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Do Primado do Direito Comunitário. ou o Equivalente Europeu da “Supremacy Clause” Americana495

Há um traço comum entre a federação americana e a confederação europeia.

O princípio do primado do direito comunitário consiste no facto de que, perante um conflito entre as leis estaduais e as leis da união sobre o mesmo assunto, existe uma primazia, uma preempção do direito federal (o que é o direito comunitário senão um direito federal em estado embrionário ?). Para álem disso a primazia significa que o direito da União nunca poderá ser revogado pela legislação nacional de um estado. Obriga os tribunais nacionais a serem vigilantes a protegerem o direito comunitário e a aplicarem-no “de uma forma tipicamente federal”.496 Desta forma garante-se a subordinação dos direitos nacionais ao direito federal, por uma via hierárquica. O direito comunitário torna-se supra estadual. 497

O primado do direito da União Europeia é um primado de direito comunitário originário (dos tratados celebrados) e derivado (regulamentos e directivas).498 Tal como sucedeu nos Estados Unidos o grande responsável pelo desenvolvimento deste princípio foram os tribunais e na Europa o TJUE. Mesmo quando este princípio não existia nos tratados europeus, nem era assegurada a primazia do direito comunitário, coube ao TJUE inventar e promover essa supremacia.499 O Primado do Direito

495

- Para Guilherme de Rezende trata-se de uma manifestação de um federalismo jurídico, em Guilherme Fabiano Julien de Rezende, A Experiência de Integração Americana e Europeia: Direito Institucional, Ob. Cit, pág 33 § 116, ainda nota 49 da mesma página e pág 35 § 121. Vide também João Pedro Arsénio de Oliveira, Quo Vadis, União?ob. cit. pág 41.

496

- Em Jónatas E. M. Machado, Direito da União Europeia, Ob. Cit. pág 543. Sobre a supremacia comunitária «Quando o Tribunal de Justiça (...) afirmou a supremacia do ordenamento comunitário sobre os ordenamentos jurídicos nacionais, deu-se nítido avanço no sentido federal.» em Paulo De Pitta E Cunha, A Integração Europeia no Dobrar do Século, Ob. Cit. pág 133. Novamente para Paulo de Pitta e Cunha este princípio assume caraterísticas federais, em Paulo Pitta e Cunha, Direito Europeu, Instituições e Políticas da União, ob. Cit. pág 41. Sobre a impossibilidade de revogação do direito comunitário, Klaus- Dieter Borchardt, O ABC do Direito Comunitário ob. cit. pág 24.

497

- Por exemplo considerando que existe uma supremacia do direito comunitário sobre as constituições nacionais temos Hjalte Rasmussen em Edmond Orban, Federalism and Supreme Courts,Bruxelles Établissements Émile Bruylant 1991, ob. Cit. pág 205 e nota 8. Por sua vez Paulo Da Cunha Rendeiro considera que o primado «não é absoluto, pois, por um lado, há matérias que não cabem nas atribuições da União Europeia e, por outro, em princípio, cede em matéria de princípios fundamentais.» em João Paulo Da Cunha Rendeiro Chumbinho, A Evolução da Actividade Interpretativa do Juiz da União Europeia e a Aplicação das Teses de Hart e de Dworkin, ob. Cit.pág 35. Consideramos a situação ultrapassada, como refere José Caramelo Gomes, o TJUE, tomou uma decisão que lhe permitiu assegurar o primado absoluto do direito comunitário, ao mesmo tempo que considera os direitos fundamentais como parte “integrante dos princípios gerais de direito” remetemos para o autor em José Caramelo Gomes, Lições de Direito da União Europeia, ob. Cit. pág 229 e 230. Jónatas Machado fala num «Federalismo constitucional pactuado» em que os tribunais constitucionais adotam uma posição minimalista, ver Jónatas Machado, Direito da União Europeia ob. Cit pág 546.

