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Europa e a Ideia Federal do Séc XX

No documento Federalismo judicial europeu : que futuro? (páginas 104-109)

Após expor no início da tese as ideias filosóficas que estão na origem do federalismo, vamos fazer uma curta passagem pela evolução da ideia federal no séc XX europeu e pelos seus defensores europeus.

As ideias federalistas do séc. XX europeu costumam ter sempre por base o exemplo americano e isso deve-se ao sucesso do mesmo. 417

Mesmo antes de chegar o séc. XX, em 1877, o jurista inglês Lorimer, no “Plano de Lorimer”, pretendia criar uma Assembleia Internacional Europeia um Secretariado e um tribunal de justiça. Foi precisamente criticado por almejar um estado federal e se inspirar no exemplo Americano. 418

Em 1923 o aristocrata austro-húngaro, Richard Coudenhove-Kalergi, no seu livro Pan Europa, propôs uma construção federal da Europa, a “Pan Europa”, baseando-se de forma rudimentar no exemplo norte-americano e na sua constituição. 419

Édouard Herriot foi mais um federalista que ansiava uma Europa agregada numa União Europeia. Desejava ardentemente «ver um dia surgirem os Estados Unidos da Europa». No seu livro Europa, de 1926, advogava a integração económica da Europa numa União Económica e Aduaneira. 420

Ainda antes da Segunda Guerra Mundial Aristide Briand, Ministro dos Negócios estrangeiros francês, inspirado por Kalergi, defende a ideia de uma federação Europeia, ideia que iria apresentar em Setembro de 1929 à Sociedade das Nações. Ao longo da sua vida tentaria, embora sem sucesso, colocar em prática o «le lien féderal entre États européens (...) La réalisation d´une organisation

417

- Os federalistas têm sempre por base o modelo americano ou alemão. O alemão é irrelevante para a nossa tese. Vide pág 495 de Adriano Moreira, Teoria das Relações Internacionais, 8ª Edição, Edições Almedina. 2014.

418

- Cfr. Pág 494 de Roland Marx Francois Dreyfus, Raymond Poidevin, História Geral da Europa, III Volume, Publicações Europa- América, LDA. 1980.

419

- Kalergi receia, literalmente, uma invasão soviética da Europa e para evitar isso propõe « Against this danger[da invasão soviética] there is only one salvation: the European union(...) First, grouping of European countries according to the Pan-American pattern.(...) the Pan-European movement should realize: the United States of Europe!» Texto integral em inglês no seguinte link https://eufundedproeutroll.wordpress.com/2014/06/08/eu-federalization-the-pan- european-manifesto-paneuropa/ . Sublinhados e parêntesis nossos. Sobre o mesmo assunto vide ainda pág 199 Viriato Soromenho-Marques, Portugal na Queda da Europa, 1ª Edição, Lisboa, Circulo de Leitores. Maio de 2014. Vide Pág 44 e 45 de Aurélio Crespo, O Federalismo, Um Modelo para a Europa? , Lisboa, Edições Cosmos. 1998. Ver Pág 114 de Arnaldo M. A. Gonçalves, A Europa à Procura do Futuro, Da Convenção de Filadélfia ao Tratado de Lisboa, Livros Horizonte. Novembro de 2007.Cfr Pág 35 à 38 de Paulo de Pitta e Cunha, O Movimento Político Europeu e as Instituições Supranacionais, Sep.de Boletim do Ministério da Justiça nº 125. 1963. Vide Pág 40 e 41 de José Medeiros Ferreira, Não Há Mapa Cor-de-Rosa, A História (Mal)dita da Integração Europeia, Lisboa, Edições 70, Lda. Janeiro de 2014. O próprio Kalergi apresenta a sua proposta à Sociedade das Nações, vide este último autor na nota 30 da pág 56.

No Congresso que aprovou o Manifesto Pan- Europeu, propôs-se uma aliança militar, uma moeda comum, união aduaneira, ver pág 19 de Dusan Sidjanski, O Futuro Federalista da Europa, A Comunidade Europeia das Origens ao Tratado de Maastricht, 1ª Edição, Lisboa, Gradiva- Publicações, Lda. Janeiro de 1996.

420

- Cfr. Pág 92 de Andreia Mendes Soares, União Europeia: que Modelo Político? , Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas , Universidade Técnica de Lisboa. 2005.

