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Dos modelos tradicionais aos olhares múltiplos sobre a cidade

No documento MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS (páginas 179-199)

CAPÍTULO 3 Da Constituição de uma Imagem de Centro Histórico

3.3 Conceitos: ou pré-noções implícitas e explícitas

3.3.1 Dos modelos tradicionais aos olhares múltiplos sobre a cidade

A partir de um olhar sobre as posições dos interlocutores das diversas “escolas” da Sociologia Urbana, poderá estabelecer-se algum suporte para uma leitura pluridimensional, ainda que não eclética, de cidade.

Começando com a contribuição de Georg Simmel e da “Escola de Chicago” para o conhecimento e interpretação dos fenômenos urbanos, destacam-se, sobretudo, os contributos de Robert Park e Louis Wirth, a que junta um balanço crítico da “Escola” no campo da Sociologia Urbana.

Outro relevante eixo de reflexão e interpretação acerca da origem e desenvolvimento da cidade é proposto por Max Weber, em seu ensaio A Cidade, que ao analisar o processo de formação da cidade ocidental associado à origem do capitalismo, revela a dimensão política no conceito de cidade e estabelece uma tipologia analítica e dedutiva que lhe permite argumentar essa particular associação.

Um terceiro modelo marcante, desde o século XIX, para a compreensão e a explicação dos fenômenos urbanos é a abordagem marxista, a qual, partindo da oposição cidade-campo historicamente enquadrada nos sucessivos modos de produção, estriba o urbano ao econômico e social, ainda que articulado com a dimensão política, designadamente o papel do Estado.

Um quarto modelo, por fim, procura, com base no estudo da simbologia e dos modos culturais das vivências urbanas, delinear-se, com algumas ligações aos princípios da Escola de Chicago, mas apresentado alguma autonomia metodológica.

Assim, anunciados estes quatro olhares resta-nos colocar a questão de partida: qual dos modelos se apresenta mais adequado ou suficiente para explicar os fenômenos urbanos e em que me medida, a partir deles, se foram construindo as visões sintéticas e a atuação sobre a cidade?

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O modelo da Escola de Chicago: a cidade como laboratório social e como modo de vida distinto.

Simmel54 (1987:20), um dos autores inspiradores da “Escola de Chicago”, para quem os

espaço e relações espaciais, além de condição, são símbolo das relações sociais, enfatiza, em contraponto com a mesquinhez sufocante da coletividade rural, o caráter simultaneamente alienatório e emancipador da cidade, cujo ambiente anônimo permite a relativa libertação do indivíduo perante o controlo e a censura sociais próprias das pequenas comunidades rurais, uma idéia que virá a ser retomada por alguns da “Escola”, nomeadamente Park e Wirth. A comunidade rural, mesmo quando tolera a excentricidade, estigmatiza o indivíduo de comportamento desviante, contrariamente à cidade metropolitana de Simmel, que ao analisar o comportamento do forasteiro, considera que este, ao mesmo tempo em que se encontra desenraizado e fragmentado nas suas referências perante a diversidade de “estímulos” que o rodeia, detém, por um lado, um maior grau de liberdade, objetividade e mobilidade sócio- espacial e, por outro lado, pode tornar-se “anonimamente” mais próximo, e “íntimo”, de indivíduos que não são de seu contexto de origem, de acordo com seus interesses mais imediatos ou mais perenes – tal como, lhe permite sustentar a indiferença perante algumas das circunstâncias de seu meio (aquelas que mais o perturbem), sem que sua conduta seja objeto de reprovação – era o “comportamento blasé” do indivíduo metropolitano. Não por acaso, esse tipo de olhar sobre a relação entre indivíduo e o seu suporte sócio-espacial coincide com relevantes mutações na cidade de Chicago, entre as décadas de 1920 e 1930: um rápido processo de industrialização e urbanização, uma afluência maciça e heterogênea de populações provenientes do meio rural americano e de países estrangeiros, o declínio das