498

- Cfr pág 52 de L. Barbosa Rodrigues, Introdução ao Direito, Geral, Interno, da União Europeia e Internacional, Lisboa, Quid Juris, Sociedade Editora. 2012.

499

- Dito de forma muito direta por Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Ob. Cit pág 494. Ainda pág 41 de João Pedro Arsénio De Oliveira, Quo Vadis, União? ob. Cit. «O princípio do primado do Direito Comunitário é uma invenção jurisprudencial». Tanto que a ideia de preempção, foi retirada de jurisdições estrangeiras

127

Comunitário é portanto mais uma criação jurisprudencial do TJUE que ficou estabelecida no caso

Costa vs Enel, Processo 6-64.500

Neste caso relevam duas ideias. Primeiro, que os Estados membros ao «criarem uma

Comunidade de duração ilimitada» para a qual transferiram poderes, atribuíram-lhe capacidade e

personalidade jurídica, auto limitaram-se em certos domínios da sua soberania e que ao ser criada essa Comunidade foram-lhe destacadas competências que lhe permitiram desenvolver um direito comum a todos os estados membros, uma «ordem jurídica própria».501

Em segundo lugar, os estados não podem por isso voltar atrás nessa transferência de poderes, adotando para o efeito medidas internas que são contrárias ao direito estabelecido por essa nova comunidade. Dessa forma o direito comunitário tem de se impor às leis nacionais. O Direito comunitário tem prevalência sobre os todos os atos legislativos nacionais, devendo ser aplicado de forma uniforme e simultânea pelos Estados membros.

Do Princípio da Interpretação Conforme o Direito Comunitário 502

Existem duas visões associadas ao princípio supra identificado. Na primeira, a interpretação conforme, encaixa-se numa questão prejudicial. Após enviar uma questão para o TJUE, o juiz nacional terá de aplicar o direito comunitário de acordo com a interpretação feita pelo TJUE, conferindo depois a nível nacional, a compatibilidade da interpretação com a legalidade nacional do seu estado. Esta é a perspectiva do tribunal e do juiz nacional.

Na segunda visão, que nos interessa mais, o princípio da interpretação conforme, ou princípio do efeito indireto, é enquadrado numa questão do efeito direto das diretivas. Na eventualidade de uma

(quiça, afirmamos nós dos EUA) e aplicada no caso Pigs Marketing Board vs Redmond Caso 83/78, ECR 2347 de 1978, vide Hjalte Rasmussen em Edmond Orban, Federalism and Supreme Courts,Bruxelles Établissements Émile Bruylant 1991, ob. Cit. pág 206.

500

- Caso Flaminio Costa contra E.N.E.L. Processo 6-64. Sumário em http://eur-lex.europa.eu/legal- content/PT/TXT/?qid=1456485499564&uri=CELEX:61964CJ0006. Decisão em http://eur-lex.europa.eu/legal- content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61964CJ0006&qid=1456485499564&from=PT. Sobre este caso vide também João Paulo Da Cunha Rendeiro Chumbinho, A Evolução da Actividade Interpretativa do Juiz da União Europeia e a Aplicação das Teses de Hart e de Dworkin, ob. Cit. pág 35. Vide Klaus- Dieter Borchardt, O ABC do Direito Comunitário, ob. Cit. pág 101. Vide Maria Luisa Duarte, Direito Internacional Público, E Ordem Jurídica Global do Século XXI, ob. Cit. pág 319. Vide ainda João Pedro Arsénio de Oliveira, Quo Vadis, União?, Uma Perspectiva sobre o futuro da União Europeia, ob. Cit. pág 41 a 45. O Tribunal de Justiça, A sua jurisprudência em

http://curia.europa.eu/jcms/upload/docs/application/pdf/2012-09/c_jurisprudence_pt.pdf

501

- Ambas as citações presentes no processo Flaminio Costa Vs E.N.E.L, Processo 6-64, pág 555.

