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e o início do século XX Tese PUC/SP 2004 p

Para o historiador, o acervo jornalístico se revela como uma possibilidade de pesquisa, desde o conteúdo das manchetes até a disposição dessas nas páginas dos periódicos. Portanto, indagar os jornais vai além da simples leitura de suas páginas, ou das informações que as compõem. O trabalho com essa fonte possibilita entender os interesses que são verbalizados por essa prática social. Entender os jornais, como prática social, é salientar a intervenção desses no cotidiano, e lembrar que são, portanto, resultado de interferências do social, ou seja, “o jornal interfere e sofre interferências sociais” (ALMEIDA, 2006, p.19). As “tissuras da vida” 32 que abarcam o ir e vir da linguagem, possibilitam refletir sobre o desenvolvimento humano, e no caso da presente pesquisa, problematizar os processos de rupturas e permanências ocorridos em Montes Claros, no início do século XX. Entender como, nesse período, esses jornais, publicaram o deslocar do sertão para cidade na trama social vivida pelos moradores e apresentada em suas páginas e indagar a constituição de memórias enquanto linguagem33, tendo como referencial o debate que Marta Emísia (2004) salienta em “Os famintos do Ceará” o qual informa que: “memória feita no passado se articula no presente” (p. 96), reafirmando que, como a memória não está livre, tenta criar significados para cidade, constituindo-se em um espaço, uma cidade, um norte de Minas.

O conceito de modernidade é apresentado por vários autores, destaco a obra de Peter Gay (2008), “Modernidade - O fazcinio da heresia. De Baudelaire e mais um pouco”34 e Marshall Berman (1987), na obra “Tudo que é sólido desmancha no ar – a aventura da modernidade”35. Ambos trabalham com o conceito de modernidade. Gay (2008) percebe a modernidade nas artes, música, literatura e arquitetura de 1850 a 1960, enquanto Berman (1987) pensa modernismo a partir do Manifesto Comunista, do Fausto de Goethe, do desenvolvimento de São Petersburgo, da transformação urbana percebida por Baudelaire e da revolução urbana de Nova York. Apesar de serem dois debates de relevância para as pesquisas que discorrem sobre modernidade, minha proposta para a construção da presente tese, é pensar a modernidade entendida e apresentada pelos jornalistas que escreviam para os jornais de Montes Claros e para os

32 ALMEIDA, Paulo Roberto de. & KHOURY, Yara Aun. (orgs.) Outras Histórias: Memórias e

Linguagens.São Paulo: Olho D’Água, 2006. pg. 19.

33 Ibid., pg. 20.

34 GAY, Peter. Modernismo- o fascinio da heresia. De Baudelaire a Beckett e mais um pouco. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

35 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar – a aventura da modernidade”. São Paulo: Companhia das letras, 1987.

demais jornais pesquisados. No meu entender, esses jornalistas já tinham um conceito sobre modernidade, e é esse conceito que deixarei fluir em minha tese, buscando construir um conceito próprio de moderno através das fontes lidas.

Para isso, indagar a imprensa requer, conforme debate de Tânia Regina de Luca:

atentar para as características de ordem material – periodicidade, impressão, uso/ausência de iconografia e de publicidade; forma de organização interna do conteúdo; grupo responsável pela publicação; principais colaboradores; público a que se destina; fontes de receita (2006, p 142).

Esses são, portanto, os princípios nos quais fundamentei a metodologia da minha pesquisa. Ainda de acordo com Luca (2006), “salientar as motivações que deram visibilidade a alguma coisa” (p. 140), é aspecto fundamental para trabalhar com a imprensa. No que se refere a minha pesquisa, objetivei buscar as motivações que levaram os jornalistas e redatores a publicarem sobre sertão e cidade, e foram essas publicações que me possibilitaram estabelecer um diálogo com o passado, trazendo, assim, à tona, as relações e interesses que não estavam registrados em letras garrafais nas páginas dos periódicos. Assim sendo, entendo que lançar as questões propostas por Tânia Regina de Luca, foi o caminho metodológico mais pertinente para responder ao problema apresentado em minha tese.

