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I Bases econômicas do desenvolvimento industrial brasileiro como estratégia de fortalecimento do Estado nacional

II – A PERSPECTIVA DE CELSO FURTADO SOBRE O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL BRASILEIRO COMO

II- I Bases econômicas do desenvolvimento industrial brasileiro como estratégia de fortalecimento do Estado nacional

O Brasil, como se sabe, foi apanhado pela lógica do capitalismo mercantil europeu do século XVI em diante. C. Furtado observa em “Formação Econômica do Brasil” (2000b) que “(...) O início da ocupação econômica do território brasileiro é em boa medida uma conseqüência da pressão política exercida sobre Portugal e Espanha pelas demais nações européias” (FURTADO, 2000b, p. 4).

Já nos primeiros anos de colonização portuguesa, montou-se o que se convencionou chamar de o primeiro ciclo econômico – o ciclo do pau-brasil. Após esse ciclo tivemos o segundo ciclo que foi o período de domínio da lavoura canavieira no Nordeste brasileiro. Um ciclo bastante grande comparado ao primeiro e mesmo aos ciclos posteriores e, que permaneceu de forma residual nos séculos posteriores, inclusive subsistindo com outros ciclos econômicos dominantes em outras regiões brasileiras. Ainda hoje, é uma atividade agroindustrial importante em vários estados do Nordeste brasileiro.

Outros ciclos econômicos, em função da crise do ciclo vigente, acabaram superpondo o anterior. Nota-se que a economia colonial é uma economia dotada basicamente de demanda externa; a internalização é algo de menor importância, senão completamente irrelevante.

Assim sendo, os fluxos de renda da economia colonial do açúcar, basicamente ocorriam entre o empreendimento produtivo interno (o engenho) e as relações com o mundo externo (a metrópole européia).

O período que se pretende abordar é o período de domínio do ciclo do café, mais precisamente a segunda etapa da produção cafeeira ocorrida no final do século XIX em

diante, uma vez que alguns fatores são importantes, pois diferenciam dos ciclos anteriores. O primeiro, é a migração de mão-de-obra estrangeira, que possibilitou o desenvolvimento do trabalho assalariado, criando condições objetivas para a alavancagem de instrumentos relacionados à economia interna. O segundo, de grande importância, é a acumulação de capital que possibilitou investimentos em atividades industriais, em função das crises externas, a Primeira Guerra (1914-18) e a crise de 1929 (crack da Bolsa de Nova York).

Enquanto, em todos os ciclos econômicos anteriores que se estende do século XVI ao século XVIII/XIX (cana-de-açúcar, mineração do ouro, borracha etc.) as regiões viviam um isolamento completo, se quisermos, um intercâmbio menor, residual numa hinterland muito próxima que servia de abastecimento de alimentos e animais para o trabalho; a partir do café, isso vai configurando numa formação territorial adversa da anterior. Tínhamos “ilhas” ou “arquipélagos” anteriormente, depois passamos a uma integração econômica7 e territorial mais intensa, isso só foi possível com a economia do café, no Sudeste do Brasil, e os desdobramentos a posteriori que desembocaram no processo industrial brasileiro.

A constatação furtadiana, diferenciando os momentos específicos da economia do açúcar e a do café, é bastante interessante. Diz ele:

7 C. Furtado (1960) nos adverte com bastante propriedade sobre o grau de integração da economia

brasileira. A economia brasileira, de fato, só passa a ter um caráter integrativo sob o prisma econômico- territorial com a expansão das atividades industriais, antes, mesmo com o café, o que ocorria era um prenúncio de mudanças daquilo que havia ocorrido anteriormente com outros ciclos econômicos. Tratando- se de um sistema econômico e o modelo de crescimento econômico brasileiro, C. Furtado diz: “(...) o que se entende por economia brasileira. Para o observador que considere de uma perspectiva bastante ampla, o Brasil surge como um imenso contínuo territorial dotado de unidade política e cultural, mas descontínuo do ponto de vista econômico” (FURTADO, 1960, p. 10).

(...) Na época de formação da classe dirigente açucareira, as atividades comerciais eram monopólio de grupos situados em Portugal ou na Holanda. As fases produtiva e comercial estavam rigorosamente isoladas, carecendo os homens que dirigiam a produção de qualquer perspectiva de conjunto da economia açucareira. (...) A economia cafeeira formou-se em condições distintas. Desde o começo sua vanguarda esteve formada por homens com experiência comercial. Em toda a etapa da gestação os interesses da produção e do comércio estiveram entrelaçados (FURTADO, 2000b, p. 119-120).

Se com o café, parte substancial dos lucros permanecia com os produtores e, se havia uma necessidade de adequação no que diz respeito ao fator de produção no que toca à mão-de-obra, uma vez que havia pressões internacionais, em especial, dos ingleses, contrários ao tráfico de escravos, então, no pensamento dos produtores de café, precisava-se equacionar tal problema.