502

- Sobre este princípio vide em especial Maria Rosa Oliveira Tching, «Juiz Nacional- Um Juiz Cada Vez Mais Europeu!», Revista Julgar, Nº 14,Coimbra Editora S.A., Maio- Agosto de 2011, pág 141 e ss. Miguel Gorjão-Henriques, Direito da União, Ob. Cit pág 417 a 422. Francisco das C. Lima Filho, «A Ordem Jurídica Comunitária Europeia: Princípios e Fontes», Revista Jurídica UNIGRAN, v 8 nº 15,Jan./Jun de 2006, pág 75 e ss. Gabinete de Direito Europeu, «A Interpretação do Direito Nacional Conforme ao Direito Comunitário», Colecção Divulgação do Direito Comunitário, Ano 11, Revista Nº 32,Ministério da Justiça, 2000, pág 117 a 119.

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transposição incorreta ou inexistente, ou na eventualidade da lei nacional anteceder temporalmente uma diretiva comunitária, ou na pendência de legislações nacionais (período de transição), os tribunais judiciais dos estados membros, devem interpretar a legislação nacional conforme o espírito e letra do direito comunitário. Este princípio pode ser apreciado em qualquer fase processual pelo TJUE e de forma repetida.

Vamos desmontar agora cada um dos elementos da segunda visão.

Primeiro elemento - “O princípio do efeito indireto é enquadrada numa questão do efeito

direto das directivas”.

Esta é a regra geral. Porém, também as decisões-quadro podem ser alvo de uma interpretação conforme o direito comunitário. Como entendeu o TJUE no caso contra Maria Pupino.503 Considerou o tribunal que a sua competência a título prejudicial ficaria privada e enfraquecida caso não pudesse avaliar as questões a ele submetidas pelos particulares. Nesse sentido podem os particulares dos estados membros recorrer ao TJUE, caso o entendam, a questões prejudiciais que envolvam a interpretação de decisões-quadro, tendo em vista obter a interpretação conforme o direito comunitário.

504

Seria muito dificil para a União Europeia atingir uma união cada vez mais estreita se os estados se esquivassem às obrigações no âmbito da cooperação policial e judiciária em matéria penal.505

Segundo elemento –“Na eventualidade de uma transposição (...) inexistente”

Relevam dois casos. Em Sabine von Colson and Elisabeth Kamann VS Land Nordrhein506 o Tribunal entendeu que a diretiva não exigia que o empregador fosse obrigado, como ato sancionatório, a contratar a pessoa alvo de discriminação, já que a diretiva não continha obrigações incondicionais ou

503

- Processo Criminal contra Maria Pupino Processo C-105/2003. Decisão e Sumário nos seguintes links

http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62003CJ0105&from=EN, sumário http://eur- lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?qid=1447870585686&uri=CELEX:62003CJ0105 . Sobre os factos deste caso vide Par. 12 a 18. Pupino foi, acusada de ofensas à integridade física a crianças com menos de 5 anos de idade, no período compreendido entre Janeiro e Fevereiro de 2001.

504

- Idem Par. 43. Vide ainda Par. 37, 38 e 40.«(...) o princípio da interpretação conforme se impõe relativamente às decisões-quadro adoptadas no âmbito do título VI do Tratado da União Europeia. Ao aplicar o direito nacional, o órgão jurisdicional de reenvio chamado a proceder à sua interpretação é obrigado a fazê-lo, na medida do possível, à luz do teor e da finalidade da decisão-quadro, a fim de atingir o resultado visado por esta última.»

505

- Idem, Par. 42.

