• Nenhum resultado encontrado

2.2 Métodos de avaliação das características uterinas

2.2.2 Ecografia Uterina

A avaliação ecográfica é uma componente essencial, importantíssima na avaliação não invasiva do tracto reprodutivo da égua, nomeadamente do útero e dos ovários (Pycock, 2011).

Foi em 1980 que pela primeira vez foi referida a ecografia em tempo real como sendo um método de diagnóstico valioso para a reprodução equina. Desde então, as aplicações da ecografia de diagnóstico expandiram muito nesta área ao ponto de o ecógrafo ser, hoje em dia, um instrumento fundamental e quase indispensável, tanto para o Médico Veterinário como para os investigadores (Blanchard et al., 2003).

Embora a tecnologia que está por detrás de um ecógrafo seja bastante complexa, a sua utilização é relativamente simples para um clínico treinado, requerendo apenas bons conhecimentos sobre palpação rectal e conhecimentos básicos sobre os princípios da ecografia e da aparência anatómica à ecografia do tracto reprodutivo de uma égua (Blanchard et al., 2003).

A ecografia pode ser utilizada com vários intuitos, como avaliar o tamanho, forma e número de folículos pré-ovulatórios, observar alterações ecográficas (fisiológicas ou patológicas) no folículo pré-ovulatório, examinar a localização, morfologia e desenvolvimento do corpo lúteo e estimar a fase do ciclo éstrico (particulamente o estro). Permite ao Médico Veterinário efectuar também diagnósticos de ovulação ou falha da ovulação, alterações ováricas, como neoplasias ou quistos ováricos ou periováricos, bem como efectuar diagnósticos de gestação, estimar a idade do concepto e monitorizar o desenvolvimento fetal, efectuar o diagnóstico e maneio de gestações gemelares, de mortalidade embrionária precoce iminente ou efectiva e de processos patológicos envolvendo o útero, incluindo presença de fluido intra-uterino, quistos uterinos, pneumoútero, hematomas e neoplasias (Pycock, 2011).

25

Como referido anteriormente, antes de qualquer procedimento ecográfico, deve ser sempre feita primeiro uma avaliação manual minuciosa dos órgãos genitais internos, por palpação rectal. Este procedimento serve de orientação, providenciando toda a informação necessária acerca da forma, textura e tamanho de cada componente do tracto reprodutivo e assegurando que toda a matéria fecal é convenientemente removida, o que facilita muito a posterior localização rápida destes órgãos, durante o exame ecográfico (Pycock, 2011; Taylor et al., 2010). Deve ser tomado todo o cuidado para evitar a entrada de ar para dentro do recto durante a manobra de esvaziamento porque o ar vai impedir a transmissão eficaz dos ultrasons para as estruturas que o rodeiam (Blanchard et al., 2003).

Para proceder da forma mais correcta e segura a um exame ecográfico deste tipo, a égua deve encontrar-se devidamente contida, o que normalmente é conseguido com recurso a uma manga. Em alguns casos pode verificar-se a necessidade de utilizar um método adicional de contenção, como o aziar (Pycock, 2011). Se a égua resistir excessivamente ao procedimento o exame deve ser interrompido, procedendo-se então à sedação da égua ou, em casos mais raros, à realização de uma anestesia epidural. Em qualquer dos casos, o tracto genital deve ser examinado assim que se verifique que é seguro continuá-lo, de modo a prevenir o pneumorecto, que surge como consequência inevitável do relaxamento do esfíncter rectal (Blanchard et al., 2003). Os poldros lactentes devem ser colocados à frente ou ao lado das suas mães (Pycock, 2011).

Podem ser utilizadas sondas entre os 2 e os 10 megahertz (MHz), mas numa ecografia do tracto reprodutivo da égua, são preferencialmente utilizadas sondas lineares, de 5 MHz (Pycock, 2011; Sertich, 2007; Taylor et al., 2010). Este tipo de sondas é mais versátil, sendo perfeitamente adequadas para o exame ecográfico de éguas vazias e recentemente gestantes (Taylor et al., 2010). Quanto menor for a frequência, maior é a capacidade de penetração das ondas sonoras nos tecidos e, como tal, pior é a resolução obtida. Assim sendo, sondas menos potentes, por exemplo de 3,5 MHz, são mais adequadas na monitorização de gestações mais avançadas e no exame de úteros no início do período pós- parto (Taylor et al., 2010). Sondas mais potentes, de 5 a 10 MHz, possuem uma melhor resolução mas são muito limitadas quanto à sua capacidade de penetração dos tecidos, sendo mais indicadas quando se pretende fazer um estudo mais pormenorizado das estruturas uterinas e ováricas (Sertich, 2007, Blanchard et al., 2003).

