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1. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

1.4 C OZIMENTO KRAFT

1.4.3 A S FASES DO COZIMENTO KRAFT

1.4.3.1 R EACÇÕES DOS PRINCIPAIS COMPONENTES DA MADEIRA

1.4.3.1.1 R EACÇÕES DOS POLISSACARÍDEOS

As hemiceluloses e celulose têm um papel importante no desenvolvimento das propriedades papeleiras das fibras e no rendimento em pasta do cozimento [105,107,115- 120]. A degradação dos polissacarídeos nas condições do cozimento kraft depende da sua acessibilidade, estrutura molecular e supramolecular e também das condições do meio de reacção, como o pH, temperatura e concentração das espécies reactivas. Em cozimentos kraft de pinho e bétula a perda total de polissacarídeos atinge 20% a 30% da massa da madeira inicial, o que é equivalente à massa de lenhina removida [111,121].

As reacções principais dos polissacarídeos durante cozimento kraft da madeira são a hidrólise de grupos acetilo das xilanas de folhosas e galactoglucomananas de resinosas, a clivagem das ligações glicosídicas dos resíduos terminais (reacções de peeling) e não terminais (clivagem aleatória) e ainda as reacções de estabilização (reacções de bloqueio –

stopping) [95,111,121]. Além destas, ocorre também a solvatação dos grupos hidroxilo e

carboxilo dos polissacarídeos durante o contacto inicial com o licor de cozimento, o que conduz ao entumescimento da parede celular, facilitando a penetração e difusão dos componentes do licor. Este entumescimento proporciona também a solubilização de fracções de polissacarídeos de menor peso molecular, quer no ínicio do cozimento kraft, quer em fases subsequentes [95], sofrendo posteriormente degradação alcalina no seio do licor de cozimento e originando diversos hidroxiácidos.

A hidrólise dos grupos acetilo é uma das reacções mais rápidas durante o cozimento kraft. Uma fracção significativa destes grupos é rapidamente hidrolisada em meio alcalino [37] levando ao consumo de uma parte dos reagentes durante o cozimento kraft [91,95,122,110]. Outros factores responsáveis pelo decréscimo da carga alcalina verificado no início do cozimento são as reacções com polissacarídeos mais acessíveis como galactoglucomananas e a presença de hidroxiácidos provenientes da degradação dos hidratos de carbono [121] removidos por peeling e ainda hidrólise ou saponificação de extractáveis [110].

A clivagem das ligações glicosídicas terminais (reacções de peeling) conduz ao encurtamento da cadeia principal por eliminação sucessiva do monómero terminal redutor [91,95,111,123,124] segundo o esquema simplificado apresentado na FIGURA 1.15.

HCOH HCOR HOCH HCOH CH2OH HCOR HOCH HCOH CH2OH CHOH COH HCOR HOCH HCOH CH2OH CH2OH CO CHO RO HCOH CH2OH CH2OH CO HOC HC HCOH CH2OH CH2OH CO CO CH2 HCOH CH2OH CH2OH CO CH2 HCOH CH2OH CH2 COOH HOC HCOR HCOH CH2OH CHO CH HCOR HCOH CH2OH CHO CO CH2 HCOR HCOH CH2OH CHO CH2 HOCOH COH HCOR HCOH CH2OH CH2 COOH HCOH HOCOH CH2OH R- cadeia de polissacarídeo I II

FIGURA 1.15 - Principais reacções envolvidas na remoção sequencial de unidades de açúcar do extremo

redutor da cadeia de polissacarídeo (peeling - I) e na estabilização do polissacarídeo (stopping - II) [91,95,111,123,124]

A reacção tem início com a enolização do grupo carbonilo da unidade terminal, seguida de isomerização e clivagem da ligação glicosídica em meio alcalino (FIGURA 1.15, I). Esta reacção é a causa principal da perda de rendimento a temperatura inferior a 150oC e do consequente consumo de reagentes alcalinos [95,111]. A reacção prossegue até ocorrer

a reacção de bloqueio (stopping) que gera uma configuração estável do terminal redutor impedindo remoções posteriores e eventualmente a perda do polissacarídeo completo (FIGURA 1.15, II).

À medida que a temperatura do cozimento aumenta e, particularmente quando a temperatura máxima é atingida, ocorre hidrólise alcalina de ligações glicosídicas da celulose e hemiceluloses, de forma aleatória, resultando numa redução do grau de polimerização dos referidos polissacarídeos. A reacção tem início com a ionização do grupo hidroxilo em C-2, seguindo-se a quebra da ligação glicosídica por eliminação do grupo alcóxilo [123], segundo o esquema apresentado na FIGURA 1.16. Se os fragmentos resultantes forem solúveis no licor, a hidrólise alcalina contribui também para a perda de rendimento. Esta reacção gera novos resíduos terminais redutores que podem então ser removidos de forma sequencial (peeling secundário) [91,111]. Também as unidades de ácido 4-O-metilglucurónico substituintes da cadeia de xilanas são removidas por hidrólise alcalina, mas cerca de 25% [125] a 40% [95] destes grupos permanecem na xilana da pasta principalmente devido ao decréscimo da alcalinidade do licor no fim do cozimento [95].

