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E CONOMIA PARTILHADA : DESAMBIGUAÇÃO NECESSÁRIA

Nota prévia

2. A Book In Loop

2.1. E CONOMIA PARTILHADA : DESAMBIGUAÇÃO NECESSÁRIA

Nos dias de hoje, as pessoas têm exibido uma preferência pelo acesso/utilização dos produtos face à sua aquisição, ou seja, preferências de serviços face a produtos. Esta característica social, cada vez mais presente, é muito importante porque as escolhas de estilo de vida dos consumidores urbanos e rurais jovens, nesta década, têm o poder de desviar o modelo económico, afastando-o da linearidade de consumo, abordado na secção anterior.

O novo paradigma pode ter sido originado e impulsionado pela economia desgastada e pelo desemprego generalizado. Um novo modelo de consumo parece emergente, em que os consumidores adotam serviços que lhes permitem aceder a produtos em vez de, efetivamente, os possuir, tornando-se utilizadores em vez de consumidores. As implicações desta mudança nos modelos de negócio são gigantescas, com impacto no mercado sobretudo nas seguintes áreas:

• Maior produtividade dos ativos: A utilização de ativos pode ser aumentada porque a maioria dos modelos de negócio dependem de utilização de ativos anteriormente subutilizados, mas altamente valorizados;

• Maior disponibilidade e qualidade de ativos: Os novos modelos de negócio permitem que os prestadores de serviços obtenham benefícios, como maior longevidade e menores custos de manutenção, melhorando a sua margem ou competitividade pelo custo. Por sua vez, esta estratégia reduz os custos unitários por utilização;

• Aumento de informação: As novas tecnologias da informação e comunicação (despoletadas pela Indústria 4.0) permitem monitorizar os materiais e componentes incorporados, o que reduz custos e, consequentemente, aumenta a margem de revalorização dos produtos no final da sua utilização atual.

Como vimos na tabela 1 da secção anterior, as estratégias de transição para uma economia circular são muitas e existem vários modelos de negócio que se encaixam de forma completa ou transversal nessas estratégias. De facto, nos últimos tempos, devido ao sucesso em Portugal das empresas Airbnb e Uber, tem-se assistido à massificação do termo “economia partilhada” ou “sharing economy” para designar qualquer modelo de negócio em que os utilizadores utilizam produtos ou serviços, pagando para o fazer, o que pode originar más interpretações sobre o posicionamento de determinada empresa no mercado.

Segundo Kotler (Kotler, 2011), o posicionamento é a ação de projetar o produto/serviço e a imagem da empresa com o objetivo de ocupar uma posição diferenciada na escolha do público-alvo. A estratégia de posicionamento é baseada na diferenciação da oferta, inserida num segmento específico de mercado. Para que exista um posicionamento correto dos modelos de negócio da Book In Loop, é necessária a desambiguação de alguns termos, no que a economia partilhada diz respeito.

Entender as diferenças nos modelos de negócio da economia partilhada e da reutilização, com base na análise de bibliografia relevante (Daunorienė, Drakšaitė, Snieška, & Valodkienė, 2015; Ellen Macarthur Foundation, 2017; Frenken & Schor, 2017; PricewaterhouseCoopers, 2015), é essencial para perceber os principais drivers comuns, que levam à existência atual de muitas Pequenas e Médias Empresas (PME), como é o caso da Book In Loop e modelos de negócio que se podem

considerar híbridos, uma vez que têm como core business um serviço de utilização de um produto reutilizado.

Existe uma ambiguidade generalizada em relação ao termo “economia partilhada” entre académicos e o público em geral. Os agentes promotores da economia partilhada utilizam um discurso de tendência, de sofisticação tecnológica, de progresso e inovação, mas essa caracterização é fruto daquilo a que os historiadores chamam de “presentismo” (ou cegueira do passado). O Homem sempre partilhou. Partilhar reproduz relações sociais e solidifica práticas culturais.