Como medida meramente higiénica, é aconselhável que a sonda esteja protegida por uma luva de palpação antes da sua utilização, colocando-se nesta um pouco de gel lubrificante não estéril para maximizar o contacto entre a sonda e a luva, evitando a interferência do ar presente entre as duas estruturas, para que o sinal ecográfico não seja prejudicado (Pycock, 2011).

26

muito importante que este saiba como optimizar a qualidade da imagem utilizando os vários controlos do ecógrafo disponíveis, como o brilho, contraste ou frequência. Para tal, idealmente, o ecógrafo deve encontrar-se colocado à altura dos olhos do operador e o painel de controlo facilmente acessível ao mesmo (Pycock, 2011).

Num exame ecográfico deve ser sempre utilizada uma abordagem sistemática e metódica (Blanchard et al., 2003).

A sonda deve ser protegida pela mão em forma de concha, com os dedos sempre na sua frente, não só quando é introduzida no recto, como também durante todo o procedimento, de modo a proteger a mucosa rectal de possíveis lesões (Taylor et al., 2010; Pycock, 2011). Como o útero da égua tem a forma de “T”, a sonda é normalmente orientada dentro do recto no plano longitudinal em relação ao corpo uterino para que seja obtido um corte sagital do corpo uterino e cérvix (Figura 7) (Pycock, 2011; Taylor et al., 2010). Quando se examina o corpo uterino é muito importante que se avance, recue e desloque a sonda para ambos os lados para que o útero seja observado em toda a sua extensão (Pycock, 2011).

Para obter uma imagem dos cornos uterinos, a sonda deve ser rodada lenta e suavemente para a direita e depois para a esquerda, ou vice-versa. Assim que a sonda atinge a ponta do corno uterino, pode-se passar ao exame completo do ovário. Os cornos uterinos, no plano transversal, apresentam uma forma circular (Figura 7) (Pycock, 2011; Taylor et al., 2010, Blanchard et al., 2003). Estas estruturas devem também ser avaliadas em toda a sua extensão. Durante a observação pode ainda ser medido o diâmetro de cada corno uterino, na sua base (Sertich, 2007). Se porventura se tiverem dificuldades em encontrar os cornos uterinos, pode-se avançar ligeiramente a sonda e tentar localizar estas estruturas por palpação (Pycock, 2011).

Figura 7 – Representação esquemática do útero de uma égua em diestro, demonstrando a posição da sonda ecográfica em relação ao corno (a) e o corpo uterino (b) e a respectiva imagem ecográfica. Na imagem ecográfica do corno uterino (a) é visível uma pequena área anecogénica correspondente a um quisto uterino (Adaptado de England, 2005 e Carnevale e Olsen, 2011).

27

ovários entre as fases de anestro, transição e o ciclo éstrico regular que podem ser averiguadas numa ecografia.

Um útero em anestro aparece pequeno e com ecogenicidade homogénea, a menos que a égua apresente quistos endometriais. Na secção transversal dos cornos uterinos, e longitudinal do corpo uterino, o útero aparece comprimido, achatado e irregular, podendo encontrar-se junto da bexiga ou do intestino (Carnevale e Olsen, 2011). A sua identificação por vezes pode ser difícil, especialmente quando se trata de éguas jovens com úteros extremamente pequenos (Samper, 2009).

Na fase de transição, o útero caracteriza-se pela visualização das pregas endometriais edematosas, com a aparência característica de uma "roda de carro" ou "gomos de laranja", particularmente entre meados e o término da fase de transição, durante vários dias ou mesmo semanas, sem que se verifiquem mudanças significativas. Em muitos casos, pode verificar-se a acumulação de uma pequena quantidade de líquido no lúmen uterino que tende a dissipar-se pelo útero devido ao aumento da espessura as pregas endometriais e consequente aumento significativo da superfície do útero. Esta fase é também caracterizada pela presença de múltiplos folículos ováricos de grandes dimensões (25-35 mm ou superiores) (Samper, 2009).