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fédérative de l´Europe», 421 através da criação de agências regionais dentro da própria Sociedade das Nações. Os campos de cooperação entre as nacões europeias seriam, por exemplo, as finanças, as comunicações, o trânsito ou a cooperação intelectual. A grande depressão de 1929 e o despoletar da 2ª Guerra Mundial cessaram temporariamente os avanços de projectos federalistas.

O extermínio provocado pela Segunda Guerra Mundial e o avanço soviético foram os dois principais factores que alertaram as elites europeias para a necessidade de uma união entre os países da Europa. Após a guerra sugiu o movimento Europeu presidido pelo notável Winston Churchill, composto por outras personalidades como Bertrand Russel ou Karl Jaspers. Este movimento tinha como motivação fundamental o aproximar das nações europeias aos Estados Unidos. Havia ainda uma segunda motivação, a ideia de unir as nações europeias num federalismo como forma de evitar as guerras futuras. Dentro dessa Europa unida a presença da França e da Alemanha seriam indispensáveis para selar o processo de apaziguamento e reconciliação europeu. 422

Em Setembro de 1946, na cidade de Zurique, Churchill faz um discurso que ficará para a história, onde defendeu a criação dos “Estados Unidos da Europa”. 423

Juntamente, Schuman e Jean Monnet, ficaram conhecidos como os “pais fundadores 424” da futura Comunidade Europeia e ambos federalistas. A experiência obtida por Jean Monnet em cargos de organizações internacionais durante a Primeira Guerra Mundial, nomeadamente os Comités-Inter aliados para o Esforço de Guerra (transporte de alimentação, armamento e tropas para os aliados425), revelou-se fundamental para a criação futura da Comunidade. Enriquecido com essa experiência pessoal Jean Monnet estava ainda imbuído com a convição de que a construção europeia se faria por meio de uma organização internacional que prosseguisse o interesse comum. Não estava enganado.

421

- «Memorando sobre a organização de um regime de uma União Federal Europeia» Memorando no link

http://www.wdl.org/pt/item/11583/. Sobre este assunto pág 9 de Vasco Graça Moura, A Identidade Cultural Europeia, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos. Novembro de 2013. Vide Aurélio Crespo, O Federalismo, Ob. Cit. pág 45 e ss . Ver Pág 19 de Tony Judt, Uma Grande Ilusão?Um ensaio sobre a Europa, Lisboa, Edições 70, Lda. Junho de 2012. Cfr Viriato Soromenho-Marques, Portugal na Queda da Europa ob. Cit Pág 199. Vide José Medeiros Ferreira, Não Há Mapa Cor-de-Rosa, A História (Mal)dita da Integração Europeia, Ob. Cit. pág 55 e 56. Vide ainda Paulo De Pitta E Cunha, «Os Impulsos Federais na Construção Europeia», ob. Cit. pág 7. Vide por último Paulo De Pitta E Cunha, O Movimento Político Europeu e as Instituições Supranacionais Ob. Cit. Pág 38 à 44.

422

- Mario Monti,Sylvie Goulard, A Democracia na Europa, Uma Perspetiva de Futuro ob. Cit. pág 64 e ainda Vasco Graça Moura, A Identidade Cultural Europeia Ob. Cit. pág 10 e 47. Por último José Medeiros Ferreira, Não Há Mapa Cor-de-Rosa, A História (Mal)dita da Integração Europeia,ob. Cit. pág 10.

423

- «É imperioso construir uma espécie de Estados Unidos da Europa.» Discurso de Winston Churchill na Universidade de Zurique, a 9 de Setembro de 1946. Texto integral em português no link

https://respublicaeuropeia.wordpress.com/2003/11/23/discurso-de-zurique-winston-churchill/. Vide Arnaldo M. A. Gonçalves, A Europa à Procura do Futuro, Da Convenção de Filadélfia ao Tratado de Lisboa, Ob. Cit. pág 117.

424

- Não deixa de ser curioso e relevante o facto de a própria União Europeia querer emular o exemplo

americano, através da adopção da imagem dos “founding father”. E para ela própria os pais fundadores foram: Konrad

Adenauer, Joseph Bech, Johan Willem Beyen, Winston Churchill, Alcide de Gasperi, Walter Hallstein, Sicco Mansholt, Jean Monnet, Robert Schuman, Paul- Henri Spaak e Altiero Spinelli em Comissão Europeia, «Compreender as Políticas da União Europeia: os Pais Fundadores da União Europeia», Bruxelas, Bélgica,Serviço das Publicações da União Europeia, 2013,.