A expansão da cafeicultura no século XIX, na segunda metade do século anunciado, demandava muito mais mão-de-obra do que a disponível (a oferta de escravos, conforme censo de 1872 indicava um número em torno de 1,5 milhão de escravos)8, o que não satisfazia as necessidades do mercado de cultivo do café. Para tanto, recorreu-se ao mercado de mão-de-obra imigrante (migração externa).

A transferência geográfica de população européia no final do século XIX possibilitou que a economia do café recebesse esse contingente proveniente de fora, além de uma estimulada imigração por parte do governo do Brasil para a região Sul. O maior número de imigrantes para São Paulo foram os italianos no final do século XIX. C. Furtado (2000b) atribui um número bastante expressivo para o Estado de São Paulo. O mesmo afirma que:

8 Dados extraídos de Celso Furtado, In: Formação Econômica do Brasil. 27ª. ed. São Paulo: Companhia

Editora Nacional; Publifolha, 2000b – (Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro). Os dados encontram-se citados à p. 123.

O número de imigrantes europeus que entra nesse Estado sobe de 13 mil, nos anos setenta, para 184 mil no decênio seguinte e 609 mil no último decênio do século. O total para último quartel do século foi 803 mil, sendo 577 mil provenientes da Itália (Anuário Estatístico do Brasil 1937-39, apud

FURTADO, op.cit., p. 133).

No que diz respeito ao fluxo de renda, a maior mudança ocorreu com a introdução do trabalho assalariado, no final do século XIX. Devido a isso, foi possível criar uma economia alimentada por maior dinamismo do que todos os sistemas econômicos anteriores. Trata-se de uma economia que vai se internalizando e aumentando os fluxos de intercâmbio interno, o que se pode chamar de economia de mercado interno tendendo a formação de um mercado nacional mais adiante. Pode-se citar o entrelaçamento da economia agropecuária do Sul com a zona produtora de café, isto é, a região Centro-Sul do Brasil que começou a moldar certo tipo de mercado interno para trocas regionais.

Observa-se, que no decorrer do século XIX, particularmente no final do mesmo, ocorrem pequenos surtos espasmódicos de atividades relacionadas à maquinofatura (incipiente atividade industrial de predomínio do fator trabalho).

No entanto, essa atividade industrial mais portentosa só começa a ser efetiva no século XX. As crises externas (guerra e de acumulação) empurram a economia brasileira a muitas dificuldades de exportação do principal produto de exportação (café) e de importações de mercadorias externas. Essas imensas dificuldades externas de importação proporcionaram, por sua vez, condições adequadas à implantação da produção guiada por atividades industriais internamente vis-à-vis às necessidades impostas pela conjuntura.

C. Furtado (1950) atribui o ano de 1929 como um ano de ruptura fundamental para essas transformações na economia brasileira. Em suas palavras:

Pode-se considerar 1929 como o término de uma fase evolutiva da economia brasileira. Não que esta tenha passado de colonial a industrial, e sim porque tendo atingido o ponto máximo de expansão dentro de uma determinada estrutura, viu- se na impossibilidade de continuar a expandir-se dentro dessa estrutura. Até então o setor colonial havia absorvido direta ou indiretamente (através dos transportes, por exemplo) a massa das inversões(FURTADO, 1950, p. 23).

Ainda, sobre o período do café é importante salientar a oferta elástica de dois fatores de produção importantes - mão-de-obra e o fator terra. Com a chegada do imigrante europeu, mais os escravos que foram libertados, tivemos uma oferta bastante satisfatória do fator trabalho.

Isso, apesar de não causar constrangimentos ao cafeicultor, pois a pressão sobre aumentos salariais praticamente não existia; não havia outros meios de sobrevivência para os despossuídos, senão no circuito monetário da economia, a não ser que se voltassem às atividades da economia de subsistência (economia amonetária e de trocas simples de mercadorias).

Toda vez que a economia internacional demandava menos café, havia por parte dos empresários da cafeicultura a necessidade de manter os cultivos, uma vez que os governos de plantão aplicavam uma política monetária e cambial favorável ao setor. Do ponto de vista interno, mantinha o poder de compra, por outro lado esse mecanismo gerava desequilíbrio externo.

Nos períodos de alta cíclica do café os ganhos de produtividade permaneciam em mãos dos empresários, caracterizando maior concentração da renda; nos de baixa cíclica havia uma disseminação das perdas por toda a sociedade, os perdedores maiores, de fato, eram os assalariados e consumidores urbanos de baixa renda de forma geral (a propósito ver FURTADO, 2000b, cap. XXVIII, p. 165-171). Isso, explica quão importante foi, a propósito, a construção nacional feita de cima para baixo, tão cara às análises de C. Furtado.