506

- Sabine von Colson and Elisabeth Kamann VS Land Nordrhein-Westfalen Processo 14/1983. Decisão e

Sumário nos seguintes links http://eur-lex.europa.eu/legal-

content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:61983CJ0014&qid=1447256769785&from=PT . Sumário http://eur- lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?qid=1447524048416&uri=CELEX:61983CJ0014. Ver sumário, factos e acordão § 1

a 5. Duas mulheres candidataram-se a duas vagas na prisão de Werl. As candidaturas foram rejeitadas, numa clara discriminação sexual e em seu lugar, foram escolhidos dois homens menos qualificados. Esta situação era contrária à diretiva comunitária 76/207/EEC de 9 de Fevereiro 1976, sobre a igualdade de tratamento entre homens e mulheres, no acesso ao emprego.

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suficientemente precisas que permitissem compensar o indivíduo, alvo de comportamento discriminatório.507

Por outro lado, a diretiva apenas impunha a proibição de discriminação em função do sexo deixando livre aos estados a escolha dos meios para atingir esses fins. Caso os estados quisessem sancionar essa violação da proibição de discriminação teriam de aplicar, no entanto, uma sanção mais severa e adequada em relação ao dano sofrido, do que aplicar um montante meramente nominal. 508

Esta ideia de “obrigações incondicionais ou suficientemente precisas” fez jurisprudência e voltou a ser usada, posteriormente, em múltiplos casos do TJUE. Foi a base de futuros desenvolvimentos jurisprudênciais.

O seguinte desenvolvimento deu-se num litígio entre uma empregada, M. H. Marshall, e a Autoridade de Southampton and South-West Hampshire Area Health. 509

Como a primeira questão, se o despedimento da empregada foi uma discriminação que violava a diretiva comunitária, foi respondida afirmativamente, 510 o TJUE, dedicou a sua atenção à segunda questão colocada. Se o artº 5 da diretiva podia ser invocado pelos particulares nos tribunais nacionais sem que ela tivesse sido transposta. O tribunal foi da opinião que, no caso de particulares, eles podem invocar contra os estados, as diretivas comunitárias que não foram transpostas,511 desde que as mesmas sejam “incondicionais e suficientemente precisas”. Quanto aos estados, os mesmos não podem invocar em tribunais nacionais o incumprimento de obrigações aos particulares, das directivas comunitárias que eles próprios não transpuseram.512

No entanto este acordão foi um pouco mais longe. A Southampton and South-West Hampshire Area Health Authority (Teaching) era uma autoridade pública e havia a necessidade de saber se os particulares podiam agir só contra os estados que não transpõem as diretivas ou se as autoridades públicas, neste caso administrativas, estariam também incluídas.

507

- Idem § 27. Tradução de «the directive does not include any unconditional and sufficiently precise obligation (...)»

508

- Idem § 28.

509

- M. H. Marshall v Southampton and South-West Hampshire Area Health Authority (Teaching) Processo

152/1984. Decisão http://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61984CJ0152&qid=1447869283611&from=EN , Sumário em http://eur- lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?qid=1447869283611&uri=CELEX:61984CJ0152 . Sobre os factos vide Par. 3, 4 e 5. Uma empregada, de 62 anos, foi despedida por ter ultrapassado a « idade de reforma» prevista para as mulheres aos 60 anos, apesar da mesma ter expresso a vontade de trabalhar até aos 65. A Diretiva comunitária 76/207 de 9 de Fevereiro de 1976 visava a concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se referia ao acesso ao emprego, formação profissional e às condições de trabalho. A legislação inglesa previa a idade de reforma para os 60 anos, se bem que, não impunha essa obrigação aos trabalhadores.

510 - Idem, § 12, 21, 38 e 39. 511 - Idem, § 46 e 55. 512 - Idem, § 47.

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O TJUE entendeu que sim, já que as autoridades públicas, são formas de expressão da vontade estadual. Assim, os particulares podem invocar a diretiva não transposta e «podem fazê-lo qualquer

que seja a qualidade em que aja este último [o Estado]— a de empregador ou a de autoridade pública».513 A finalidade máxima é impedir que o estado, numa das suas “personas”, saia beneficiado com o seu incumprimento.

