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IV A interpretação furtadiana das desigualdades socioespaciais e contradições do desenvolvimento brasileiro nos anos 50 e

II – A PERSPECTIVA DE CELSO FURTADO SOBRE O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL BRASILEIRO COMO

II- IV A interpretação furtadiana das desigualdades socioespaciais e contradições do desenvolvimento brasileiro nos anos 50 e

Antes mesmo, de o Brasil possuir uma matriz industrial sólida, C. Furtado (1959), já manifestava preocupações com relação à dinâmica do capitalismo industrial brasileiro. Como o capitalismo é um sistema econômico produtor de riquezas e de excludências diversas (sociais, espaciais e setoriais), C. Furtado anota que:

O desenvolvimento econômico no mundo todo, tende a criar desigualdades. É uma lei universal inerente ao processo de crescimento: a lei da concentração. E dentro de um país de dimensões continentais como o Brasil, de desenvolvimento espontâneo, entregue ao acaso, os imperativos desta lei tendem a criar problemas capazes de acarretar tropeços à própria formação da nacionalidade (FURTADO, 1959, p. 10).

A idéia concebida de que as questões de disparidades regionais no território nacional fossem resolvidas de forma espontânea, graças a certo equilíbrio federativo, com a expansão das atividades industriais, isso mostrou que não ocorreu; pelo contrário, aumentou as desigualdades entre as regiões.

Tomamos a liberdade de fazer uso do conceito “território usado, sinônimo de espaço geográfico” (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 20). O espaço, por conseguinte, nessa perspectiva passa a ser uma categoria que deve ser vista como uma “totalidade”, no mesmo nível e patamar comparativo de “uma instância da sociedade, ao mesmo título que a instância econômica e a instância cultural-ideológica” (SANTOS, 1992, p. 5 e p. 1 respectivamente).

Quando se trata de Brasil, nos anos 50/60, vemos com clareza e distinção as diferenças marcantes de renda e as infra-estruturas industriais. Os números comparativos são eloqüentes, “(...), se a participação do Nordeste no produto bruto do Brasil, em 1939, era de cerca de 30%, hoje em dia [1959] é de apenas 11%” (FURTADO, 1959, p. 14).

O que foi bastante criticado em C. Furtado é ter levado adiante a tese cepalina do subdesenvolvimento dentro do subdesenvolvimento, isto é, uma região dominante (o Centro-Sul do Brasil), a região geoeconômica e o centro econômico mais desenvolvido e regiões satélites subdesenvolvidas (o Nordeste do Brasil).

Conforme, teorização da Cepal, um dos pilares de sustentação dessa tese é a relação centro-periferia entre formações nacionais e que esta pudesse ser adaptada às condições endógenas (internas) das nações no que toca o desenvolvimento desigual.

Quando se trata da integração econômica do território brasileiro na primeira metade do século XX, C. Furtado apresentava certa visão e abordagem consoante à teorização cepalina de reprodução da divisão internacional do trabalho dentro do país. Para ele, isto era um problema, e foi visto e interpretado pelo mesmo com a seguinte caracterização:

Esta articulação, que os estudiosos da economia brasileira, na primeira metade do século XX, apreciaram como forma de evolução tendente a integrar o País em uma só economia, trazia o germe dos problemas que hoje estamos enfrentando, pois reproduzia o mesmo esquema de divisão geográfica do trabalho que viciaria todo o desenvolvimento da economia mundial, com suas metrópoles industrializadas e colônias produtoras de matérias-primas (FURTADO, 1959,

p. 12).

W. Cano (2001) adverte sobre esse perigo dessa teorização apontando que:

Seu principal problema teórico, no que se refere às tentativas de aplicá-lo à dimensão regional de uma nação, consiste em que a concepção ‘centro-periferia’ é válida quando aplicada ao relacionamento entre Estados-nações, mas não o é plenamente entre regiões de uma mesma nação.