Pensando a história por meio da imprensa, posso tomá-la como prática social constituída de linguagem36 própria. Para alguns autores, a imprensa não passa de um meio informativo, porém, para outros essa se constitui de um ir e vir de informações, práticas, posturas e projetos37. A escolha desses jornais deu-se a partir da leitura de alguns memorialistas da cidade, que ao mencionarem a chamada Primeira República sempre se referiam aos mesmos como sendo os “principais” e Montes Claros, e sempre os associavam aos seus “proprietários”.

36

WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

37 Para Ana Luiza Martins e Tânia Regina de Luca, após a aprovação do fim da censura em Lisboa sobre os periódicos, os jornais no Brasil tornaram-se “apaixonados das campanhas liberais, definidor de práticas e posturas que subsidiaram o processo de independência do Brasil”. Neste sentido, vide: MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tânia Regina de. Imprensa e cidade. São Paulo: Editora UNESP, 2006,

Assim, como as autoras perceberam tais comportamentos, temos também em jornais do Norte de Minas, no início da República, posturas apaixonadas e a direta intervenção do conteúdo destes na vida/decisões do momento.

A construção da minha tese foi problematizada a partir dos seguintes documentos: Coleção Sesquicentenária38; Relatórios da Secretaria de Agricultura; Diretoria de Indústria e Comércio de 1910 a 1922; Carta que Urbino Viana remeteu ao Secretario Estadual da Educação39; Documentos pessoais de Camilo Prates; documentos do acervo da Câmara Municipal de Montes Claros; os jornais Montes Claros de 1916 a 1918 o Gazeta do Norte de 1918 a 1920 ; o Minas Gerais e o jornal o Norte da cidade de Diamantina.

Os jornais que pesquisei foram analisados como espaço de tensão em relação ao campo e à cidade. Apesar de o jornal, naquela época, ser entendido como elemento moderno, o seu conteúdo evidenciava o sertão. Ao escrever sobre um elemento moderno que informava sobre o atraso e o progresso, entendo que a tensão era externa ao jornal, pois essa tensão se fazia presente em primeiro lugar no grupo que era dono do jornal; em segundo na seleção dos temas ou assuntos; e em terceiro no texto que era narrado. Ao analisar o texto escrito no jornal, atentei para as questões vivencias que se apresentavam, considerando-as como memórias da cidade enquanto cotidiano publicado no jornal. Procurei, através dessa análise, entender o significado da memória que os jornalistas “escreveram” para a cidade. Neste estudo, a grande questão é perceber a relação memória/ esquecimento no tempo em relação às instituições, pessoas e práticas que os memorialistas e a imprensa “permitiram” existir ao longo do tempo, bem como outras práticas e comportamentos que esses mesmos memorialistas e imprensa “apagaram”. Para responder a questão desta tese parti da hipótese de que o conflito, naquela época, foi para fazer valer o moderno sobre o arcaico, e, portanto, diferenciar o campo da cidade.

38 O livro Raízes de Minas de autoria de Simeão Ribeiro descreve como o códice da “Casa da Ponte” em Minas – 1819, fala da formação do Norte de Minas, região do São Francisco e dá uma panorâmica da formação do Norte de Minas. Este livro recebeu o prêmio Diogo de Vasconcelos. Serões Montes Clarences – Nelson Viana fala sobre os espaços da cidade, de pessoas, conta histórias das ruas, fatos do cotidiano, telégrafos e outros. A Menina do Sobrado de Cyro dos Anjos – literatura – o autor tenta conquistar a menina do sobrado. Janela do Sobrado – crônicas escritas para o Jornal de Notícias, virou livro – memória de pessoas, lugares e coisas. Foiceros e vaqueiros – Nelson Viana. Escrito perto de 1957, memórias, causos, descrições de pessoas e lugares. Nelson o personagem, Haroldo Livio. Crônicas escritas por Haroldo Livio e publicadas no Jornal de Montes Claros. Quarenta anos de sertão, Mauro Moreira. Crônicas publicadas no Gazeta do Norte – histórias ouvidas e transformadas em crônicas. Rebenta Boi – Cândido Canela. Poesias, inspiração ao cotidiano e paisagens do sertão. História Primitiva de Montes Claros. Dário Texeira Cotrin. Documentos de arquivos, vasta bibliografia sobre o período colonial, jornais, historia da colonização. Montes Claros era assim... Ruth Tupinambá – memórias do passado. Efemérides I e II. Autor?? De 1707 a 1766 todos os dias.