Dessa forma, os particulares podem invocar as diretivas não transpostas contra o estado e contra as autoridades públicas, desde que as diretivas sejam “incondicionais e suficientemente precisas”.514

Terceiro elemento – “Na eventualidade de uma transposição incorrecta”.

No caso Ursula Becker Vs Finanzamt Münster-Innenstadt Ursula Becker 515 o tribunal afirmou que os estados têm a obrigação de aplicar as medidas que dizem respeito à implementação da diretiva. Podem porém, surgir especiais problemas se os estados transpuserem incorretamente as diretivas comunitárias. Uma vez que isso implica consequências e obstáculos diretamente aos particulares516 que não poderiam defender os seus direitos ao abrigo da legislação comunitária.

Assim, os particulares podem invocar as diretivas comunitárias incorretamente transpostas contra os Estados, desde que estas sejam “incondicionais e suficientemente precisas”. Quanto aos estados, perante diretivas comunitárias “ incondicionais e suficientemente precisas”, não podem invocar nos tribunais nacionais a sua transposição incorreta contra os particulares uma vez que foram eles próprios que as transpuseram de forma deficiente.517

O tribunal decidiu que o estado não poderia invocar a sua falha em transpor a diretiva e que a isenção atribuída ao particular foi considerada “incondicional e suficientemente precisa”. Replicou

513

- Idem § 49. Parentesis rectos e sublinhado nossos.

514

- Idem § 50, 51, 55 e 56.

515

- Ursula Becker v Finanzamt Münster-Innenstadt Processo 8/1981. Sobre este caso ver http://eur- lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:61981CJ0008&qid=1447867914106&from=EN , sobre o Sumário

http://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?qid=1447867914106&uri=CELEX:61981CJ0008 . Ursula Becker era uma negociadora de créditos, que procurou a isenção do “turnover tax” devido à profissão que exercia. Isenção essa, garantida pela diretiva 77/388/EEC, de 17 Maio de 1977, que visava a harmonização das leis relacionadas com a “turnover tax”. Por sua vez, o estado alemão, não conseguiu transpor as modificações necessárias solicitadas pela diretiva, no prazo indicado de 1 de Janeiro de 1978, tendo de solicitar um novo prazo que ficou agendado para 1 de Janeiro de 1979. Contudo, o estado alemão apenas transpõs a diretiva a 1 de Janeiro de 1980. Rejeitando o argumento da isenção, a delegaçao local de impostos, a Finanzamt Münster-Innenstadt, solicitou a Ursula Becker o pagamento de vários milhares de marcos, em impostos devidos, entre os meses de Março a Junho de 1979.

516

- Idem Par 20 e 23.

517

- Estas duas ideias são incluídas no acordão em si, retiradas dos Par. 20, 24 e 25. Viria a ser depois consagrada em jurisprudencia. Um excelente exemplo destas duas ideias surgem no Processo-crime contra Kolpinghuis Nijmegen BV em especial no § 7 e 8. Dados sobre esse caso mais à frente, que atribui ao caso Becker v Finanzamt Münster-Innenstadt a autoria destas duas argumentações.

131

ainda que as dificuldades administrativas para os estados que advêm das isenções existentes na diretiva devem ser unicamente suportadas por eles próprios e não ser transferidas para os particulares.518

Quarto elemento - “Ou na eventualidade da lei nacional anteceder temporalmente uma

directiva comunitária”.