A aparência do útero também varia durante o ciclo éstrico normal. Como tal, a ecotextura uterina pode ser utilizada como factor de diferenciação entre o estro e o diestro.

Durante o estro, a égua encontra-se sob a influência do estrogénio produzido pelos folículos ováricos em crescimento. Esta hormona é responsável pelo aparecimento progressivo de edema dos tecidos do tracto reprodutivo, consequentemente, os cornos e corpo uterinos apresentam um padrão característico heterogéneo onde as pregas endometriais exibem bordos hiperecogénicos e centro hipoecogénico, correspondendo as áreas hipoecogénicas ao edema das pregas endometriais. O padrão em “gomos de laranja” ou “roda de carro” é evidente quando é observado um corte transversal dos cornos uterinos (Taylor et al., 2010; Blanchard et al., 2003; Carnevale e Olsen, 2011). O aparecimento e desaparecimento do edema endometrial é um fenómeno progressivo intimamente relacionado com os níveis de estrogénio e de progesterona. Quando os estrogénios atingem o seu nível máximo, com a aproximação do momento da ovulação, a intensidade do edema tende a diminuir progressivamente, sendo praticamente indetectável no momento da ovulação (Samper, 2009). Normalmente este edema desaparece por completo às 24 horas após a ovulação. À semelhança da fase de transição, pode ocasionalmente ser observada uma pequena acumulação fisiológica de líquido anecogénico no lúmen uterino (Sertich, 2007; Blanchard et al., 2003). No entanto, a maioria das acumulações de líquido não associadas à gestação é considerada anormal, podendo ser um sinal clínico evidente de endometrite. Este líquido pode variar entre o anecogénico e o ligeiramente hiperecogénico (Sertich, 2007). O pico de

28

heterogeneidade uterina ocorre aproximadamente 1 a 3 dias antes da ovulação, começando a diminuir no dia que antecede a ovulação e recuperando o seu aspecto homogéneo 1 a 3 dias após a ovulação (Blanchard et al., 2003).

No diestro, o útero apresenta uma ecotextura mais homogénea. Normalmente não se consegue diferenciar o lúmen uterino das pregas endometriais, sendo o lúmen uterino muitas vezes apenas identificado na secção longitudinal como uma linha ténue, hiperecogénica, devido a aposição das superfícies dorsal e ventral do endométrio (Taylor et al., 2010; Blanchard et al., 2003; Carnevale e Olsen, 2011). Pode também ser observado um ligeiro edema no final do diestro resultante do declínio dos níveis de progesterona e do aumento do estrogénio circulante (Carnevale e Olsen, 2011).

É importante que se recorra a algum tipo de sistema de pontuação com o intuito de reduzir a subjectividade da avaliação do edema uterino, para registar e identificar as alterações presentes, e para determinar os padrões de edema endometrial, tornando assim a avaliação do edema uterino mais objectiva. Para este efeito pode ser utilizado um sistema de classificação com sinais positivos (por exemplo, +, + +, + + +) ou um sistema numérico (Samper, 2009). Samper (2009) refere utilizar, na sua prática, uma pontuação numérica semi-subjectiva variando entre os grau 0 e 5 para classificação do edema endometrial, representando o grau 0, um útero homogéneo sem edema, e o grau 5, um útero com edema máximo (Figuras 8 a 13).

Uma égua normal teria edema de grau 0 (Figura 8) durante o diestro, e o grau 4 (Figura 12) seria o grau máximo de edema normal. Éguas que não exibam edema uterino com níveis de progesterona basais devem ser consideradas anormais. A classificação de edema uterino de grau 5, hiperedema (Figura 13), é utilizada quando se considera um edema anormal. Neste caso, as pregas endometriais são anormalmente grossas, fazendo o útero perder a arquitectura normal de “gomos de laranja”. Este edema persiste mesmo após a ovulação e, portanto, podem ser encontrados folículos de qualquer dimensão, embora na sua maioria sejam grandes e de tamanho pré-ovulatório (Samper, 2009).

Figura 8 – Edema uterino grau 0 – Ecotextura endometrial típica de um útero sob influência da progesterona: útero homogéneo (Samper, 2009).