O que basta, por enquanto, é entendermos o papel do assalariamento e a acumulação de capital de uma economia colonial do tipo exportadora para uma economia de transição e, por conseguinte, a industrial, uma vez que são esses os alicerces do empreendimento industrial que vai se fortalecendo. Mas, precisamos ter em conta uma perspicaz advertência de C. Furtado quanto a essa questão da acumulação de capital em economias coloniais. Diz ele:

(...) numa economia colonial, o processo de formação de capital não se comporta como uma peça integrante do sistema econômico. Os estímulos que induzem os empresários a inverter não refletem as flutuações e perspectivas do nível de gastos realizados dentro da economia. É neste sentido que a economia colonial não constitui, propriamente falando, um “sistema econômico” e sim parte de um sistema (FURTADO, 1954, p. 63).

Sob o quesito da acumulação proveniente das atividades do café, em função da própria crise do setor que assola a economia do café, mesmo com todos os aparatos de modelagem cambial que tinham como objetivos precípios beneficiar o setor, a economia teve que se adequar interna e externamente. Partes dos recursos das atividades do café foram canalizadas em direção a outras atividades urbanas, inclusive a produção de mercadorias industriais.

A crise do setor externo possibilita maiores rendimentos aos inversionistas que estavam interessados em aumentar suas atividades internas e, por conseguinte, seus ganhos de rentabilidade e lucratividade em novos empreendimentos. Uma mudança extraordinária em direção a produção de mercadorias, para o mercado interno, obriga os produtores nacionais a aumentarem sua capacidade instalada e/ou liberarem a capacidade ociosa reprimida e adquirir bens de capital (máquinas e equipamentos), inclusive no mercado externo, proporcionados pela crise econômica de 1929, que atingiu significativamente as economias industriais centrais.

O Brasil, na fase depressiva do ciclo, e com um mercado internacional do café debilitado, além das fortes elevações dos preços dos importados, possibilita que as forças produtivas (ligadas às atividades industriais) e os capitais (dos setores ligados ao café) direcionem investimentos ao setor em expansão, pois tendiam a proporcionar lucros avantajados.

A. Mamigonian, com base na teoria dos ciclos econômicos – Kondratieff (ciclos longos de 50 anos) e Juglar (ciclos curtos de 10 anos) - aponta que o economista Ignácio Rangel tem um esquema explicativo suficientemente oportuno para compreensão desse intervalo da economia brasileira - os anos 20 do século passado. No seu dizer afirma que:

(...) À medida que avançava, a industrialização ia gerando um centro dinâmico interno, que na década de 20 já era considerável, pois a indústria, principalmente o ramo têxtil, era o setor mais importante da economia brasileira após o café. Criava-se um setor industrial, que passava a ter seu próprio dinamismo, que se manifestava nos ciclos juglarianos brasileiros. Cada ciclo médio correspondeu a um degrau na escada da substituição de importações: indústria de bens de consumo simples, indústrias de materiais de construção, indústrias de bens de consumo duráveis e indústrias químicas e mecânicas pesadas (MAMIGONIAN,

[s.d]. p. 15-16).

A crise de 1929 e as medidas tomadas em termos de política de proteção do setor cafeeiro, depreciação da moeda e favorecimento do setor exportador, provocou internamente retração do multiplicador de desemprego e manteve o nível global da renda. C. Furtado (1956) vê isso como medidas acertadas para a economia como um todo. Em suas palavras:

Ao garantir preços mínimos de compra remuneradores para a grande maioria dos produtores, estava-se na realidade mantendo o nível de emprego para a economia exportadora e, indiretamente, para os setores produtores ligados ao mercado interno. Ao evitar-se uma contração de grandes proporções na renda monetária do setor exportador, reduziam-se proporcionalmente os efeitos do multiplicador de desemprego sobre os demais setores da economia (FURTADO, 1956, p. 54).

A superação da crise de 1929, relacionada ao estrangulamento externo, possibilitou uma mudança substancial das atividades industriais no território brasileiro, mais precisamente na região de domínio do café, o Sudeste, em especial, São Paulo. C. Furtado (2000b, p. 211), aponta que a “produção de bens de capital no Brasil (...) pouco sofreu com a crise, recomeçando a crescer já em 1931. Em 1932, (...) aquela produção já havia aumentado em 60 por cento com respeito a 1929”.

Entretanto, C. Furtado aponta que todas as mudanças ocorridas não foram orientadas pelo Estado brasileiro, tampouco, planejadas pelos dirigentes nacionais. As políticas econômicas, praticadas no Brasil, na sua visão, ocorreram, “inconscientemente”, transformando numa “política anticíclica” (FURTADO, 2000b, p. 205). O Brasil vivia naquele momento sob forte influência do liberalismo dominante. Destacaremos esses condicionantes na seção seguinte.

II-II A visão de Celso Furtado sobre o processo de industrialização: uma