Marleasing intentou um pedido de anulação do contrato de sociedade contra a empresa “La

Comercial Internacional de Alimentacion SA”.519 A questão deste caso, colocada pelo tribunal espanhol, era saber se a interpretação da diretiva, nomeadamente do seu artº 11, era diretamente aplicável e se poderia haver uma declaração de invalidade de uma sociedade, baseada num fundamento, numa razão diferente daquelas que eram apresentadas no artigo 11º.520

Mais uma vez, o TJUE salientou que «ao aplicar o direito nacional, quer se trate de

disposições anteriores ou posteriores à directiva (...)»521 os tribunais nacionais tinham de interpretar “conforme” o direito comunitário. Como tal o artº 11 devia ser interpretado deixando de fora quaisquer outras causas que não as “enunciadas na directiva”. Existia até, quanto à questão da invalidade do contrato de sociedade, uma proibição dos estados membros de preverem outros fundamentos que não os apontados pela diretiva. O artº 11 era então de interpretação restrita.522

Quinto elemento - “Ou na pendência de legislações nacionais (período de transição)”.

Em Impresa Costruzioni comm. Quirino Mazzalai VS Ferrovia del Renon523 o Estado Italiano reivindicou que a diretiva comunitária não podia dispor sobre uma situação transitória do seu direito

518

- Ursula Becker v Finanzamt Münster-Innenstadt Par. 27, 40, 47 e 49

519

- Marleasing SA VS La Comercial Internacional de Alimentacion SA Processo 106/1989. Decisão e Sumário nos seguintes links http://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:384f064c-f467-4dda-a3cb- a44d930a6e25.0009.02/DOC_1&format=PDF , http://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:384f064c-f467-4dda- a3cb-a44d930a6e25.0009.02/DOC_2&format=PDF . Sumário em http://eur-lex.europa.eu/legal- content/PT/TXT/?qid=1447524911490&uri=CELEX:61989CJ0106 . Sobre mais factos vide sumário, relatório para audiência e § 2 e 3 do acordão. Havia suspeitas de simulação do contrato de sociedade, tudo com o objetivo de furtar e desviar ativos da empresa Barviesa, para a empresa “La Comercial”, prejudicando os seus credores, entre os quais, a empresa Marleasing. O caso Marleasing SA VS La Comercial Internacional de Alimentacion SA, revolvia à volta da não transposição por Espanha, da Diretiva Comunitária 68/15l/CEE. A directiva assegurava a segurança jurídica e a uniformização nas relações entre algumas das sociedades, nomeadamente anónimas e de terceiros, assim como, estabelecia as garantias que são exigidas às sociedades e determinava as causas, de invalidade dos contratos de sociedade.

520

- Idem, § 4 e 7.

521

- Idem, Par. 8. Sublinhado nosso.

522

- Idem, todos os argumentos presentes nos Par. 9,10, 12 e 13.

523

- Impresa Costruzioni comm. Quirino Mazzalai VS Ferrovia del Renon Processo 111/1975. Decisão e Sumário

nos seguintes links http://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61975CJ0111&qid=1447440153445&from=PT , http://eur-lex.europa.eu/legal- content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:61975CJ0111&from=PT , sumário em http://eur-lex.europa.eu/legal- content/PT/TXT/?qid=1447442823940&uri=CELEX:61975CJ0111 . Sobre os factos ver sumário, relatório para audiência e § 1 a 3 do acordão. Caso que envolvia um contrato de prestação de serviços, celebrado em 1964, em que a empresa Impresa Costruzioni comm. Quirino Mazzalai se comprometia, a construir um «cable railway» para a Ferrovia del Renon. Apesar da

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interno. O TJUE teve um entendimento diferente. Entendeu que as leis nacionais deviam ser interpretadas e aplicadas de acordo com os ditames das diretivas comunitárias. Neste caso foi-se até um pouco mais longe e estabeleceu-se que a interpretação conforme o Direito Comunitário, deveria abranger também os períodos de transição entre as legislações nacionais.524

Sexto elemento - “Os tribunais judiciais dos estados membros devem interpretar a legislação

nacional conforme o espírito e letra do direito comunitário.”

Foi no caso Sabine von Colson and Elisabeth Kamann VS Land Nordrhein que, para atingir o disposto do então artº 189 do Tratado da CEE, o TJUE estipulou que «national courts are required to

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