O OH OH OR H2COH O OH OR H2COH O O OH O H2COH O OH OH OH H2COH OH- RO RO - RO- RO OH- RO R - cadeia de xilana

FIGURA 1.16 - Mecanismo de hidrólise alcalina da ligação glicosídica [123]

A perda de polissacarídeos começa imediatamente após o início do cozimento, durante o período de aquecimento (fase inicial) [91,110,126]. No caso das xilanas, a remoção inicial é relativamente lenta aumentando com o aumento de temperatura [110,121]. Diversos estudos com madeira de resinosa [110,119,121,125,127] e madeira de folhosa [121], mostram que esta perda inicial é mais acentuada no caso de glucomananas de resinosas do que no caso de xilanas de folhosas. É sugerido por alguns autores [110,119,126] que a perda inicial (até 100oC) é causada pela dissolução directa de uma fracção solúvel no licor de cozimento e que só a degradação subsequente ocorre então por reacções de peeling. Durante o cozimento kraft é perdida praticamente a totalidade de

glucomananas, tanto no caso de madeira de resinosa como de folhosa, enquanto que, dependendo das espécies, cerca de metade da percentagem de xilanas originalmente presentes na madeira de folhosa é preservada [91,121]. A estabilidade relativa das xilanas é atribuída, em parte, à presença de resíduos de ácido 4-O-metil-α-D-glucurónico, apesar da relativa facilidade de hidrólise das ligações α(1→2) entre o ácido urónico terminal e a unidade de xilose para temperaturas superiores a 100oC [91]. A ligação destas unidades na posição 2 do resíduo de xilose terminal impede que ocorra isomerização em C-2 necessária à reacção de peeling [91,111,121]. A presença da sequência terminal da cadeia de xilana, [β-D-Xylp]-(1→3)-[α-L-Rhap]-(1→2)-[α-D-GalpA]-(1→4)-[β-D-Xylp], exerce também um efeito protector contra a perda sequencial das unidades terminais uma vez que a unidade de ácido galacturónico torna a cadeia estável após a eliminação do primeiro resíduo de xilose durante a degradação por peeling [47]. Este é um dos factores que contribuem para o maior rendimento de cozimentos kraft de madeira de folhosas do que de madeira de resinosas [111].

As unidades de ácido 4-O-metil-α-D-glucurónico distribuídos ao longo da cadeia,

embora mais resistentes que os terminais, são também facilmente clivados a temperaturas elevadas [111,119] sendo a percentagem remanescente nas xilanas influenciada pela alcalinidade efectiva do licor [125]. Uma fracção destas unidades podem ser convertidas em grupos ácido hexenurónico [125,128] - FIGURA 1.17 - numa reacção que envolve a

eliminação de metanol. A presença destes compostos contribuem para o consumo de reagentes de branqueamento [129,130] pois contém uma ligação dupla que o torna reactivo aos reagentes electrofílicos de branqueamento. Recentemente, verificou-se que, ao contrário da tendência verificada com cozimentos de madeira de resinosas, no caso da madeira de E. globulus a quantidade de ácido hexenurónico aumenta ao longo do tempo de cozimento o que, segundo os autores, pode estar relacionado com as condições mais suaves de cozimento usadas [108,131]. O COOH OH OH O COOH OH OH H3CO Xilana OH- Xilana + CH3OH

É sugerido na literatura que uma parte da xilana dissolvida é reabsorvida à superfície das fibras na fase final do cozimento [91,125-134] em consequência da diminuição de alcalinidade do licor de cozimento e clivagem parcial dos grupos laterais das hemiceluloses o que diminui o seu grau de ramificação [91,95,111]. Esta sugestão está de acordo com a diminuição da concentração e grau de polimerização das xilanas no licor de cozimento [111,121], apesar de estas observações poderem ser também consequência da intensificação de reacções de degradação no seio do licor devido ao aumento de temperatura [111,121]. Embora benéfica para o rendimento, esta re-deposição pode, no entanto, constituir uma barreira impeditiva da difusão da lenhina residual das fibras [135].

A reacção de remoção sequencial do monómero terminal é a principal causa da perda de celulose a temperaturas inferiores a 150oC [111]. A molécula perde entre 50-70 unidades de glucose por reacções de peeling [91,111,123]. No entanto, a celulose é menos afectada do que as hemiceluloses devido ao seu elevado grau de polimerização e natureza cristalina [89,106]. Apenas uma parte desta, menos ordenada (celulose amorfa), é removida durante o cozimento kraft [136], chegando a aproximadamente 4-5% da massa de madeira inicial [110,111]. A hidrólise das ligações glicosídicas de forma aleatória é a principal responsável pela diminuição do grau de polimerização da celulose [110] que, na pasta, é cerca de dez vezes inferior ao da madeira [120].