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E PISÓDIO 1 – O DISCURSO CONTRA A NATURALIZAÇÃO DOS FATOS

No documento E DUCAÇÃO :P SICOLOGIA (páginas 149-153)

Antes de transcrever o episódio selecionado, é importante ressaltar algumas peculiaridades a respeito da aula em que o episódio foi gravado. Nesse dia de filmagem, na primeira parte da aula, a professora recebeu outros dois professores em sua turma; ambos responsáveis pela orientação da monografia de alguns alunos. Essa orientação em aula faz parte da organização do curso ministrado pela professora.

A professora, sujeito dessa pesquisa, sentou-se com seus orientandos (sete alunos) e, em grupo, ela discutiu o tema das monografias, sugeriu leituras e comparou o tema de pesquisa dos alunos de seu grupo; assim também o fizeram os outros dois professores.

Após quase uma hora de orientação, os alunos se sentaram em semicírculo, os professores orientadores foram embora e a professora prosseguiu com a aula. Como os alunos estavam muitos agitados em vista da orientação que acabara de ocorrer, a professora passou algum tempo ainda falando sobre as monografias e explicando a eles como funcionaria a aula na semana de exposição de seus trabalhos (todos os alunos teriam que elaborar pôsteres sobre o tema de suas monografias para expor em uma semana científica organizada pela universidade).

Após sanar todas as dúvidas dos alunos e perceber que eles já estavam mais calmos e mais concentrados na aula do que em seus respectivos trabalhos, a professora sugeriu um breve intervalo para que pudesse organizar a sala para a atividade com o vídeo.

O episódio em questão trata de uma atividade com vídeo (BBC Education

and Training by BBC Enterprises LTD) proposta pela professora. O vídeo mostra

uma palestra de Krashen27 sobre “learning” e “acquisition”28 e outros estudiosos

comentando sobre o assunto. Os alunos deveriam fazer anotações de informações que, eventualmente, fossem importantes para a monografia deles e, além disso, apontar quais concepções de linguagem embasariam tais métodos de ensino/aprendizagem de inglês.

Transcrição da instrução para o exercício:

PROFESSORA (ÉRIKA): É uma palestra do Krashen falando sobre a diferença entre “learning” e “acquisition” e depois umas análises de outras pessoas falando sobre isso, tá? O que eu quero que vocês façam [professora chamou a atenção de alunos, pois estavam agitados para sair para o intervalo, por meio de gestos e brincadeira. Alunos riram]. Então, continuando, o que eu quero que vocês façam [professora faz novo comentário sobre dispersão de alunos, ela diz: dia de orientação é quase perdido, fica todo mundo de cabeça cheia]. Então, é assim, o que eu vou querer que vocês façam: vocês vão ver o vídeo do Krashen, vão ver os comentários, daí tem uns exemplos de vários tipos de métodos de ensino de inglês, para aqueles que vão discutir métodos de ensino de inglês isso é útil, tem um exemplo do que é o “total physical response”29, porque foi criado. Vocês vão precisar

me dizer se vocês querem que eu pare para vocês anotarem alguma coisa, tá? E também anotem os nomes que vão aparecer no vídeo para vocês poderem fazer citação; se vocês anotarem alguma coisa, vocês vão ter que citar, dizer de onde é, tá? E eu quero que vocês tentem olhar para todas essas apresentações sobre métodos de ensino de inglês e pensem

27Stephen Krashen, lingüista americano, que dedicou muitos de seus estudos à área da

Lingüística Aplicada, mais especificamente a relacionada à aquisição da segunda língua.

28Aprendizado e aquisição.

29Total physical response (TPR) significa resposta física total e representa um método de

ensino de línguas, no qual o aluno tem que coordenar a fala com sua ação. O objetivo é ensinar a língua por meio de uma atividade física.

qual é, essa é a pergunta, tá? Pra titia, pergunta pra titia. O resto é para o trabalho de vocês, né? Para a monografia de vocês. Agora a pergunta pra titia é: qual é a concepção de linguagem que permeia cada uma dessas metodologias? Vocês vão ver várias metodologias de ensino de línguas. [Professora repete para alunos anotarem] Qual é a concepção de linguagem que permeia cada uma dessas metodologias? [Antes de sair para o intervalo, alguns alunos ainda tiram as últimas dúvidas sobre trabalhos finais que terão que entregar].

No momento da instrução, havia vinte alunos em sala, sentados em semicírculo. A princípio, todos pareciam interessados na atividade. A televisão ficava à direita da sala. Enquanto o vídeo passava, alguns alunos anotavam o que achavam interessante, outros somente assistiam ao vídeo. A professora, ao lado do vídeo (sentada e depois de pé), pausou o vídeo várias vezes.