Nestas, a diferenciação de fronteiras internas não pode ser formalizada por medidas de política cambial, tarifária e outras, salvo as relacionadas às políticas de incentivos regionais. As regiões, quando muito guardam marcadas diversidades culturais e históricas, além de estruturas econômicas diferenciadas

(CANO, 2001, p. 103).

Outra questão que merece fazer uma digressão, pois as polêmicas são intensas, é com relação ao conceito de região. Muitas são as interpretações dessa temática tão

importante no seio do desenvolvimento desigual. Apontaremos algumas que acreditamos devam ser pertinentes.

A interpretação dada por S. Lencioni (1999) é muito importante, pois perpassa do ponto de vista analítico o conceito de região observando a evolução e influência dessa categoria analítica nos estudos regionais e no planejamento. Primeiro, (no capítulo 3, p. 119-145) a abordagem da autora centra-se na influência do neokantismo e do positivismo, daí a região passar a ser um instrumento técnico-operacional da organização do espaço. Segundo, (no capítulo 4, p. 147-173) a autora trata da influência da fenomenologia e do marxismo nos estudos regionais e, no marxismo a região é dada “(...) como parte de uma totalidade. A diferença agora residia no fato de que essa totalidade não era mais concebida nem como uma totalidade lógica nem como uma totalidade harmônica. Foi concebida como uma totalidade histórica” (LENCIONI, 1999, p. 164-165).

Deslindar o problema regional brasileiro e a conceituação de região, além de ser desafiante, também é cheio de controvérsias, dada à complexidade conceitual e de abrangência do termo. Em A. Lipietz (1988), dentro de uma propositura conceitual marxista de região, o mesmo aponta que a região pode e deve ser enquadrada numa abrangência tal que “(...) não se deve analisar regiões, mas a dimensão espacial das relações sociais: ‘a região aparece assim como produto das relações inter-regionais e estas com uma dimensão das relações sociais’” (LIPIETZ, 1988, p. 29 apud PACHECO, 1998, p. 28).

Mas, definindo o conceito de região podemos lançar mão da seguinte assertiva conceitual:

Uma região é uma sociedade historicamente desenvolvida e territorialmente contínua que possui um ambiente físico, socioeconômico, um meio político e cultural, e uma estrutura espacial distinta de outras regiões e das outras unidades territoriais principais (cidades e nações) (MARKUSEN, 1987, p. 16-17 apud

Por isso, que C. Furtado antecipadamente, enxerga de forma lúcida, que em sociedades tão heterogêneas e desiguais (nos aspectos sociais, econômicos, espaciais- regionais) como a nossa, a intervenção estatal na correção do desenvolvimento regional faz se necessário. Mesmo por que, com o planejamento regional, o Estado instrumentaliza e dá suporte necessário ao processo de reprodução social do capital; não obstante, “(...), a questão a ser resolvida não é o capital no espaço, mas o desenvolvimento do capitalismo17 no espaço” (PACHECO, 1998, p. 32, Grifos nossos).

Para C. Furtado, havia uma clareza com relação ao problema regional brasileiro em voga. A ‘questão regional’ está vinculada a ‘questão nacional’ que acaba sendo um problema do subdesenvolvimento das regiões/nações periféricas do mundo e o seu enquadramento na divisão internacional do trabalho. Isto está diretamente relacionado à capacidade da nação em construir de forma autônoma políticas territoriais18 capazes de equacionar os desequilíbrios socioespaciais.