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Georg Simmel54 (1858-1918), sociólogo alemão. Seu objeto de análise, não é nem o individuo (enquanto entidade social isolada), nem a sociedade (enquanto entidade de determinação absoluta dos comportamentos sociais): todo o seu interesse incide sobre a interação criadora entre esses dois pólos extremos: a produção da sociedade pelos indivíduos; e a conformação permanente dos indivíduos pela sociedade, constitui, neste sentido, a matriz fundadora do vínculo social. Situando-se, metodologicamente, num ponto de vista contrário a Durkheim, Simmel privilegia, portanto, não a pressão social, mas o “devir” da sociedade – de certo modo, o “sentido” dos fatos sociais, que também Weber procurava. A sua leitura é, no entanto, de “proximidade”, ou seja, a analise dos fenômenos no nível “micro” da sociedade - a chamada “sociologia formal‟, das formas sociais, muito influenciado pela filosofia de Kant, distinguia a forma e o conteúdo dos objetos.Um dos conceitos desenvolvidos foi o de “sociação”, no sentido de forma pura de interação, diverso de “associação”. Paralela à noção de “sociação” propõe o conceito de “sociabilidade”: tendo em vista que a sociedade é a interação com o outro para realizar os conteúdos materiais (individuais) e a partir da percepção de que as sociações envolvem além dos conteúdos, a própria valorização da sociação pelos indivíduos; as formas que resultam desses processos, ganham vida própria, libertas dos conteúdos e existindo por si mesmas, constituindo a sociabilidade, que transforma a sociação num valor apreciado em si. Em outras palavras: a sociabilidade é a “forma lúdica” da sociação, não importando as motivações.

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solidariedades tradicionais e, eventualmente, a desorganização e a instabilidade sociais com a separação do local de residência do trabalho.

Foi nesse quadro que, com base na observação, na técnica da entrevista e na utilização das fontes estatísticas, se produziram estudos, de caráter monográfico, sobre os modos de vida urbanos, sendo relevantes, por se terem constituído como modelos de análise para a tipificação de certo modo de “planejamento”55, os trabalhos pioneiros de William Thomas e

Florian Znaniecki56 e os trabalhos de Park e Wirth.

Para Park57 (1987), o estudo da cidade exige uma pluralidade de perspectivas: ela

representa não apenas uma unidade físico-geográfica e ecológica, mas, também, uma unidade econômica, decorrente, por um lado, da divisão social do trabalho e, por outro, de uma constelação de culturas. Ela é o habitat natural do homem civilizado, cuja organização física e moral, ainda que assente na natureza humana, impõe-se como fato externo, condiciona a distribuição dos habitantes e, até, determina os comportamentos humanos. Nesse olhar físico- ecológico, a cidade, à semelhança do meio físico na vida vegetal e animal, seleciona e discrimina os indivíduos que mais adequadamente se adaptem ao território urbano, ocasionando o aparecimento não só dos normais “tipos vocacionais” (operário, bombeiro, funcionário), como as personalidades excêntricas e “marginais”. Essa abordagem tende a classificar as diversas zonas urbanas de “áreas naturais” onde ocorrem processos de competição e dominação, acomodação, invasão e sucessão, sem prejuízo da manutenção de uma determinada ordem na comunidade urbana – nesse sentido, o modelo aproxima-se de uma leitura bio-ecológica onde a ordem “natural” da cidade é vista como um produto de processos de competição e conflito, adaptação e assimilação por parte dos membros da população urbana na sua relação com a tecnologia e o meio ambiente. É, portanto, através

55Um planejamento que instituía na figura do “Plano” um conjunto de “estudos de caracterização” que em volumosos relatórios descreviam o “suporte” físico, econômico e social, mas que deles não retiravam, geralmente, grandes contributos interpretativos que sustentar as opções e as propostas.

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Trabalhos que incidem fundamentalmente sobre o estudo das comunidades migrantes e emigrantes que nas primeiras décadas do século XX induzem a importantes transformações na configuração sócio-espacial das cidades norte- americanas.

57 Robert Erza Park (1864-1944), sociólogo norte-americano, um dos fundadores da “Escola de Chicago”, um dos criadores da Teoria da Ecologia Humana e do método de observação participante, sustentava que os mesmos métodos adotados pelos antropólogos poderiam ser empregados na investigação do homem civilizado. Park propõe uma analogia entre a organização da vida vegetal e a da vida humana em sociedade. Assim, parece-lhe que o comportamento humano seria modelado e limitado pelas condições sociais presentes nos meios físico e social, onde as pessoas deveriam ser vistas como “conformistas” (em conformidade com), uma vez que agem de acordo com os valores e normas do grupo.

