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VIII. ANÁLISE CONCORRENCIAL

VIII.2 Integração Vertical

VIII.2.1 Doutrina e Jurisprudência

277. Com efeito, a preocupação com concentrações verticais encontra ressonância na doutrina, nos julgados anteriores do CADE e também em vários precedentes internacionais.

278. Na já citada compilação "Indústria da Comunicação do Brasil - Dinâmicas da Academia e do Mercado" é apontado que:

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" (....) o abuso do poder de mercado associado a práticas de verticalização implica, no setor audiovisual, a possibilidade de controle dos fluxos financeiros (montante) e de escoamento do produto (jusante) de modo a afastar competidores. Esses bloqueios podem alijar do mercado o acesso a conteúdos de produtores rivais (por vezes, “independentes”) ou podem ainda penalizar os competidores no âmbito da distribuição, excluindo a estes o acesso a conteúdos relevantes para serem competitivos (certos conteúdos esportivos, por exemplo). (Grifo SG/CADE) 279. Destaca-se que nesta mesma publicação, quando o debate aborda a racionalidade

da adoção da estratégia de expansão vertical pelas empresas e as consequências concorrenciais, a Sky é citada como exemplo:

(...) As estratégias de expansão vertical das empresas do setor audiovisual, muitas vezes, têm como motivação o acesso exclusivo a determinados conteúdos premium, notadamente conteúdos esportivos de grande apelo para grande parte dos consumidores (campeonatos nacionais de futebol, por exemplo) e filmes de lançamento recente. Tomemos o mercado de televisão por assinatura no Brasil, por exemplo. A vantagem competitiva que a programadora Globosat deteve (e detém), ao dispor por longo período dos direitos de transmissão de jogos de futebol (campeonatos brasileiros e competições internacionais mais importantes), foi fundamental na construção do domínio dos provedores (Net e Sky) associados às Organizações Globo (OG) sobre o mercado de provimento do serviço de televisão. Neste caso, uma vantagem competitiva criada no âmbito da atividade de programação foi “transferida” para outra atividade deste segmento de mercado (o provimento do serviço)." (Grifo SG/CADE) 280. O CADE já analisou diversas vezes os efeitos à jusante e à montante decorrentes

de integrações verticais sobre a concorrência nos mercados. O Parecer nº 113/2013 do caso Oxiteno/American Chemical apresenta uma compilação de casos relevantes com integração vertical.

281. Dentre eles, destaca-se o já citado caso da concentração Sky/DirecTV, em que o CADE aprovou a operação sob condições. Dentre as restrições impostas, algumas buscavam solucionar problemas verticais relativos a direitos políticos detidos pelo Grupo Globo (atuante no mercado upstream por meio da produção de conteúdo) na nova empresa (atuante no mercado downstream por meio de operação de TV por Assinatura). Também foram endereçadas restrições pelo fato da empresa adquirente também deter uma programadora de canais para TV por Assinatura (Grupo News). Assim, por mais que a essência da operação fosse uma concentração horizontal, algumas restrições impostas buscaram mitigar os efeitos da verticalização entre

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programadoras e operadoras de TV em consonância com a presente Operação. Em sumária síntese as restrições foram:

a. Empresas do Grupo Globo devem se abster de exercer direitos que lhes permitam vetar ou determinar condições contratuais de transmissão (incluindo preço e line-up) de programadoras brasileiras nas operações da Sky;

b. A Sky deve praticar preço único em todo o território nacional, por cinco anos;

c. A Sky deve transmitir canais de conteúdo brasileiro da DirecTV por prazo de 3 anos;

d. A Sky deve garantir a mesma receita às programadoras nacionais que a DirecTV por um prazo de 3 anos;

e. Atingir canais pagos de conteúdo brasileiro disponíveis na DirecTV em 20% na base de assinantes da Sky;

f. A Globo e o Grupo News devem alterar contrato social e acordo de acionistas para que novo conteúdo brasileiro possa ser adquirido com maioria simples.

g. O Grupo News deveria se abster, por 5 anos, de agir de forma discriminatória, favorecendo empresas do referido grupo, em detrimento das concorrentes, nos contratos de aquisição de conteúdo audiovisual;

h. O Grupo News deveria se abster, por 5 anos, de fornecer, em regime de exclusividade, programação ou conteúdo audiovisual, a quaisquer operadoras de TV por Assinatura no Brasil;

i. O Grupo News deveria se abster, por 5 anos, de exercer direitos de exclusividade, atuais ou futuros, de transmissão no território nacional de qualquer dos 5 mais importantes campeonatos de futebol profissional, hoje denominados: Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil, Libertadores das Américas e Campeonatos Estaduais de São Paulo e Rio de Janeiro”

282. Cita-se também outros casos mais recentes como Rumo/ALL, Bureau de Crédito e Itaú/Mastercard que também ressaltaram os impactos que integrações verticais podem causar.

283. Em vários desses casos, foi ressaltada a ausência de consenso entre os possíveis efeitos sobre a concorrência de atos de concentração que envolvem integração vertical. Em sumaríssima síntese, as discussões giram em torno do fato de que, por um lado, essas fusões podem gerar incentivos para condutas anticompetitivas, como fechamento de mercado ou aumento de custos de rivais, mas por outro, podem também gerar significativas eficiências.