39 Carta escrita por uma professora do Grupo Gonçalves Chaves, enviada a Urbino Viana e que esse, por sua vez, remeteu ao Secretario Estadual de Educação (Arquivo público Mineiro 03 de janeiro de 1913).

A metodologia para enfrentar o desafio de questionar as fontes foi baseada na História Social e teve interesse voltado para o processo de transformação da sociedade descrita nos jornais, a fim de entender um projeto de modernização que existiu, pelo menos para os jornais do Norte de Minas, no início da República. A leitura das matérias publicadas, nesses jornais, foi realizada com a perspectiva de encontrar experiências rurais e urbanas que formavam o Norte de Minas e pensar quais foram escolhidas para permanecer, e quais a deveriam ser superadas, segundo a imprensa montes-clarence.

Com esse objetivo, procurei organizar, não por data, mas por assunto, primeiro li as colunas e agrupei- as por temas relacionados, depois analisei as páginas e, por fim, a edição do jornal como um todo. A proposta foi desconstruir o jornal nos seus assuntos de interesse e pensar como os projetos conflitantes apareceram nesses jornais. O motivo pelo qual organizei dessa forma foi perceber, em uma mesma página ou matéria, os diferentes conflitos e projetos que ali estavam presentes.

Utilizei como referencial teórico a tese “Anação por um fio. Caminhos, práticas e imagens da ‘Comissão Rondon’” de Laura Antunes Maciel (1998), em que a autora pensou a expansão da técnica – através dos fios dos telégrafos, nos espaços tidos como sertão, nesse caso a região norte do país e os sujeitos que estavam aquém desse debate, porém diretamente ligados a ele. Esse pensamento me ajudou a refletir o que a República, naquela época, entendia por civilização e por sertão, e como a mesma poderia transformar o sertão. Outra referência teórica utilizada foi a tese “Famintos do Ceará – imprensa e fotografia entre o final do século XIX e o início do século XX” de Marta Emisia Jacinto Barbosa (2004) que aborda a seca de 1877 e 1878 final do Império, início da República, momento em que os governantes estavam “buscando uma identidade para o brasileiro” e elaborando o que era o Brasil nas suas diversidades. Naquele momento, a imprensa estava se firmando como elemento regional de “mostrar o Brasil”. Também é explorada, nessa tese, pela autora, a articulação dos jornais do interior com os das capitais que se tornavam cada vez mais fortes, criando uma “rede de comunicações”. A tese de Barbosa (2004) tem como problema a articulação existente entre imprensa, memória e poder, e procura entender como essa articulação produziu sentidos para os modos de ser e viver em distintos lugares. Esse problema auxiliou-me na percepção de como as redes de comunicação possibilitaram a construção da memória sobre o sertão.

A tese “Na cidade, sobre a cidade: cultura letrada, periodismo e vida urbana São Paulo – 1890/1915” de Heloisa Farias Cruz (1994), também utilizada como referencial na minha pesquisa, problematiza a imprensa e reflete sobre a dicotomia entre o grande jornal e o pequeno. Cruz utilizou como fonte inventários da imprensa, e a partir dessas fontes pensou o conflito de mediação, o conflito de constituição de imprensa e cidade e como os pequenos jornais desapareceram quando os grandes veículos de comunicação se consolidaram. A tese de Heloisa (1994) foi fundamental para que eu ponderasse a respeito da difusão de valores transmitidos pela imprensa à população.