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desses processos de competição, dominação e sucessão que determinadas áreas urbanas são ocupadas ou controladas por determinadas corporações de atividades (comerciais ou industriais), grupos sociais ou étnicos dominantes, empurrando para zonas de transição ou para a periferia os menos providos ou “despersonificados” (destituídos de entidade ou status próprio). É segundo esta imagem que o modelo de Park, freqüentemente, tem sido rotulado de “darwinismo social” por remeter para uma espécie de “equilíbrio final” a razão da competição, a preservação do equilíbrio entre população e recursos, a adaptação do homem ao seu habitat e uma interdependência biológica e cultural. A cidade tende a uma entidade de funcionamento “orgânico”, como um laboratório social que, enquanto território perpassado por crises sociais e dependências funcionais, conhece processos de mobilidade e desorganização sociais e contrasta, em absoluto, como o modo de vida do “campo”.

Outro elemento relevante do pensamento de Park é o cultural: a cidade, mais do que um amontoado de indivíduos e edifícios , “é um estado de espírito, um corpo de costumes e tradições” (1987:26). É nesse contexto que a competição humana conhece, ao contrário das espécies animais, limitações impostas pelo costume e pelos processos de negociação que podem permitir obter consensos58. Tais limitações, argumentava-se, são necessárias

atendendo a que, aliás, na esteira do pensamento de Durkheim, o homem possui vontades insaciáveis e impulsos egoístas que a sociedade terá de regular e moderar (recordemos as condutas dos vilacondenses e o “regulamento” do “núcleo antigo”). Por outro lado, Park não é movido por uma intencionalidade de limpeza dos socialmente marginalizados ou mais vulneráveis: aparentemente, ao classificar os grupos e os indivíduos excêntricos ou marginais como elementos “naturais” e próprios do meu urbano, não é para legitimar a sua condição marginal; ao contrário, preocupado com a necessidade de restaurar a “ordem moral” e evitar o caos social, denota um propósito reformador no sentido de melhorar as condições de vida, integrar socialmente os grupos desfavorecidos e reforçar a coesão social. É por este sentido reformador que este modelo de abordagem da cidade se instala nas concepções de

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Esta oposição entre mundo animal e vegetal versus sociedade humana, resulta de uma oposição mais ampla – a oposição natureza-cultura -, que a partir da divisão dos saberes científicos, entre as ciências da natureza, empiricamente comprováveis, e as ciências das “sociedades” que buscam um sentido mais compreensivo e relacional dos fenômenos, do que explicações últimas. A tentativa de Émile Durkheim de constituir uma “ciência social” com o pressuposto da possibilidade de transposição das propriedades do funcionamento “orgânico” da “natureza” para explicar as formas de organização da sociedade – a “ordem” e a “desordem” -, conduziu, freqüentemente, à constituição de oposições e complementaridades na configuração dos métodos de análise dos fenômenos sociais.

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planejamento, acreditando-se na possibilidade de “intervenção corretiva” do “Plano” e na sua capacidade de gerar condições de equilíbrio nesse “organismo” sócio-espacial.

Outro autor representativo da “Escola de Chicago” é Wirth59 que, sustentando a

distinção de Tönnies 60 entre “associação” e “comunidade”, e recolhendo sincreticamente

elementos de Durkheim, Weber, Mannheim 61 e, sobretudo Simmel, define a cidade como “um

núcleo relativamente grande, denso, e permanente de indivíduos socialmente heterogêneos” (1987:90). Desse modo, tal como Parker, destacando como centrais, e universais, determinadas características populacionais (tamanho, densidade, heterogeneidade), concebe o “urbanismo” como um modo de vida peculiar, em que as relações sociais são caracterizadas por atomização e anonimato, impessoalidade e superficialidade, segmentação e diferenciação de papeis resultantes da divisão social do trabalho. Ou seja, o aumento de habitantes numa determinada área constante, elevando a densidade demográfica, afeta também as relações entre as pessoas e tende a diferenciá-las de acordo com a especialização de funções, volume de rendimentos, bairro residencial ou tipo de alojamento, pertença estatutária (“status” e/ou “estamento”, na argumentação de Weber), étnica ou outra. Na cidade abrandam os laços de parentesco e amizade, as relações sociais deixam de ser primárias ou face a face (como na comunidade tradicional), e passam ser secundárias e contratuais, instrumentais e transitórias. Sustentava-se a idéia que à proximidade dos contactos físicos não se segue, necessariamente, uma proximidade social, verificando-se uma acentuada distância social e fortes contrastes entre ricos e pobres. A cidade constitui, assim, um mosaico de mundos sociais diferenciados, cujos protagonistas, apesar das distâncias, interagem e conhecem processos não apenas de

