamento, podendo assim ser um catalisador na descoberta da verdade de um processo análogo ao que motivou a investigação161.

De acordo com MANUEL GUEDES VALENTE, é de salientar que a ausência de uma

delimitação rígida da concepção dos conhecimentos da investigação não afasta um risco de interpretação extensiva, podendo catapultar determinados factos que se inserem no contexto dos conhecimentos fortuitos em conhecimentos da investigação162.

Num prisma inteiramente prático, o Subcomissário NELSON RIBEIRO considera que os conhecimentos da investigação “pressupõem que haja uma relação entre o crime conhecido e que originou a ET e o crime que se veio a conhecer através dessa mesma ET”163. Sobre esta temática, JOSÉ BRAZ considera que a Lei 48/2007, de 29 de Agosto, veio conferir “alguma segurança jurídica a esta questão, nos termos propostos pela doutrina

158 ANDRADE, Manuel da Costa, Bruscamente no Verão Passado…, 2009, op. cit., p. 175. 159 Sobre este assunto, R

UI PATRÍCIO considera que os conhecimentos de investigação serão os factos obtidos através de uma escuta telefónica efectuada, que se reportam ou ao crime cuja investigação legitimou a realização daquela ou a um outro delito (pertencente ou não ao catálogo legal), que esteja baseado na mesma situação histórica de vida daquele; os conhecimentos fortuitos definem-se negativamente face aos conhecimentos de investigação (Vide anexo C).

160 Vide, Ac. do TRP de 16 de Janeiro de 2008, onde se encontra expresso que “não cabem na

categoria de conhecimentos fortuitos, mas antes devem ser entendidos como conhecimentos de investigação os resultados obtidos através da intercepção e gravação de conversações telefónicas de outro arguido, numa situação de comparticipação.” (Proc. n.º 0743305).

161 Sobre esta distinção entre conhecimentos fortuitos e conhecimentos da investigação, o STJ foi

chamado a pronunciar-se através do Acórdão de 23 de Outubro de 2002, tendo o mesmo seguido a linha de pensamento de MANUEL DA COSTA ANDRADE, entendendo que os conhecimentos de investigação se reportam às informações que estejam em concurso ideal com o crime que fundamentou o meio de obtenção de prova. Pelo contrário, os conhecimentos fortuitos são simplesmente os conhecimentos que não se enquadram no contexto dos primeiros referidos, isto é, surgem no âmbito de uma investigação legítima, mas não se reportam ao crime cuja investigação legitimou a diligência. (Ac. STJ de 23 de Outubro de 2002).

162 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes, Conhecimentos Fortuitos, A Busca de um Equilíbrio Apuleiano, Coimbra: Editora Almedina, 2006, p. 81.

dominante, concedendo uma admissibilidade probatória limitada aos “conhecimentos fortuitos” no ordenamento processual penal português”164

. Assim sendo, os conhecimentos fortuitos passam a poder ser valorados como provas noutras investigações e noutros inquéritos, desde que digam respeito a pessoas contidas no n.º 4 do artigo 187.º do CPP e que, cumulativamente estejam relacionados com crimes de catálogo.

Defendemos que a capacidade de distinguir os conhecimentos fortuitos dos conhecimentos da investigação não surge pela ocorrência de um novo crime que não estava previsto numa investigação, isto é, todos os novos crimes que surgem não são catapultados para os conhecimentos fortuitos, sendo necessário efectuar uma análise sobre os mesmos e entender se entram na esfera dos conhecimentos da investigação ou se efectivamente é a recolha de um novo crime que não se pode associar à investigação já em curso.

Entendemos que a qualificação de novos factos como conhecimentos fortuitos ou conhecimentos da investigação não é taxativa, uma vez que, depende do contexto da investigação, do objecto a que se centra essa investigação e dos pressupostos previstos para o regime das escutas telefónicas. Acreditamos que a validação dos conhecimentos fortuitos não pode deixar de se fazer perante a regra do artigo 187.º n.º 1 do CPP.