No entanto, existe algo de novo na economia partilhada: a partilha entre estranhos. Historicamente, embora haja algumas exceções, as pessoas tendem a não partilhar entre estranhos ou com pessoas fora das suas redes sociais. As plataformas de partilha de hoje facilitam a partilha entre pessoas que não se conhecem e que não têm amigos ou conexões em comum. As plataformas digitais atuais são capazes de tornar a partilha menos arriscada e mais atraente porque fornecem informações sobre utilizadores através de classificações e reputações. Embora haja um número crescente de evidências de que os ratings geralmente são inflacionados e pouco precisos, os sistemas de classificação têm sido suficientes para que um grande número de pessoas entre em situações desconhecidas.

Outra dinâmica entre pessoas e tecnologia, que se deve indicar como percursor de novos modelos de negócio, é o software colaborativo, que aproveita o trabalho não remunerado de engenheiros de software para escrever código e resolver problemas coletivamente. O sucesso do movimento de código aberto abriu o caminho para outros tipos de conteúdo produzido por pares, como, por exemplo, a Wikipédia (produzida por voluntários), bem como conteúdo partilhado online, como partilha de arquivos, vídeos e músicas. Há uma forte conexão histórica e global entre o surgimento de plataformas Peer to Peer15 (P2P) e um sentimento generalizado de que as novas práticas,

habilitadas pela tecnologia que essas plataformas permitem, capacitam as pessoas. Isto explica porque é que a partilha de arquivos, o software de código aberto, a computação distribuída, o crowdfunding, o empréstimo P2P, o bitcoin e até os média, são muitas vezes colocados sob o termo genérico de economia partilhada.

Atualmente, o termo “partilha” estendeu a sua abrangência para muitos contextos. Partilha-se em redes sociais, partilham-se segredos, experiências e até amigos. Como tal, é plausível usar o termo para identificar uma pessoa (um utilizador) que pretende alugar um ativo, como um quarto, um carro ou qualquer produto, no entanto o ativo não está a ser reutilizado, mas sim alugado por um espaço finito de tempo e por um preço variável (não gratuito) de modo a rentabilizar o seu período de vida útil.

Por outro lado, a reutilização de um produto não implica a sua partilha. Uma vez que a reutilização do produto tem em vista a sua reentrada no mercado, a reutilização é encarada como um meio para atingir um fim, i.e., a utilidade dos produtos pode ser maximizada oferecendo a capacidade de

15 Peer-to-peer (ou ponto-a-ponto, com sigla P2P) é uma arquitetura de redes de computadores em que cada

um dos pontos da rede funciona como cliente e servidor, permitindo partilha de serviços e dados sem a necessidade de um servidor central. As redes P2P podem ser configuradas em casa, em empresas e ainda na internet. Todos os pontos da rede devem usar programas compatíveis para ligar-se uns aos outros. Uma rede peer-to-peer pode ser usada para partilhar qualquer arquivo em formato digital (Donet, Pérez-Solà, & Herrera-Joancomartí, 2014).

ECONOMIA CIRCULAR: REPENSAR O MERCADO; O PROJETO UNILOOP| Pág. 17 desbloquear valor social, económico e ambiental inexplorado, nomeadamente através da utilização mais eficiente e resiliente dos recursos primários e através das ligações existentes ou possíveis de criar entre as pessoas (redes); benefícios estes que são tangíveis e escalados economicamente através do desenvolvimento das tecnologias e, possivelmente, através de modelos de economia partilhada.

Conclui-se, assim, que os modelos de negócio da Book In Loop não pertencem aos modelos de uma economia partilhada, sendo antes modelos mais direcionados para os mercados de redistribuição onde os produtos, que já não são necessários para alguém, são identificados e enviados para outras pessoas que pretendem usufruir dos mesmos16. O produto é adquirido ou vendido, não é arrendado ou emprestado. No entanto, existem princípios idóneos entre os modelos de negócio da Book In Loop e os modelos de negócio de uma economia partilhada, nomeadamente:

1. Confiança entre estranhos;

2. Crença na gestão efetiva de recursos comuns; 3. Utilização de produtos estagnados ou subutilizados;

4. Acumulação de uma massa crítica de possíveis utilizadores, clientes, consumidores, produtores e membros.