Nessa perspectiva os debates de Raymond Williams (1988)40, Nelson W. Sodré (1999), Eduard. P. Thompson (1981), Déa Ribeiro Fenelon (2000), Célia Calvo Rocha (2001), Olga Brites e Regina Helena (1991)41 serviram de inspiração para a construção da minha tese e possibilitaram a reflexão a respeito das relações sociais e das experiências dos viventes do norte de Minas, bem como os usos e apropriações da cidade.

No primeiro capítulo apresento as articulações políticas feitas através dos jornais, e a partir dessas articulações, procuro entender como esses jornais construíram a memória de sertão e cidade. Nesse capítulo também abordo a respeito dos confrontos políticos entre os Alves e os Prates e como ambos se utilizavam dos jornais Montes Claros e Gazeta do Norte para divulgarem seus projetos políticos. Ainda nesse capítulo, a imprensa é apresentada como sendo um órgão de interesse do Norte, o que propiciou a análise de algumas colunas que abordam assuntos de interesse público, tais como: alistamento eleitoral, eleições, o jornal e as articulações políticas, Congresso das Municipalidades, comportamento dos políticos, município, Estado e Nação através dos jornais.

No segundo capítulo pondero sobre a imprensa montes-clarence no início do século XX, as transformações pelas quais passou, nesse período, e a influência que a

40 Acredito que a maior contribuição que esta obra nos proporciona é mostrar autores da literatura com a tensão social do momento. E que “Campo e Cidade” são lócus onde se constitui historicamente modos de viver, campo também se modifica, não é um lugar estagnado, no qual o bucólico recupera fragmentos, pelo contrário, campo é um lugar da ação, da renovação.

41 Campo e Cidade e Base e superestrutura na teoria cultural marxista, Famintos do Ceará – imprensa e fotografia entre o final do século XIX e o início do século XX, História da Imprensa no Brasil, Costumes em comum e Formação da Classe operaria, Cidades, A nação por um fio. Caminhos, práticas e imagens da “Comissão Rondon”, Muitas memórias e histórias de uma cidade: experiências e lembranças de viveres urbanos, Uberlândia- 1938/1990, A cidade de Minas, Na cidade, sobre a cidade: cultura letrada, periodismo e vida urbana São Paulo – 1890/1915, Muitas memórias, outras historias, Outras Histórias: memória e Linguagens e Da diáspora – identidades e mediações culturais.

Primeira Guerra gerou sobre o jeito de produzir jornal na Europa e na América. Ainda nesse capítulo, apresento considerações a respeito do modo como o Minas Gerais, jornal de Belo Horizonte, retratou o Norte de Minas, e discorro sobre as notícias do interior que eram publicadas nos jornais da capital e as notícias da capital que eram publicadas nos do interior, fato esse que alimentava as redes de comunicação.

No terceiro capítulo, apresento uma reflexão sobre como a cidade foi retratada nas páginas dos jornais locais e como as instituições públicas foram vistas como elementos imprescindíveis para a constituição da cidade. Outro ponto debatido, nesse capítulo, são os hábitos rurais tidos como “atrasados” e que eram reprovados pela imprensa local, daquela época.

E, finalmente, no quarto capítulo, apresento um debate a respeito da postura adotada pela imprensa no sentido de abolir a memória de sertão, criando, dessa forma, uma memória de cidade. Nesse capítulo apresento a diferença estabelecida, nas páginas dos periódicos, entre o Norte e o Sul de Minas Gerias, falo a respeito do papel da imprensa local que utilizava a educação como projeto de modernização do sertão norte- mineiro. No quarto capítulo apresento, também, comentários sobre as publicações que tinham como finalidade a extinção do sertão.

CAPÍTULO 1

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