17 “Para I. Mészáros, capital e capitalismo são fenômenos distintos, e a identificação conceitual entre ambos

fez com que todas as experiências revolucionárias vivenciadas nesse século, desde a Revolução Russa até as tentativas mais recentes de constituição societal socialista, se mostrassem incapacitadas para superar o sistema de metabolismo social do capital, isto é, o complexo caracterizado pela divisão hierárquica do trabalho, que subordina suas funções vitais ao capital. Este, segundo o autor, antecede o capitalismo e é a ele também posterior. O capitalismo é uma das formas possíveis da realização do capital, uma de suas variantes históricas, presente na fase caracterizada pela generalização da subsunção real do trabalho ao capital. Assim como existia capital antes da generalização do sistema produtor de mercadorias [de que é exemplo o capital mercantil], do mesmo modo pode-se presenciar a continuidade do capital após o capitalismo, por meio daquilo que Mészáros denomina “sistema de capital pós-capitalista”, que teve vigência na URSS e demais países do Leste europeu, durante várias décadas deste século XX. Esses países, embora tivessem uma configuração pós-capitalista, foram incapazes de romper com o sistema de metabolismo social do capital ...” (MÉSZÁROS, I., 1995, apud, ANTUNES, R. Os Sentidos do Trabalho, 2001. 5ª. ed. São Paulo: Boitempo Editorial). A citação encontra-se à p. 23, nota 5.

18 Uma observação pertinente sobre políticas territoriais parte-se em diferenciar essas mesmas políticas. Diz

o texto: “Tradicionalmente, as políticas territoriais têm sido entendidas no âmbito restrito dos planos regionais de desenvolvimento, isto é, enquanto atividade planejada do Estado voltada ao enfoque regional específico, resultando comumente em projetos especiais que interessam a uma ou outra região do país. No nosso enfoque, entretanto, as políticas territoriais extrapolam essa noção, abrangendo toda e qualquer atividade estatal que implique, simultaneamente, uma dada concepção de espaço nacional, uma estratégia de intervenção ao nível da estrutura territorial e, por fim, mecanismos concretos que sejam capazes de valorizar essas políticas” (COSTA, W. M. da. O Estado e as Políticas Territoriais no Brasil. 7ª. ed. São Paulo: Contexto, 1997, p. 13).

Em outras palavras, só se resolve a ‘questão regional’, se e somente se, resolvermos a ‘questão nacional’ no âmbito das relações centro-periferia, em que a possibilidade de construção nacional almejada e alcançada esteja posta.

Em resumo, são políticas territoriais com autonomia de decisão pelos agentes econômicos nacionais e pelo Estado como modelador da vida social coletiva da nação dentro do seu próprio território – é o controle da soberania estatal-territorial pelo Estado nacional no que tange a vida econômica, social e política de uma dada formação social- territorial e as perspectivas do devir de seu próprio desenvolvimento nacional.19

C. Furtado, logo nos primeiros anos da Sudene, propõe um reordenamento do pacto federativo. Isso seria um mecanismo de equilíbrio da arquitetura política federativa e uma maneira menos dolorida de resolver o esgarçamento do tecido social, econômico e político da federação. É uma reafirmação do pacto federativo em moldes reformistas, isto é, com a Sudene, havia a possibilidade dos entes federativos (União e Estados) terem uma gestão compartilhada dos recursos escassos arrecadados em nível nacional.

A crise da federação iminente, em função do desenvolvimento desigual, não combinado, entre as regiões brasileiras, e dada também à disparidade da renda, poderia ser alterada com o modelo de criação da Sudene. Esse é o objetivo precípuo que se pode enxergar com a criação desse órgão – o I Plano Diretor da Sudene data de 1961-63, o II Plano Diretor da Sudene data de 1963-65.

A razão republicana de C. Furtado quanto a Sudene é vislumbrada associando duas pontas, a primeira a razão republicana propriamente dita; em C. Furtado não dá para