425

- José Medeiros Ferreira, Não Há Mapa Cor-de-Rosa, A História (Mal)dita da Integração Europeia, Ob. Cit. pág 17, 18 e 20.

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Poucos anos depois Schuman emite a declaração que estará na origem da CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço), que era vista como o primeiro passo «da federação europeia». 426 Criou-se uma autoridade internacional que regularia a produção de aço e carvão entre os seis estados fundadores. 427 Desta forma inicia-se aquilo que apelida de federalismo sectorial, 428 através de uma integração vertical. É relevante fazer notar que o carvão era uma matéria-prima fundamental, que acautelava 80% do consumo energético das nações envolvidas.

Este é o início da Comunidade Europeia, como uma organização de direito internacional público, que se constroi com pequenos avanços e não de uma vez só. 429 Uma europa a várias velocidades.

O tratado de Roma de 1957, permite a criação da CEE (Comunidade Económica Europeia) e da CEEA (Comunidade Europeia de Energia Atómica).

Nem sempre os avanços de integração correram bem. O sucesso das comunidades estimulou a adoção da mesma tática, do federalismo sectorial, em áreas diversas como a defesa, através da Comunidade Europeia de Defesa (CED), ou a Comunidade (Política) Europeia, 430que previa até um Supremo Tribunal de Justiça e um sistema bicameralista. Os resultados não foram os mesmos e o fracasso impõe-se.

A década de 70 e 80 é marcada por um novo paradigma, a adesão de novos países às comunidades existentes. Dinamarca, Reino Unido e Irlanda em 1973 e Grécia, Portugal e Espanha na década de 80. As novas adesões transmitiram aos estados membros fundadores e a toda a Europa a ideia de que se ia no caminho correcto e de que as comunidades eram de facto um sucesso.

426

- Declaração Schuman. Texto integral em português em http://europa.eu/about-eu/basic- information/symbols/europe-day/schuman-declaration/index_pt.htm

427

- Vide André Gonçalves Pereira, Curso de Direito Internacional Público, 2ª Edição, Edições Ática. s/d. pág 425 e ss. Ver Tony Judt, Uma Grande Ilusão?Um ensaio sobre a Europa, Ob. Cit. págs 15, 24, 28, 48. Vide ainda José Medeiros Ferreira, Não Há Mapa Cor-de-Rosa, A História (Mal)dita da Integração Europeia, Ob Cit pág . Pág 10, 11, 13.

428

- Também apelidado de federalismo funcional. Sobre este assunto pág 9 de Niele de Carvalho Silva Águas, A Ideia Federal No Projecto do Tratado Que Estebelece Uma Constituição Para A Europa, Relatório de Mestrado na Cadeira de Ciências Jurídico- Políticas,Regência Prof. Blanco De Morais, Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, 2006. Cfr pág 15 de Cristiane Helena de Paula Lima, Projectos Federais ao Longo da História da Integração da União Europeia, Relatório de Mestrado em Direito na Área de Ciências Jurídico- Internacionais,Prof. Dr. Fausto De Quadros, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Setembro de 2008. Vide ainda pág 133 de Paulo de Pitta e Cunha, A Integração Europeia no Dobrar do Século, Almedina. Janeiro de 2003. Vide pág 148 de Eduardo Paz Ferreira, Lições de Direito da Economia, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa. 2001.

O Federalismo sectorial inicia-se normalmente no sector económico, depois segue-se o social. O político é aquele que suscita maiores apreensões vide por último Adriano Moreira, Teoria das Relações Internacionais, ob. Cit. pág 496 e 500.

429

- «A Europa não se fará de um golpe, nem numa construção de conjunto: far-se-à por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto.» Declaração Schuman.

Já em 1929 o português Francisco António Corrêa referia que era necessário «para evitar sobressaltos, se vá caminhando por uma forma gradual(...)» pág 26 de Francisco António Corrêa, Estados Unidos da Europa, Conferência Realizada na Academia das Sciências de Lisboa. Dezembro de 1929.

430

- Sobre as propostas da Comunidade (Política) Europeia vide o projecto nas págs 46 e 47 de Miguel Gorjão- Henriques, Direito da União, 6ª Edição, Edições Almedina, SA. 2010.