Na primeira vez em que pausou o vídeo, a professora se levantou, fez um resumo do que havia sido apresentado e reforçou a pergunta proposta para a realização da atividade: “Qual é a concepção de linguagem que está por trás disso?”, “Como é que se aprende língua?”. Em seguida, olhou para os alunos como em sinal de que era a vez deles falarem, ou seja, ela esperou a resposta partir dos alunos. De acordo com a resposta dada pelos alunos, ela fez um comentário e relacionou o que haviam dito com o vídeo. Ao achar necessário completar um pouco mais o que haviam discutido, ela fez outra pergunta; ao perceber que alunos não conseguiam responder, ela perguntou se eles achavam necessário assistir um pouco mais do vídeo e continuou a exibição da fita.

Ao pausar o vídeo pela segunda vez, a professora o fez porque achou que um trecho da palestra era importante para a pesquisa de determinado aluno, assim ele poderia estar mais preparado para anotar.

Na terceira vez ainda, a professora não esperou que alunos percebessem a concepção de linguagem que embasava o método de ensino de língua descrito no

vídeo, mas ela mesma explicou a concepção; ao fazer isso, a professora reforçou a idéia de que é preciso fazer uma leitura mais crítica dos métodos de ensino de língua, ou seja, não somente aceitar o método, mas tentar perceber a concepção que o embasa.

A partir da terceira vez que pausou o vídeo, a professora permaneceu em pé e, ao realizar as outras pausas, fez comentários sobre os assuntos discutidos no vídeo sobre o ensino de línguas, sem necessariamente perguntar sobre a concepção de linguagem relacionada aos métodos de ensino tratados ou sem fazer qualquer outra pergunta aos alunos. Em todos esses momentos de pausa do vídeo e discussão sobre o que haviam acabado de assistir, a professora falou prioritariamente em inglês.

Por um grande período dessa atividade, os alunos se manifestaram muito pouco; em geral, a professora foi a única responsável pela condução da atividade. Após quarenta minutos de pausas e comentários sobre o vídeo, a professora percebeu que seus alunos estavam dispersos e começou a falar em português. A partir do momento que a língua portuguesa foi usada, os alunos se sentiram mais à vontade e a participação aumentou consideravelmente. Um desses momentos de diálogo entre uma aluna e a professora foi selecionado para ser transcrito e analisado. Esse diálogo transcrito segue logo abaixo:

ALUNA (JULIA): Eu acho que tem também uma parte social do lar da criança, do lar da pessoa. Porque eu tenho uma amiga que trabalha com crianças, um dia ela viu que a menina estava toda incomodada, ela nem sentava direito e ela foi ver o que estava acontecendo, a hora que ela levantou a camiseta a menininha estava com uma faca presa na calça e aí a professora, com muito custo, conseguiu conversar com a menina e falou:

−Por que você trouxe essa faca?

−Porque ontem, professora, eu pedi a borracha (uma coisa bem boba para a amiguinha dela) e ela não me emprestou. Então, eu trouxe a faca porque eu ia machucar ela, matar ela, fazer alguma coisa assim.

Uma criança de seis anos! Aí chamaram a “santa” mãe desta criança e depois de muito custo também que a mãe falou:

−Não, mas eu não sei onde que ela viu isso. E de repente ela fez assim:

−Ah, eu acho então que ela viu o meu marido brigando comigo!

Ou seja, o exemplo que a criança tem em casa é o que ela estava passando para os colegas e para a vida dela, no dia-a-dia.

PROFESSORA: Sem dúvida. Mas isso, veja, Julia, isso faz parte do que eu estou chamando de “a realidade que eu tenho hoje na escola”. Então, o que eu faço com essa realidade? Eu, se estou na escola, eu tenho um papel. E se a realidade é essa, eu tenho que lidar com essa realidade, não é mesmo? De alguma forma, tentar achar caminhos para resolver isso porque - eu sei que isso não está na sua fala - mas muita gente fala assim:

−Ah, não tem jeito, olha a família que ela tem.

Eu sei que não foi isso que você quis dizer, entendeu? Mas eu já ouvi isso muitas vezes.

- Olha só a família que ela tem. Também olha só o pai dela, é alcoólatra. O que você esperava? Olha só a mãe dela! Não tem educação. O que você esperava?

Isso é a mesma concepção que a gente está vendo aqui do pré-determinado. Pau que nasce torto, morre torto, entendeu? É de pequenininho que se torce o pepino! É a mesma concepção, a de que “não tem jeito (de educar a menina)”. Então se está tudo determinado biologicamente, gente, é apagar a luz, não tem nada que nós possamos fazer, apaga a luz, né? O último a sair me avisa, porque eu não quero ser a última a sair não. O último a sair apaga a luz, eu estou indo embora, estou caindo fora, estou fora.

No documento E DUCAÇÃO :P SICOLOGIA (páginas 149-153)