284. A busca da ponderação entre diversos possíveis efeitos é o que parece também fazer autoridades antitruste em outras jurisdições, que buscam avaliar os efeitos líquidos desse tipo de ato de concentração, sopesando os riscos para a concorrência de um lado e as possíveis eficiências de outro.

285. Em consulta a diretrizes para análise para avaliação de integração vertical, destaca-se o documento “Orientações para a apreciação das concentrações não

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horizontais nos termos do Regulamento do Conselho relativo ao controle das concentrações de empresas” da Comissão Europeia. Neste documento é afirmado que podem haver dois efeitos principais quando determinada operação tem como consequência alguma integração vertical: efeitos não-coordenados e efeitos coordenados.

286. Com relação aos efeitos não coordenados, destaca-se:

"18. Podem produzir-se efeitos não coordenados principalmente quando as concentrações não horizontais dão origem a um encerramento do mercado. [...]

29. Considera-se que uma concentração provoca um “encerramento do mercado” quando o acesso dos concorrentes actuais ou potenciais às fontes de abastecimento ou aos mercados é restringido ou eliminado na sequência da concentração, reduzindo assim a capacidade e/ou incentivo destas empresas para concorrerem. Esse encerramento do mercado pode desencorajar a entrada ou expansão de concorrentes ou encorajá-los a abandonar o mercado. Pode, por conseguinte, verificar-se uma situação de encerramento do mercado mesmo se os concorrentes afectados pelo encerramento não forem forçados a abandonar o mercado: é suficiente que os concorrentes fiquem em desvantagem e, consequentemente, levados a concorrer de forma menos efetiva. Tal encerramento do mercado é considerado anticoncorrencial quando permite que as empresas objecto da concentração — e, possivelmente, também alguns concorrentes — aumentem de forma rentável o preço cobrado aos consumidores.

(...)

78. A entidade resultante da concentração pode, através de uma integração vertical, obter acesso a informações comerciais sensíveis relativas às actividades a montante ou a jusante dos seus concorrentes. Por exemplo, ao passar a ser o fornecedor de um concorrente a jusante, uma empresa pode obter informações críticas, o que lhe permitirá seguir uma política de preços menos agressiva no mercado a jusante, em detrimento dos consumidores. Pode igualmente colocar os concorrentes numa situação de desvantagem concorrencial, dissuadindo-os de entrar ou de se expandir no mercado."

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"19. Surgem efeitos coordenados quando a concentração altera a natureza da concorrência, de forma que as empresas que anteriormente não coordenavam o seu comportamento passam a ser muito mais susceptíveis de o coordenar, para aumentar os preços ou prejudicar de outra forma a concorrência efectiva. Uma concentração poderá também tornar a coordenação mais fácil, mais estável ou mais efectiva para as empresas que já coordenassem o seu comportamento antes da concentração.

80. Pode existir coordenação no mercado quando os concorrentes (...) estão em condições de identificar e prosseguir objectivos comuns, evitando a pressão concorrencial mútua normal resultante de um sistema coerente de ameaças implícitas. Num contexto de concorrência normal, cada empresa tem permanentemente um incentivo para concorrer. É este incentivo que, em última análise, mantém os preços a um nível baixo e impede que as empresas maximizem conjuntamente os seus lucros. A coordenação implica uma ruptura relativamente às condições normais de concorrência, uma vez que as empresas podem manter os seus preços a níveis superiores àqueles que uma maximização independente dos lucros de curto prazo permitiria. As empresas abster-se-ão, de forma coordenada, de aplicar preços mais baixos do que os preços elevados aplicados pelos seus concorrentes, porque temem que tal comportamento comprometa a coordenação no futuro.

(...)

84. As concentrações verticais podem igualmente aumentar o grau de simetria entre as empresas activas no mercado. Esta situação poderá reforçar as probabilidades de coordenação, ao facilitar o consenso sobre as suas condições. Da mesma forma, a integração vertical pode aumentar o grau de transparência do mercado, facilitando a coordenação entre os restantes operadores no mercado."

288. Entende-se, portanto, que é preciso investigar a possibilidade de fechamento de mercado, a possibilidade de troca de informações sensíveis de concorrentes em distintos níveis da cadeia produtiva em decorrência da estrutura resultante da Operação e, por fim, a possibilidade de aumento de coordenação com outros entes do mercado.

289. Assim, com base na doutrina e jurisprudência apontadas, a seguir avalia-se os impactos concorrenciais decorrentes da integração vertical nos mercados de

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Licenciamento/Programação e de Operação em TV por Assinatura. Em especial, em consonância com a metodologia adotada pela Comissão Europeia análise são observados a capacidade e o incentivo das Requerentes para o fechamento de mercado à montante (seção VIII.2.2) e à jusante (seção VIII.2.3). Também são avaliadas as considerações apresentadas pelas Requerentes relacionadas à ganhos de eficiência advindos da Operação (seção VII.2.4). A probabilidade de coordenação com demais agentes, bem como a possibilidade de acesso a informações sensíveis de concorrentes decorrente da estrutura criada pela Operação são conjuntamente explorados na seção VIII.3.