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Com Jacques Delors já no leme é aprovado em 1986 o Acto Único que concretiza a famosa ideia de livre circulação de pessoas, bens e serviços na Comunidade. A união das três comunidades estabelecida no Acto Único está agora na origem da União Europeia.

Um novo alargamento teve lugar em 1995, com a adesão da Áustria, Finlândia e Suécia.

A concretização da ideia da livre circulação de bens e serviços, a construção progressiva do mercado único europeu, conduzem a novos desafios e a um velho sonho, a União Económica Monetária que será realizada em 1 de janeiro de 2002 com a entrada em circulação do euro. Em 2004, dá-se o maior alargamento até à data da União Europeia, com a adesão de dez novos países, Eslovénia, Eslováquia, República Checa, Chipre, Estónia, Letónia, Malta, Polónia, Lituânia, Hungria.

Os grandes impulsionadores das ideias federais começam a surgir com uma menor força, escondidos e ofuscados pelos avanços da União. No entanto continuam a aparecer os seus defensores e em 2005, com a publicação do livro «Os Estados Unidos da Europa» 431 Guy Verhofstadt volta a defender abertamente a ideia e a criação dos Estados Unidos da Europa.

Búlgaria e Roménia concretizam mais um aumento no número de estados membros em 2007. A Croácia é o último país a aderir à união Europeia, tornando-se no seu vigésimo oitavo membro. Estão previstas mais adesões para o futuro.

Encaminhando temporariamente a nossa atenção para Portugal, um acérrimo defensor do federalismo,Viriato Soromenho-Marques, faz constantemente nas suas obras uma apologia do federalismo à americana. Outro partidário do federalismo, mas de forma mais súbtil e cautelosa Maria Luísa Duarte. 432

É necessário desmistificar o argumento de que a construção da Europa e das Comunidades Europeias visava só e apenas uma maior solidariedade estadual ou o estimular dos interesses económicos dos estados. Efectivamente a construção europeia foi fortemente alicerçada numa integração económica fortissíma. Como demonstra Tony Judt, 433 os egoísmos económicos dos países envolvidos na fundação das Comunidades europeias estimularam a criação de uma solução comum.

No entanto foi sempre a inspiração federal (americana) a base sólida dos avanços de integração. O federalismo é o «mito fundador»434 europeu. É esse mito que alimenta as novas tentativas de

431

- Guy Verhofstadt, Os Estados Unidos da Europa, 1ª Edição, Gradiva. Setembro de 2006. Em especial pág 8, 10 e 50.

432

- «Não me repugna nada a ideia (...) de no futuro, a União Europeia evoluir para uma federação (...) Penso que provavelmente é mesmo um caminho que terá de ser percorrido (...)» Maria Luisa Duarte, «Conferência Internacional: O Referendo Irlandês e o Tratado de Lisboa», Revista de Estudos Europeus, Ano III - Nº5, Almedina, 2009, pág 49.

433

- Tony Judt, Uma Grande Ilusão?Um ensaio sobre a Europa, Ob. Cit pág 23 e ss, 43 e 46.

434

- « Este é o mito fundador da moderna Europa - que a Comunidade Europeia era e continua a ser o núcleo de uma perspectiva maior, pan-europeia.» em Tony Judt, Uma Grande Ilusão?Um ensaio sobre a Europa, Ob. Cit pág 50.

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integração, os avanços bem ou mal sucedidos. Existem, como se demonstrou, imensos partidários da experiência americana, sendo necessário continuar a seguir este caminho.

«Monnet “nunca duvidou que este processo nos conduzirá um dia a uns Estados Unidos da Europa”» em Mario Monti, Sylvie Goulard, A Democracia na Europa, Uma Perspetiva de Futuro, Ob. Cit pág 107. Ver Guy Verhofstadt, Os Estados Unidos da Europa, Ob. Cit. pág 11 «(...)a unificação europeia constitui o grande ideal(...)». Por último como refere na sua tese Helena Lima, o objectivo da construção europeia era «construir os fundamentos de um federalismo funcional, inicialmente no domínio económico, mas devendo no futuro (...) orientar-se para uma unificação de facto e portanto obter o reconhecimento público da União Europeia.» em Cristiane Helena De Paula Lima, Projectos Federais ao Longo da História da Integração da União Europeia, Ob. Cit. pág 15 nota 17. Sublinhados nossos.

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No documento Federalismo judicial europeu : que futuro? (páginas 104-109)