19 Quando se trata do controle estatal-territorial, na prevalência dos direitos soberanos das nações sob seu

próprio destino, como coletividade nacional, inclusive a autodeterminação e o próprio desenvolvimento econômico dos povos, apesar de serem formulações diversas, em campos político-ideológicos diferentes, mas de confluências comuns, no que toca ao sentido do desenvolvimento nacional, pode-se afirmar, conforme aponta J. L. Fiori (1999) que: “A ideologia wilsoniana-leninista da autodeterminação das nações, sua igualmente abstrata, e seu paradigma desenvolvimentista incorporado em ambas variantes ideológicas, foi aceita maciça e praticamente sem exceção como programa operacional dos movimentos políticos das zonas periféricas e semi-periféricas do sistema mundial” (WALLERSTEIN, 1974 apud FIORI, J. L. De volta à questão da riqueza de algumas nações. In: FIORI, J. L. (Org.). Estados e moedas no desenvolvimento das nações. 2ª. ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 1999, p. 11-85) . A citação encontra-se à p. 22.

separar “(...) as três dimensões da República – o destino nacional, a cidadania social e a soberania popular – estão articuladas em uma lógica mutuamente configuradora” (GUIMARÃES, J., 2001 p. 24) em que o projeto de nação está intimamente associado à superação do subdesenvolvimento. A segunda, um federalismo regional em que:

O uso sistemático dos instrumentos de controle social, ao produzir efeitos na transformação do sistema político e econômico do Nordeste, tendo como veículo a SUDENE, poderia trazer, para ele, coerência econômica e coesão política à nação, evitando a cisão entre o social, o político e o econômico (GUIMARÃES,

Ma. E., 1999, p. 202).

Mas, voltando um pouco atrás, a programação do desenvolvimento, conforme C. Furtado, deve ser feita no sentido de observar que “(...) a economia brasileira não é um sistema integrado” na sua totalidade espacial; para pensar um “(...) plano de desenvolvimento é necessário considerar em conjunto toda a economia nacional” (FURTADO, 1956, p. 55 e 57). A criação da Sudene, em 1959, traz no seu bojo estas questões a serem equacionadas com a nova política. Sendo assim,

(...) A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE - pretende ser um órgão de natureza renovadora com o duplo objetivo de dar ao Governo um instrumento que o capacite a formular uma política de desenvolvimento para o Nordeste e, ao mesmo tempo, o habilite a modificar a estrutura administrativa em função dos novos objetivos (FURTADO, 1959, p. 18).

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Um aspecto importante relacionado à questão da região vista sob a perspectiva nacional foi à criação da Sudene que tinha objetivos claros a serem perseguidos e seria, de fato, um órgão de governo responsável em elaborar o planejamento da economia nordestina.

No fundo, é tornar a economia nordestina muito mais produtiva que até então tinha sido. Mas, a ‘questão nordestina’, somada com o poder das oligarquias retrógradas da região na manutenção das estruturas arcaicas existentes, de outro, a burguesia industrial do Centro-Sul que aderiu a um capitalismo associado com as grandes transnacionais;

essas são as dificuldades encontradas em transformar o Nordeste numa região mais avançada do ponto de vista social e econômico.

Com esse dilema posto, que o sonho da utopia e da razão do cientista, personalizado no homem de visão avant-garde e cavaleiro andante, de ação racionalizadora e propositiva; nesse labor e empreitada, é que caracterizou Celso Furtado e seus trabalhos frente a Sudene. Depois tudo, ou quase tudo, foi transformado em fracasso na década seguinte – anos 60 -, pós-golpe militar de 1964.

A percepção de C. Furtado com relação ao subdesenvolvimento, pois resolver o problema do Nordeste, também é resolver a dicotomia relacional polarizadora entre desenvolvimento/subdesenvolvimento nacional, o mesmo aponta e afirma com base na mitologia grega que “o subdesenvolvimento, como deus Janus, tanto olha pra frente como para trás, não tem orientação definida. É um impasse histórico que espontaneamente não pode levar senão a alguma forma de catástrofe social” (FURTADO, 1992b, p. 19).

Vamos tratar das reformas, do desenvolvimento e do planejamento como condição necessária para superação desse impasse que está presente em todos os lugares, olhando para todos os lados. Vejamos isso na seção que se segue.

II-V Em busca de soluções para as desigualdades socioespaciais e aspectos