29

Figura 9 – Edema uterino grau 1. Embora não se observe uma individualização das pregas endometriais, a heterogeneidade é evidente (Samper, 2009)

Figura 10 – Edema uterino grau 2. Este grau é caracterizado pela visualização nítida das pregas endometriais, embora estas não sejam visíveis em todo o útero (Samper, 2009)

Figura 11 – Edema uterino grau 3. É nítido o padrão em “gomos de laranja” ao longo de todo o útero. Contudo, as pregas são ligeiramente hipoecogénicas no centro (Samper, 2009)

30

Figura 12 – Edema uterino grau 4. Pregas endometriais proeminentes e mais espessas possuindo um bordo hiperecogénico (Samper, 2009)

Figura 13 – Edema uterino grau 5 (hiperedema). Alteração da arquitectura normal do útero. Pregas muito espessadas, bordos hiperecogénicos e centro hipoecogénico. Pode ser detectado líquido em algumas áreas do útero, particularmente no corpo uterino e no cérvix (Samper, 2009)

A ecografia é também uma ferramenta extremamente útil no diagnóstico de patologias uterinas como os quistos uterinos, as acumulações de fluido no lúmen uterino e, mais raramente, na detecção de neoplasias, abcessos e massas periuterinas.

Os quistos uterinos podem ser visualizados como estruturas redondas e anecogénicas (Sertich, 2007). Podem possuir os mais variados tamanhos, desde microscópicos até vários centímetros de diâmetro, e ser uni ou multiloculares, tendo, quando compartimentalizados, trabéculas hiperecogénicas no seu interior. Estão mais comummente localizados no endómetrio por terem origem linfática. Embora possam ser encontrados em qualquer zona do útero, há aparentemente um certa predisposição para o seu desenvolvimento nas superfícies ventrais das junções corno-corpo. A sua identificação é extremamente importante não só por poderem ser facilmente confundidos com vesículas embrionárias com 10-11 dias durante um diagnóstico de gestação precoce, mas também por poderem ser responsáveis por uma aumento significativo das perdas de gestação, especialmente quando atingem dimensões consideráveis ao ponto de interferirem com a mobilidade do concepto e com as

31

interacções endométrio-placenta (Blanchard et al., 2003).

Embora a presença de um pequeno volume de fluido anecogénico durante o estro seja considerada fisiológica, a presença de grandes volumes de fluido, superiores a 1-3 centímetros (Figura 14), ou de um fluido ecogénico é considerada patológico. É também possível que mesmo ligeiras acumulações de líquido anecogénico possam ter efeitos adversos na fertilidade, particularmente quando ocorrem durante o diestro ou durante o período pós-parto imediato. Este tipo de acumulações de fluido são muito característicos da presença de uma endometrite (Blanchard et al., 2003).

Figura 14 – Ecografia de acumulação de fluido intra-uterino (McKinnon e McCue, 2011)

Apesar de ainda não ter sido identificada nenhuma correlação directa entre a ecogenicidade do fluido uterino e a severidade desta alteração, a ecogenicidade do fluido uterino está intimamente relacionada com a concentração de células inflamatórias e detritos (Sertich, 2007; Blanchard et al., 2003). Assim sendo, se porventura se estiver perante uma urómetra (Figura 15-a), o fluido intra-uterino apresentar-se-á hiperecogénico devido à típica presença de cristais e muco na urina. Numa piómetra (Figura 15-b) o fluido intra-uterino é bastante celular e consequentemente muito ecogénico e a parede uterina aparece espessada. Quando associado a uma hidrómetra, resultante da aplasia segmentar dos ductos paramesonéfricos (canais de Müller) ou de um hímen não funcional, o fluido intra-uterino pode aparecer anecogénico (Sertich, 2007). A presença de áreas hiperecogénicas no lúmen uterino pode ser indicativa da presença de pneumoútero (Figura 15-c) (Blanchard et al., 2003).

O edema uterino pode também ser indicativo de patologia uterina quando há um ou mais dos seguintes achados: (1) Presença de edema endometrial óbvio e de um folículo grande 14 a 15 dias após a ovulação, (2) presença de hiperedema durante o estro normal, (3) incapacidade de regressão do edema com a aproximação da ovulação e a presença de edema uterino pronunciado 24 horas após a ovulação, (4) aumento significativo no grau de

32

edema uterino 12 a 24 horas após coito/ inseminação, ou (5) falta de edema uterino durante o período de estro normal (Samper, 2009).

Figura 15 – Ecografia de égua com urómetra (a), piómetra (b) e pneumoútero (c) (McKinnon e McCue, 2011).

(a) (b) (c)