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Louis Wirth (1897-1952), sociólogo alemão, membro da “Escola de Chicago”, acreditava, tal como Simmel, que o estabelecimento de cidades implicava o surgimento de uma nova forma de cultura, caracterizada por papéis fragmentados, predominância de contatos secundários sobre os primários, isolamento, superficialidade, anonimato, relações sociais transitórias e com fins instrumentais, inexistência de um controle social direto, diversidade e fugacidade dos envolvimentos sociais, afrouxamento nos laços de família e competição individualista. Suporta esse olhar, com base na observação dos guetos urbanos e suburbanos, que a cidade industrial americana tinha fomentado a partir de seu descontrolado crescimento, recebendo de muitos lugares, sobretudo do espaço rural, populações que “não se integravam” na “ordem urbana” dominante. Seus estudos visavam, pois, a busca de soluções para reaproximação a uma dada “ordem” na suposição as novas expressões “desordenadas” dos fenômenos urbanos se constituíssem, ainda assim, como situações transitórias e particulares.

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Ferdinand Tönnies (sociólogo alemão, 1855-1936), foi um dos fundadores da Associação Alemã de Sociologia. Apresentou, em 1887, os conceitos de "comunidade" e de "associação", referências fundamentais para sociologia empírica e aplicada no estudo das transformações das relações na sociedade.

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mobilidade sócio-espacial como, também, por ação da escola e dos meios de comunicação, de relativo nivelamento e homogeneização.

Metodologicamente, observa-se, que a abordagem tende a tipificar as “causas” em função de um padrão de “efeitos”, empiricamente registrados, sem que se atendam às determinações “internas” do fenômeno – a cidade tende a naturalizar, em suas próprias propriedades, as contradições, os paradoxos e os “desvios” a uma “ordem”, que se reconhece seja a ideal, entendida nas comunidades tradicionais. Essa análise estruturada segundo padrões leva Wirth (1987), a abordar a cidade segundo três ângulos: a) “ecológico”, na medida em que o meio urbano, denso, diferenciado e heterogêneo, além de dominar as periferias da cidade, marca os modo de uso do solo e o seu diferenciado valor conforme os locais da cidade, distribui e seleciona os indivíduos nas diversas zonas; b) “organizacional”, dado que as formas de organização de vida, contrastando com as da comunidade rural, transformam os contactos primários pelos secundários, enfraquecem os laços de família e de vizinhança, transferem as funções desta para a escola e outras instituições e proporcionam a criação de associações de base voluntária; e “normativo-cultural”, na medida em que as atitudes e os comportamentos dos indivíduos são condicionados ou influenciados pelos padrões de vida e comunicação urbanas, aos quais não são alheias situações de desorganização social, bem como a presença de personalidades delinqüentes, “esquizóides”, não raro, suicidarias.

Sem um objetivo claro de aprofundamento de conceitos, Whirt preocupava-se, sobretudo, com a questão do consenso e da coesão social, convergindo, neste sentido, com as motivações dos teóricos funcionalistas, nomeadamente de Durkheim, e da corrente dominante americana. A coesão social, entendia-se, assenta na divisão do trabalho e na competição econômica presentes na sociedade urbana e nas suas diversas instituições.

Na seqüência desses estudos, foi surgindo, entre as décadas de 1920 e 1940, uma série de monografias que davam conta e ilustravam, de modo exemplar, os fenômenos urbanos, tais como a emigração, as relações de vizinhança ou as relações informais nos diversos submundos da cidade. Entre outros conceitos centrais das análises dos autores da “Escola de Chicago”, destacavam-se os de “inadaptação” e “desorganização social”, vistas, sobretudo, a partir do prisma do indivíduo. Ficavam de fora as leituras da expressão mais coletivas dos mesmos fenômenos, o que conduziu a uma generalização do “singular” quando

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se tratava de abordar a cidade – a lugar urbano parecia condensar, como coletivas, ou pelo menos grupais, todas as “patologias” que se observavam nas condutas individuais, sem que se analisassem os “fenômenos” enquanto “processos”, mas apenas como “fatos”. Mais, o planejamento urbano daí decorrente, seguia um mesmo olhar – efeitos singulares isolados, igualmente identificados em outras cidades, significavam o mesmo quadro de problemas, para os quais o urbanismo “sabia” dever aplicar a mesma solução (recorde-se o Plano de Urbanização de Carvalho Dias em Vila do Conde, onde as formas estereotipadas vinham como solução para os “problemas de desenvolvimento” registrados).

O modelo (neo)weberiano: a cidade autocéfala como expressão da comunidade política.

Para Weber 62 (1987), a cidade moderna tem origem não nos modelos da antiguidade

clássica, mas nos condicionalismos gerados na própria cidade medieval ocidental, os quais proporcionaram não só a aparecimento da manufatura como uma deslocação das relações de poder senhorial rural para uma nova classe emergente sediada na cidade: a burguesia. Esta leitura insere-se numa outra relativa à compreensão e à explicação da gênese do “capitalismo”, onde a cidade constitui “uma entidade específica que, em determinado momento, desempenha um papel de gênese da burguesia e na autonomização do campo econômico em relação a outros campos, nomeadamente o campo político e mesmo o campo religioso”. Ela contribui, nesse olhar, para o processo de racionalização crescente da sociedade ocidental: segundo Weber (2006), o nascimento do capitalismo dever-se-ia não apenas ao fator religioso, como pretendem alguns antimarxistas, mas à conjugação de diversas circunstâncias, nomeadamente econômicas, políticas e religiosas. Ou seja, tratar-se-ia de uma afinidade eletiva entre o novo tipo de empresário burguês (racionalidade da contabilidade empresarial, poupança, ética do

62 Max Weber (intelectual alemão, 1864-1920). “Nos estudos sobre a cidade, quer sob a ótica da história, do urbanismo, quer sob a da sociologia urbana, por vezes o texto A Cidade surge como elemento autônomo (e até mesmo como publicação isolada), no quadro de referências fundamentais para o estudo dos fenômenos urbanos. (...) O objeto de pesquisa de Max Weber, no âmbito de outras aproximações por ele formuladas como em A Ética Protestante e o Espírito do

Capitalismo, parece ser uma indagação sobre diferentes formas da economia urbana e do exercício do poder (e/ou da

dominação) nas cidades da Antigüidade e da Idade Média, sobre as condições do seu surgimento e sobre as suas conseqüências para a evolução de novos comportamentos dos agentes econômicos, de novas formas de organização econômica e sobre a emergência do capitalismo moderno.” (SOUSA, António M. L. “Para os estudos e práticas urbanas, um olhar sobre Max Weber”. In: Booc – Biblioteca Online das Ciências da Comunicação, Universidade da Beira Interior. Covilhã: 2009. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-miguel-olhar-sobre-max-weber.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2010.)

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trabalho) e os princípios da ética protestante; afinidade essa decisiva na gênese, mas de modo algum, no desenvolvimento do capitalismo.

Na luta pela emancipação relativa à organização feudal medieval e na legitimação dessa “nova ordem” sobressaíram, além das classes camponesas, os nascentes quadros intelectuais (juristas, médicos, astrônomos) e, sobretudo, as corporações de artesãos e empreendedores “burgueses”, as quais, além de assistir e proteger os seus associados (fixação de preços, monopólio de produção) e moderar contendas internas, tiveram uma ação relevante no desmantelamento do sistema parental tribal, ou de clãs, e no processo de usurpação e dissolução das instituições do poder feudal (senhorial e clerical) em seu favor. Tal processo de usurpação revolucionária resultaria na eliminação do pagamento de tributos ao “senhor”, revertendo os impostos em benefício da cidade e de seus moradores. Ocorre, assim, segundo a perspectiva weberiana, uma mudança na natureza da dominação de classe, sendo a feudal substituída pela burguesia comercial e, seguidamente, manufatureira.

É justamente no quadro da análise sociológica da gênese do capitalismo que Weber procurará compreender e explicar a cidade, começando por recorrer ao seu instrumento de análise: a definição “tipo-ideal” de cidade. Certamente que Weber (1987:68-ss), no seguimento de seu método das “causas múltiplas”, teve presente os mais diversos aspectos da realidade urbana sistematizados por Freund (2000): a) o “geográfico-espacial”, o qual, enquanto localidade com considerável aglomeração de casas, assenta no critério da quantidade, sem que as casas possuam, necessariamente, entre si relações de interconhecimento e vizinhança; b) o “jurídico”, enquanto entidade detentora de direitos e deveres; c) o “econômico”, na medida

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